Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1996 - Página 7629
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO, OPORTUNIDADE, ANALISE, CRITICA, SITUAÇÃO, TRABALHADOR, PAIS, ATUALIDADE, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, MENOR, DENUNCIA, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, REMUNERAÇÃO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, parabenizo a nobre Senadora Emilia Fernandes pela apresentação do requerimento propondo que a Hora do Expediente desta sessão fosse destinado a comemorar o Dia Internacional do Trabalhador. Registro, inclusive, que o Avulso do Senado faz referência ao Dia Internacional do Trabalho, denominação utilizada, muitas vezes, pela Ditadura Militar para retirar o caráter de luta que deu origem ao Dia Internacional do Trabalhador, que foi originário de uma grande manifestação de trabalhadores, na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, em 1886, e que culminou com a condenação, apesar da inexistência de provas, de oito trabalhadores americanos.

O quadro mundial de precarização das relações de trabalho, de aumento do desemprego, de jornadas de trabalho exorbitantes, da exploração do trabalho infantil e infanto-juvenil, dos registros de ocorrência de trabalho escravo permite-nos, mais que comemorar, refletir sobre a atualidade do clamor daquele 1º de Maio de 1886, em Chicago.

As manifestações ocorridas no 1º de Maio deste ano, em todo o mundo, confirmam esta assertiva. Na Rússia, na Alemanha, na Itália, dezenas de milhares de trabalhadores reuniram-se em protesto contra as investidas, contra as respectivas legislações de proteção social. Na cidade do México, uma multidão de mais de cem mil pessoas reuniu-se para protestar contra o programa neoliberal do Presidente Ernesto Zedillo. O mesmo ocorreu na Guatemala, no Equador, na Argentina, no Paraguai; enfim, por toda a América Latina.

No Brasil, não foi diferente, mesmo porque não há motivo para regozijo. Senão, vejamos:

1 - No ano de 1995, a Fiscalização do Trabalho consignou oitenta e três flagrantes de trabalhadores em condições degradantes, num total de vinte e três mil trabalhadores atingidos, sendo 150 em efetivo estado de escravidão.

2 - O desemprego medido pelos critérios ortodoxos do IBGE atinge proporções alarmantes: os índices apurados no mês de março deste ano são os mais elevados desde 1984 (7,65% em São Paulo; 6,61% em Porto Alegre; 4,36% no Rio de Janeiro);

3 - Em cinco anos, a indústria de eletrodomésticos demitiu 25% da força de trabalho. Em Americana, (SP), pólo da indústria têxtil, 800 fábricas fecharam e 20 mil trabalhadores perderam o emprego. Os pólos calçadistas de Franca (SP), Novo Hamburgo (RS) e Nova Serrana (MG) estão praticamente desativados;

4 - O salário-mínimo fixado em R$112,00 equivale a 1/4 do poder aquisitivo que possuía em 1955 e metade do seu poder de compra em 1980, ou seja em pleno regime militar.

Se levarmos em consideração as diretrizes do Governo, as perspectivas para os trabalhadores não são alvissareiras:

1. Em primeiro lugar, o Governo não tem uma política de efetivo combate ao desemprego: sua base de sustentação parlamentar não viabiliza a reforma agrária, capaz de minimizar os impactos sociais da desocupação nas cidades; a Maioria e o Governo não toma a iniciativa de viabilizar os dispositivos constitucionais de proteção contra a demissão imotivada e contra o desemprego provocado pela automação. Em conseqüência, não se consegue uma efetiva integração do trabalhador à empresa, o que é vetor principal do incremento de produtividade e competitividade, a exemplo do que ocorreu no Japão e na Alemanha do pós-guerra;

2. O Governo não enfrenta a concorrência predatória da economia globalizada. Ao contrário, combate firmemente qualquer regulação do comércio internacional que tenha por objetivo coibir a prática do "dumping social", ao argumento de que seríamos prejudicados em nossas exportações (reconhecendo, assim, implicitamente, a superexploração do trabalho em nosso País), quando, em verdade, a indústria nacional já está sendo sucateada pelas importações de produtos oriundos de países onde "dumping social" seria um eufemismo para trabalho escravo. Mas nossa diplomacia nada faz, com receio de ferir brios de parceiros estratégicos do outro lado do mundo;

3. O Governo, ademais, envida esforços na precarização do contrato de trabalho, acirrando assim conflitos, aumentando tensões, o que nos faz antever um quadro semelhante ao da última quadra do século passado nos Estados Unidos. A alegação é de que os custos laborais prejudicam a performance da economia brasileira. Isso como se os encargos sociais brasileiros fossem de um padrão escandinavo.

Muitos já demonstraram a falácia dos números que enfatizam nos encargos sociais o nó górdio do chamado custo Brasil. Trata-se de uma verdadeira ideologia evangelizadora contra os custos da mão-de-obra no Brasil, como diz o Professor Jorge Mattoso, da Unicamp, em seu imprescindível ensaio intitulado "Emprego e Concorrência Desregulada: Incertezas e Desafios";

4. Apenas para exemplificar a contradita, a Folha de S.Paulo publicou artigo em 14 de fevereiro deste ano, de autoria do Economista Demian Fiocca, sob o título "A mão-de-obra custa pouco no Brasil", no qual são publicados os seguintes dados do Bureau of Labor Statistics (apud Anuário dos Trabalhadores 1993, São Paulo, DIEESE) sobre o custo médio da mão-de-obra, por hora trabalhada, na indústria de transformação, em dólares norte-americanos:

Alemanha, US$21.30; Suécia, US$20.93; Suiça, US$20.86; Itália, US$16.29; França, US$15.25; EUA, US$14.83; Austrália, US$12.98; Japão, US$12.84; Grã-Bretanha, US$12.42; Espanha, US$11.88; Israel, US$7.69; Grécia, US$5,49; Coréia US$4.16; Taiwan, US$3.98; Portugal, US$3.57; Brasil, US$2.79 dólares;

5. É importante anotar que esses dados já embutem encargos em torno de 100% sobre a hora trabalhada e não apenas os salários pagos aos trabalhadores;

6. Não podemos nos esquecer ainda que, segundo dados do insuspeitíssimo Banco Mundial, o Brasil é o País com a pior distribuição de renda do Planeta;

7. O Professor Jorge Mattoso, já citado, em clarividente ensaio publicado em O Estado de S.Paulo no dia 15 de fevereiro, escreve:

      "Parcela dos empresários, na ausência de um projeto de desenvolvimento nacional, segue o discurso governamental e se subordina, exclusivamente, à lógica da concorrência. Parece pouco se importar se a inserção subordinada, com endividamento externo, sobrevalorização do câmbio, altos juros, ajustes recessivos permanentes e reestruturação industrial entregue exclusivamente ao mercado, favorece um processo de substituição de produção nacional por produção importada (50% de elevação, apenas em 1995) e acentua a busca empresarial por sucessivos cortes de custos e mão-de-obra. Assim, são condenados setores industriais e a cada nova onda de reengeneering, downsizing ou decruiting são maiores os contingentes de desempregados ou de excluídos do mercado de trabalho formal".

E prossegue o professor Jorge Mattoso:

      "No recente debate sobre os encargos, ignorou-se que a maior parte deles compõe os rendimentos monetários recebidos pelo trabalhador, ainda que diferidos no tempo (sobretudo adicional de um terço das férias, FGTS, 13º e rescisão contratual). Dessa forma, reduzi-los seria, na prática, cortar salários, o que seria cômico se não fosse trágico, dados os níveis reconhecidamente baixos dos salários brasileiros".

Mattoso avança, propugnando "a constituição de um projeto nacional, sob a égide da produção e do emprego", lamentando que:

      "Setores sindicais parecem admitir a fragmentação da solidariedade entre os trabalhadores e destes com o conjunto da sociedade (sobretudo com os excluídos), ao aceitarem que a discussão dos problemas do empregos se limite ao mercado de trabalho, como se aí estivessem as causas do desemprego. Em alguns casos, chega-se ao paroxismo, aceitando-se formas de contratação ao arrepio da lei, sem encargos, com redução de direitos e salários, como a proposta feita recentemente em São Paulo. Em outros, considera-se a possibilidade de contratação coletiva exclusivamente em nível da empresa. Em ambos os casos, os efeitos da precarização e da desigualdade do mercado de trabalho nacional seriam enormes e seriam um fracasso como medidas voltadas para o aumento do emprego, como já demonstrou a experiência de vários países europeus e latino-americanos (Espanha e Argentina, por exemplo);

8. A opção do Governo, ao atentar contra os direitos dos trabalhadores - ativos e inativos - é a da subordinada a um modo de produção de bens e serviços, sem preocupar-se com um modelo de desenvolvimento nacional autônomo que propicie a superação de nossos estigmas sociais e nossa integração no concerto econômico internacional em outras bases, tal como demonstrou ser possível o sucesso da Coréia do Sul, fundado em uma receita simples, mas diversa do ideário neoliberal, conforme nos mostra Alice H. Amsden em seu livro Asia's Next Giant, publicado pela Oxford University Press, Nova Iorque, 1989: Confluência de capital estatal e privado para realização de investimentos; monitoramento da economia pelo Poder Público (controle de preços, nacionalização do sistema bancário e orientação dos recursos financeiros para a produção, vedação de controle de mercado por oligopólios ou monopólios privados); ambientação propícia ao surgimento de um sindicalismo reivindicativo e, por conseqüência, valorização da mão-de-obra; fortes investimentos em educação, ciência e tecnologia, implementação de uma reforma agrária;

9. As ações do Governo têm se limitado a paliativos. Nesta comemoração do 1º de Maio, devemos dizer em alto e bom som que não bastam investimentos na formação e qualificação, indispensáveis para imprimir maior competitividade às nossas empresas, mas com ralo potencial de geração de novos empregos. Isso nem sequer pode ser considerado um emplastro para o grave quadro de pauperização, miserabilidade e marginalidade, para onde caminha a maioria da população brasileira. É preciso, sobretudo, uma atitude mais enérgica como estímulo à geração de empregos no País, se quisermos evitar que São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte ou Recife se transformem na Chicago deste final de século;

10. Não dá para esperar. Segundo cantava o saudoso Gonzaguinha,

"Um homem se humilha se castram o seu sonho

Seu sonho é a sua vida, e a vida é o trabalho

E sem seu trabalho o homem não tem honra

E sem sua honra, morre, se mata,

Não dá para ser feliz,

Não dá para ser feliz!"


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1996 - Página 7629