Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A ACENTUADA ELEVAÇÃO DA TAXA DE DESEMPREGO, REVELANDO UM AGRAVAMENTO DA CRISE ECONOMICA DO PAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A ACENTUADA ELEVAÇÃO DA TAXA DE DESEMPREGO, REVELANDO UM AGRAVAMENTO DA CRISE ECONOMICA DO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/1996 - Página 7553
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, NIVEL, DESEMPREGO, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA, TRABALHADOR.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOSE SARNEY, SENADOR, PRESIDENTE, SENADO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APOIO, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, TRABALHADOR.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a taxa de desemprego, em março de 1996, atingiu 6,38%. Segundo o IBGE, é a maior desde 1992, o que indica um agravamento da situação econômica e social.

O Governo, nesta semana, anunciou o Pró-Emprego. Nestes últimos dias, o Ministro do Planejamento e Orçamento, José Serra, anunciou que o BNDES e o Governo Federal irão destinar um volume de recursos muito significativo para aumentar o nível de emprego.

Na última terça-feira, assinalamos aqui que seria de se esperar que os Ministros José Serra e Pedro Malan, com a consciência crítica que acumularam ao longo das últimas décadas a respeito da forma de melhor estimular o crescimento da economia, observassem que renúncias fiscais e créditos a taxas de juros bem menores do que as de mercado, para empresários que já acumularam grande riqueza em nosso País, têm-nos levado a uma situação de crescente desigualdade e, muitas vezes, não têm sido o melhor mecanismo para compatibilizar os objetivos de estabilidade de preços, de crescimento, de melhoria da distribuição da renda e, sobretudo, de erradicação da miséria.

Ontem, Herbert de Souza, o mais importante membro do Conselho de Comunidade Solidária, que, nestes últimos anos, lançou a Ação pela Cidadania Contra a Miséria e pela Vida, resolveu dizer que não permanecerá mais atendendo ao honroso convite que lhe foi feito pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e pela Primeira-Dama, Srª Ruth Cardoso, de permanecer no Conselho de Comunidade Solidária. Irá Betinho escolher outro lugar para continuar a luta. Ao sair, disse que o Programa vai "virar areia" sem um plano social factível, e criticou severamente o Programa Pró-Emprego, com o qual o Governo pretende criar 600 mil novos empregos nos próximos três anos.

Disse Betinho:

      "Pode parecer contraditório que eu saia justamente quando o Conselho ficará como eu quero. Digo que é justamente por isso: não será necessário que eu fique para mudá-lo. Se o Presidente apresentar um plano factível, concreto, audacioso, o Comunidade vai ter sentido; senão, ´vira areia`."

Afirmou que a demanda anual por novos empregos no Brasil é de um milhão, enquanto que o Pró-Emprego só gerará mil novas vagas anuais. Dos 20,8 bilhões do Pró-Emprego, 11,8 bilhões já eram das empresas estatais.

Como bom economista, disse Betinho, José Serra juntou números e mostrou à sociedade, que, se fosse boba, acreditaria; mas esse não é mais o caso.

O lugar para a luta, que Betinho disse querer escolher, é a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, movimento que não tem ligação com o Governo.

Conversei, há 15 minutos, com Herbert de Souza, justamente porque tenho tido com ele uma comunhão de propósitos ao longo dos últimos anos e décadas, principalmente a partir do Governo Itamar Franco, em 1993, quando criou a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida.

Naquela oportunidade, houve, na sociedade brasileira, uma iniciativa de enorme vigor sobre essa questão. Luiz Inácio Lula da Silva, José Graziano da Silva e outros apresentaram à Nação um plano de ação de segurança alimentar. Betinho sugeriu que Lula apresentasse a referida proposição, com o que o Senador Pedro Simon, então Líder do Governo Itamar Franco, concordou. Com Dom Mauro Morelli e Betinho, instituiu-se o Conselho Nacional de Segurança Alimentar no Governo, ocasião em que Lula apresentou suas proposições.

Entretanto, é necessário reconhecer que o Governo conseguiu a maior estabilização de preços, uma notável estabilização relativa, passando de 40 a 50% ao mês, em maio e junho de 1994, para uma inflação em torno de 1%, hoje, em maio de 1996. Se o Plano Real vem conseguindo sucesso no que diz respeito à estabilização da moeda, está tendo, como o outro lado da medalha, esse recorde de desemprego.

Segundo dados do IBGE:

      "Há quatro anos, o índice estava em 6,53%. Na comparação com o mesmo mês de anos anteriores, é o maior em mais de dez anos. Em março de 1985, era de 6,48%.

      O termo desemprego aberto se refere às pessoas que procuraram emprego na semana anterior à da pesquisa. Exclui as que desistiram."

E é justamente em São Paulo que ocorre a maior taxa de desemprego aberto.

      "...a situação do emprego se agrava quando há coincidência no aumento da taxa de desemprego e na redução do pessoal ocupado. Isso aconteceu na indústria, que reduziu o número de vagas nas seis regiões pesquisadas de 3.293.100 em março de 1995 para 2.992.667 em março passado (9,12%).

      Na construção civil, comércio e serviços, o número de pessoas ocupadas aumentou. Shyrlene" - Shyrlene Ramos de Souza, da equipe de análises conjunturais do IBGE - "disse que, além da indústria paulista, o resultado de Porto Alegre, outra região onde é forte a presença de emprego industrial, também influenciou negativamente no resultado da pesquisa.

      ..................................................

      Isso ocorre porque, além do aumento da taxa de desemprego aberto em todos os setores (indústria, comércio, construção civil e serviços), também diminuiu a população ocupada na indústria (menos 8,64%) e na construção civil (menos 5,28%).

      Em relação ao primeiro trimestre do ano passado, os três primeiros meses do ano mostraram resultados piores de desemprego aberto, segundo a pesquisa. O total das seis regiões pesquisadas foi de 5,77% (ante 4,36% em 1995).

      Na indústria de transformação, a taxa passou de 4,93% para 7,30%; na construção civil, de 4,79% para 6,56%; no comércio, de 4,77% para 5,99%; e nos serviços, de 3,38% para 4,42%."

Se o rendimento médio das pessoas empregadas aumentou, é importante ressaltar que o desemprego também aumentou. Em São Paulo, o desemprego está em 7,65%, segundo o IBGE; e, pelo índice do DIEESE, é bem mais alto. Em Recife, 7,28%; em Porto Alegre, 6,61%; em Salvador, 6,40%; e, em Belo Horizonte, 5,32%. Esses são os últimos dados do IBGE.

Sérgio Mendonça, economista e coordenador técnico do DIEESE, estima que o desemprego está tirando da economia da Grande São Paulo cerca de R$2 bilhões ao ano, cifra equivalente a cerca de 3% da massa total anual de rendimentos na região. Com essa renda a menos, as vendas são afetadas, as demissões crescem e o desemprego acaba gerando mais desemprego.

Ora, Sr. Presidente, não pode ser considerada como civilizada uma política que, para conseguir a estabilidade de preços, nega oportunidades de emprego a quem quer trabalhar, produzir mais, contribuir para o sustento digno de sua família. Precisamos combinar os valores da busca do interesse próprio com valores cívicos, sobretudo os da solidariedade, para alcançar a compatibilização de objetivos, muito mais eficaz, no meu entender, do que a criação de programas como o Pró-emprego; seria a combinação de políticas que viessem agilizar a reforma agrária; o assentamento de trabalhadores no campo; a introdução, no nosso País, de uma forma de imposto de renda negativo; a introdução do Programa de Garantia de Renda Mínima, que diretamente viria criar demanda por bens e serviços de primeira necessidade; assegurar a sobrevivência das pessoas; estimular emprego; colocar recursos diretamente nas mãos daqueles que deveriam ter prioridade, consoante ao que está na nossa Constituição, quando diz que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do País assegurar que o crescimento da economia se faça com distribuição da renda em termos regionais e sociais, e assegurar a vida digna para todos os brasileiros.

Sr. Presidente, na última terça-feira, aqui comentamos, o Senador José Roberto Arruda também o fez, a matéria da Folha de S.Paulo sobre o Programa de Garantia de Renda Mínima, a sua aceitação crescente e suas experiências.

Ainda ontem, o jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão, apresentou, na hora do almoço, a experiência de Ribeirão Preto, que vem sendo altamente positiva, de garantir o mínimo de renda às famílias, inclusive para propiciar que as suas crianças estejam freqüentando a escola.

Temos, hoje, uma notícia alvissareira, nesse aspecto, porque o Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, Senador José Sarney, abraça abertamente a causa. Leio, aqui, a sua coluna de hoje, publicada na Folha de S.Paulo, "Salário e renda mínima":

      Saiu o salário mínimo. Como sempre, há a cana-de-braço entre o governo, que diz que a economia não comportar valores mais altos, e os que acham que essa conversa é a escamoteação do espírito da Constituição ao estabelecer que "o salário mínimo... tem que ser capaz de atender às suas necessidades (do trabalhador) vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social..."

      Basta esse enunciado para verificar que as coisas não se resolvem com a lei e muitas vezes ficam muito distantes da lei. Como atender tudo isso com R$112,00 por mês? É dar ao trabalhador a capacidade, na sua pobreza, de ter o dom da multiplicação dos pães e fazer milagres.

      Na verdade, o modelo do salário mínimo foi um grande avanço para evitar a degradação da remuneração do trabalho no país, reconhecidamente de desemprego crônico e remuneração irrisória.

      Mesmo assim, há uma grande mancha de descumprimento do salário mínimo, principalmente no interior e no campo, onde a fiscalização é impossível de ser exercida e a economia em estado de desintegração não tem caixa para pagar o que a lei manda.

      O trabalhador fica na opção entre o salário zero do desemprego e o salário miserável do subemprego.

      O salário mínimo foi criado em 1940 pelo decreto-lei 2.162 com a finalidade de suprir as "necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte".

      Uma das características mais injustas do modelo brasileiro tem sido o de pagar baixos salários. O Brasil está na faixa dos países de mão-de-obra barata, com graves distorções. O resultado são indicadores sociais iguais aos dos países subdesenvolvidos do mundo.

      Eu sempre me pergunto em que tempo o Brasil tomou o atalho da história e não cumpriu o seu destino de ocupar aquele lugar sonhado e anunciado de país do futuro.

      Nas últimas cinco décadas ficamos obrigados a gerir e somente gerir uma agenda negativa de evitar o pior. Enfim, fugir do abismo e da catástrofe.

      As idéias nascem e vão crescendo, tomando corpo e se impondo com o tempo. O projeto do senador Eduardo Suplicy sobre a renda mínima, assegurando uma complementação salarial às camadas pobres entre os mais pobres, já não é hoje uma idéia longínqua e inalcançável.

      Ela passa a ser um instrumento possível de justiça social, que deve ser analisado e estar na mesa do governo para decisões. A fórmula de benefício direto em substituição a benefícios indiretos pode e deve ser analisada como um caminho a ser seguido.

      No momento em que os trabalhadores ficam frustrados com o aumento do salário mínimo e que alguns demagogos pregam soluções impossíveis, é bom meditar sobre o Projeto de Renda Mínima, já vigorando em muitos países, como uma solução de grande mérito e de grande alcance.

      No dia em que o Brasil tiver salário mínimo maior, trabalhador com uma vida digna e um programa de renda mínima, será um outro país.

      A idéia está madura".

É importante esse diagnóstico do Presidente José Sarney, não apenas como membro de seu Partido, mas como ex-Presidente da República e como Presidente do Congresso Nacional.

Ainda ontem, sem ter conhecimento desse artigo, conversei com o Deputado Germano Rigotto, que é o autor do parecer sobre a matéria na Comissão de Finanças e Tributação. Já havia conversado com o Deputado Delfim Netto, Presidente da Comissão de Finanças, e, como é propósito do novo Presidente Antonio Delfim Netto fazer a Comissão funcionar com eficiência, disse-me S. Exª que marcará a votação da matéria.

Em virtude, na próxima quarta-feira, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara avisará a todos os seus membros que na semana seguinte, portanto dentro de 10 dias aproximadamente, o Projeto estará em votação. Portanto, que se vote a favor ou contra, mas que se decida a respeito desse Projeto, que, desde dezembro de 1991, com o apoio de todos os Partidos, foi votado no plenário do Senado.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso disse-me, na semana passada, que votou a favor e continua sendo a favor, mas que há pessoas no Governo que não seriam tão a favor. Sua Excelência, certo dia, disse-me que sua esposa, D. Ruth, é contra. Tenho procurado a Srª Ruth Cardoso para tentar convencê-la. Conversei sobre esse tema com Herbert de Souza, o Betinho, que, inclusive, me autorizou a citar as suas palavras. Disse-me ele: "Mas, afinal, quem foi eleito Presidente do País foi o Presidente Fernando Henrique Cardoso e não a Srª Ruth Cardoso. Ele pode muito bem ter a certeza de que não vai apanhar em casa se for aprovado o Programa de Garantia de Renda Mínima, ao qual votou favoravelmente". Essa foi a observação de Betinho.

Com respeito à Srª Ruth Cardoso, por quem tenho amizade e com quem sempre conversei, já lhe disse que é meu propósito dialogar, e tenho a certeza que um diálogo franco a convencerá da eficiência do Programa de Garantia de Renda Mínima para os propósitos do Comunidade Solidária, que são diferentes daquilo que está acontecendo no País.

De que adiantará o Programa Comunidade Solidária distribuir três milhões de cestas básicas, se o número de pessoas desempregadas no País chega a níveis recordes, a níveis que guardam paralelo com os momentos de grande recessão do Governo Fernando Collor de Mello, dos momentos em que estava diminuindo a renda per capita?

Sr. Presidente, acredito ser necessário ao Ministro José Serra, do Planejamento, e ao Ministro Pedro Malan, um estudo mais profundo dessa matéria, inclusive da experiência de outros países, onde programas de renda mínima de inserção, na França, na Espanha e agora, em Portugal, o Primeiro-Ministro Antonio Guterres teve como principal bandeira de sua campanha o rendimento familiar mínimo. Ele apresentou esse projeto para a Assembléia Nacional Portuguesa. Logo depois de ter assumido o cargo de Primeiro-Ministro, relatou-me que neste primeiro ano haverá uma experiência-piloto que beneficiará 16 mil famílias e que no ano que vem haverá a universalização do programa de rendimento familiar mínimo.

Cito aqui um estudo feito nos Estados Unidos, em fevereiro de 1994, por Richard V. Burkhauser e Andrew J. Glenn sobre "Políticas Públicas para os Trabalhadores mais Pobres e o Crédito Fiscal por Remuneração Recebida versus a Legislação do Salário Mínimo". Obtive esse trabalho pela Internet, graças à possibilidade de acesso que temos hoje a essa rede. O trabalho mostra o que aconteceu com os baixos salários e a renda de pessoas com rendimentos mais baixos, nos Estados Unidos. Simula também o trabalho as conseqüências das repercussões dos respectivos ganhos de programas destinados a melhorar a vida dos trabalhadores mais pobres e chega à conclusão de que, no período de 1989/1982, foi justamente o crédito fiscal por remuneração recebida, Earned Income Tax Credit, justamente o mecanismo que mais eficientemente contribuiu para o aumento da renda dos trabalhadores de oportunidade de emprego.

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - A Mesa lembra a V. Exª que seu tempo está esgotado e já ultrapassa cinco minutos.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço a atenção, Senador Nabor Júnior.

Eu gostaria de registrar que se encontra maduro o momento da aprovação da proposta de renda mínima. Na missa do Dia do Trabalho, 1º de maio, realizada às 9 horas, na Catedral da Sé, Dom Angélico Sândalo, depois de abordar as diversas medidas importantes para neste País se melhorar a situação do trabalhador, medidas para assegurar maior número de empregos, concluiu dizendo que está na hora de o Congresso Nacional aprovar o Programa de Garantia de Renda Mínima para todos os brasileiros usufruírem minimamente da riqueza da nossa Nação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/1996 - Página 7553