Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 170 ANOS DE INSTALAÇÃO DO SENADO FEDERAL.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 170 ANOS DE INSTALAÇÃO DO SENADO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1996 - Página 7618
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SENADO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, CRIAÇÃO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, SENADO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eminente Senador Júlio Campos, que preside esta Casa na qualidade de 1º Vice-Presidente; eminente Ministro da Saúde, Dr. Adib Jatene; eminente Procurador-Geral da República, Professor Geraldo Brindeiro; eminente ex-Ministro da Educação, da Cultura, das Comunicações, nosso Senador Hugo Napoleão, Líder do Partido da Frente Liberal; Srªs Senadoras, Srs. Senadores e Srs. Embaixadores, em determinado instante, é muito difícil que um orador use a tribuna depois de ter ouvido um discurso denso, preparado, delineado, escorreito, como acaba de fazer o meu eminente colega Senador Lúcio Alcântara. Pergunto-me como superar as dificuldades de sucedê-lo, de dizer algumas palavras que não sejam repetitivas, que não incorram em mostrar aos que aqui se encontram a diferença que há entre o vaga-lume e o sol; mas, às vezes, o vaga-lume também tem a sua luz própria.

Como sou homem do Amazonas, como aprendi olhando rios, que sempre atingem seus objetivos, contornando as dificuldades que lhes surgem à frente, espero, também, dessa forma, contornar as minhas deficiências nesta missão, da qual fui encarregado pelo eminente Presidente José Sarney, talvez menos pelo orador que ocupasse a tribuna, mas por uma homenagem ao homem do Norte.

Ora, como me desincumbir de um mister dessa natureza senão desprezando o discurso que havia adrede preparado? Como usá-lo sem incorrer em repetições, que, por certo, teriam de ser formuladas ao eminente Senador Lúcio Alcântara? Com a gentileza que caracteriza os bons companheiros, S. Exª deixou espaço para que eu pudesse, quem sabe, pinçar aqui e acolá um dado de seu discurso - a propósito, bem o sei, caso contrário seu Colega não teria o que dizer -, citar alguns fatos pitorescos acontecidos, como, por exemplo, os 170 anos de existência - 6 de maio de 1826.

O que dizia a nossa Constituição de 28 de março de 1824? Ali está, no seu art. 40, que o Senado é composto por membros vitalícios e será organizado por eleição provincial. Observem aqueles que não convivem no meio parlamentar e que, portanto, não têm por que estar a par do que se passa nas Casas Legislativas, que, apesar de se dizer que essa eleição era provincial, o então Imperador, o nosso D. Pedro I, por Decreto de 1826, até certo ponto observava as listas providenciais, mas as preferências eram nitidamente suas.

Ainda há pouco, aqui, constando do seu gabinete, o eminente Senador Lúcio Alcântara registrava os cinco Senadores que foram escolhidos para a sua formação. Mas, como me faltou ouvir, agradeço ao eminente Senador Lúcio Alcântara permitir-me registrar, para que fique consignado nos Anais da Casa, que, àquela altura, D. Pedro I, que dizia que o Senador representava não só a Província, mas o País, o Brasil, nomeou o Marquês de Aracati, que era português, para o Senado. Com a abdicação de D. Pedro, o Marquês foi embora e acabou sendo Governador de Moçambique. É um dado pitoresco que aconteceu numa hora em que no Império os Deputados gozavam de três anos de mandato, e os Senadores de nove anos. Já não falo nem na parte dos vencimentos, ou dos subsídios, porque, há pouco, o Senador Josaphat Marinho alertava-me, baixinho, ao meu ouvido, que se estava pregando aqui uma diferença salarial que se baseava na época do Império.

Por essa razão, Sr. Presidente, permita-me lembrar alguns dados. Não obstante tudo que se tem atacado no Império, em verdade, o Senado do Império prestou grandes e inestimáveis serviços à Nação. Entre tantas, destaco três ocasiões: na discussão da Regência, na queda de Feijó e no reconhecimento da maioridade de D. Pedro II.

Àquela altura, no Senado, houve um episódio com o Marquês de Caravelas. Ele se recusou a assinar a dissolução e, conseqüentemente, retirou-se. Com isso, havia posto de lado a idéia da gratidão segundo a qual se dizia que, como no Império, o imperador nomeava os Senadores - o cargo era vitalício -; esses lhe deviam não só obrigação, mas tantas vezes a curvatura da espinha, para não dizer outro termo que se usava.

A instalação do Senado hoje esta Casa relembra - e é bom que o faça sempre em momentos como este. Apesar de estarmos com três comissões especiais reunidas, com posse de Ministro de Estado, ainda assim aqui comparece a nata da diplomacia, representada por seus embaixadores, as autoridades militares, os colegas, que nos permitem relembrar que no passado está sempre o ponto de partida para o futuro.

O eminente Senador Lúcio Alcântara discorreu, em seu pronunciamento, sobre o que foi o Senado, passando pelas dificuldades recentes até chegar ao dia de hoje. Quero que fique registrado nos Anais o fato de que, desde a sua instalação, no Império, até a Proclamação da República, o Senado teve 235 Senadores.

Com a Constituinte, que se instalou em 15 de novembro, tivemos - faço questão de registrar para a recordação dos que aqui estão, não dos Senadores, porque S. Exªs conhecem melhor do que eu - o Senador João Mangabeira, da Bahia. Foi um excelente Senador. S. Exª combatia o bicameralismo e dizia que não era possível que se o adotasse porque haveria mais pressa para baixar a lei se só existisse a Câmara. 

Um dado curioso é que ele, um velho defensor do unicameralismo, disse após deixar este Senado: "O Senado, em que pese os extremistas, não desmereceu do Brasil. Honro-me de ter a ele pertencido. Foi uma instituição grande do Império e maior da República". Realmente não desmereceu. Se repassarmos, um a um, os grandes nomes que o compuseram, vamos verificar que o Senado Federal possuía uma voz que alteou, que dominou o Continente e que, nas palavras do também Senador Luiz Viana Filho, que foi o seu biógrafo, era chamado de o decurião da liberdade e da lei: Rui Barbosa. Era um estadista da República, segundo João Mangabeira. Mas Rui não foi apenas um entre outros.

Faço, a propósito, este registro porque se trata de dois baianos que, na minha mocidade, tive oportunidade de cultivar através dos livros. Com Luiz Viana Filho convivi na época da Assembléia Nacional Constituinte. Deus me permite que hoje, no Senado, eu compartilhe do convívio de outro baiano que honra as tradições do seu Estado e cujo nome pronuncio com muito carinho: Senador Josaphat Marinho.

Essas são talvez as manifestações que eu poderia trazer em termos de lembrança do que foi o Senado, do que foi a trajetória desta Casa, se já não o tivesse feito antes, com propriedade registrada, o meu colega Lúcio Alcântara. Um orador a mais na tribuna pouco representa, mas alguém que teça palavras, ora sem sentido, ora desconexas, que passam a ter valor no instante em que algum ponto fica na mente dos que as escutam, esse alguém muito representa.

Dizia eu ao eminente Presidente do Senado, Senador José Sarney, através de um telefonema de S. Exª, que não me demoraria na tribuna mais do que 10 minutos. Não vou fazê-lo. Estou olhando o relógio com absoluta precisão: sobram-me 02 minutos para que lhes conte, porque escrevi, o que me pareceu interessante para um fecho final de uma manifestação como esta.

Se estamos aqui relembrando os 170 anos de existência do Senado, é porque esta é a Casa, segundo se diz, que abafa a voz ardente da Câmara, que atua com um pouco mais de tranqüilidade, que exercita a sua atuação com um pouco mais de prudência, e que sobretudo é a voz da experiência em relação à Câmara, por onde passei, onde ingressei com menos de 30 anos - e já se vão mais de 30! Nesse tempo, a admiração que eu sentia pelo Senador Josaphat Marinho transformou-se em uma amizade que o tempo jamais conseguirá destruir.

O que seria interessante registrar, na maturidade do Senado, na velhice do Senado? Digo-lhes o que me parece expressivo:

      "Velho Senado, onde tiveram assento pais e filhos - no Império isto ocorria: pai e filho chegaram a ser Senadores, irmãos, sobretudo vindos do Norte e do Nordeste, e tantos outros parentes. Caxias e seu pai foram Senadores ao mesmo tempo. Conta-se que o velho Senador Francisco de Lima, sempre autoritário, advertiu, certa feita, o filho numa roda de Senadores: Vosmecê parece que às vezes se esquece de que é meu filho...

      E Caxias, embora respeitoso, beijou-lhe a mão e replicou:

      - Seu filho, mas também seu colega, meu pai.

      - É isto! Meu colega, um menino destes! Colega do seu velho pai!

      - Nosso colega, meus senhores! Onde iremos parar? Um menino destes colega das nossas velhices"!

Não tenho filho no Senado, mas, quando olho Senadores novos, lembro-me desse episódio: imagine, colega de nossas velhices!

É assim que desejo concluir, Sr. Presidente, dizendo da velhice com que ocupo a tribuna do Senado; a velhice de quem passou pela cassação de um mandato, de quem perdeu dez anos de direitos políticos, de quem foi perseguido; mas que não guarda, em nenhum instante, por mais leve que seja, no recôndito de sua alma, qualquer desejo de vingança. Guardo, sim, nesta velhice, a experiência de quem sabe dizer, aos que aqui compareceram, muito obrigado! (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1996 - Página 7618