Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1996 - Página 7631
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO, SAUDAÇÃO, TRABALHADOR, BRASIL.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no dia 30 de abril de 1968, durante o Grande Expediente na Câmara dos Deputados, um jovem Deputado Federal pronunciou um discurso a que atribuiu o título de "Primeiro de Maio dos Pontos sem Demagogia".

Anos depois, numa segunda edição do livro A Palavra em Ação, Momentos de Oratória, esse discurso foi ali transcrito.

Verifico, hoje, que aquele Deputado Federal, cassado pelo Ato Institucional nº 5, que teve suspensos seus direitos políticos por 10 anos e perdida sua cadeira de professor na Faculdade de Direito do Distrito Federal, tinha, de improviso, elaborado uma peça, ao sabor da ardência de quem conhece a Câmara dos Deputados, que, decorridos 28 anos, está absolutamente atualizada.

Como o autor não se importa que se faça sua leitura, porque a ele não pagarei direitos autorais, uma vez que o Deputado Federal cassado de ontem é o Senador que hoje ocupa esta tribuna - portanto, o discurso é de minha autoria -, não tenho por que não trazê-lo à reflexão dos Srs. Senadores.

Observem, 28 anos depois:

      Sr. Presidente, Srs. Deputados - começava eu o discurso -, nesta fase do Grande Expediente, como homem de Oposição, não quero alongar-me, nem reportar-me ao episódio histórico e sangrento do operário, ao longo da luta que manteve pelas suas liberdades, eis que isso já foi feito com riqueza de pormenores pelos oradores que me antecederam nesta qualificada tribuna.

Veja, Sr. Presidente, aqui, interrompo, pois os dois eminentes Senadores que me antecederam, Senadora Emilia Fernandes e o Senador José Eduardo Dutra, também hoje já o fizeram. Portanto, atualizadíssimo é o meu pronunciamento.

Continuo:

      Também não quero emoldurar esta minha saudação ao trabalhador brasileiro com o caráter sensacionalista ou a roupagem demagógica, seja ao trabalhador mais humilde ou ao mais qualificado artesão, mas com a fé na liberdade e na dignidade humana, que distingue a civilização moderna de todas as outras. Distancio-me, portanto, da exploração que se faz dos homens de mãos calosas, lembrados apenas por ocasião deste convencionado Dia Internacional do Trabalhador, quando os encômios lhes são dirigidos, mas sempre esquecidos no equacionamento e concretização de dias melhores.

      Quero, por isso mesmo, saudar o trabalhador do meu País, na luta pela afirmação da liberdade, mas liberdade no sentido pela qual deve ser entendida e não apenas pelo conceito de que o homem é livre por natureza, o que não faz sentido, sobretudo porque os que não têm a consciência da liberdade, aqueles que aceitam qualquer exigência, deste ou daquele dogma ou situação política, estão além dos postulados da liberdade. Os homens, Sr. Presidente, sabem quando são livres quando têm noção da significação exata do que representa a liberdade. E, ao saudar o operariado brasileiro, não posso deixar de atentar para a atual conjuntura nacional, expressão tão em moda que o momento político histórico comporta, uma vez que se coloca por terra aquela antiga concepção de que o homem, esmagado na sua miséria, no seu atraso, na sua pobreza, na sua ignorância, incorria num castigo divino para impor, na compreensão clara e nítida, o sentido de que a miséria, a pobreza, a doença, tudo, enfim, que anula o que há de energia criadora do nosso povo não decorre daquele castigo divino, mas de uma profunda injustiça social que, por sua vez, está incrustrada nas raízes de uma estrutura econômica agrária e social da nossa Pátria.

Paro aqui, Sr. Presidente, porque, ainda há pouco, a Senadora Emilia Fernandes, no seu discurso denso e elaborado, chamava a atenção da Casa exatamente para aquilo que, há 28 anos, eu registrava: o problema da injustiça, com essas estruturas incrustradas nas raízes de uma estrutura econômica, agrária e social do País.

Nessa altura do discurso, Sr. Presidente, recebi apartes de Deputados conhecidos: Deputado Osmar de Aquino, de quem V. Exª se lembra, era um Líder da Paraíba; do Líder do Rio Grande do Sul, Antônio Bresolin e do Sr. Aniz Badra Cunha Bueno, pai do nosso atual Deputado Cunha Bueno.

Após referir-me a cada um, continuei o meu discurso, mencionando a pobreza, a miséria e a fome.

      Aos poucos direitos de que dispõe o operariado brasileiro, eu não poderia também deixar de entender que, na soalheira árida do deserto dos direitos do operariado, a liberdade, sem licenciosidade e contida dentro das nossas regras morais, há de ser concedida ao operário, mais tarde ou mais cedo, pois não é justo que se lhe deixe apenas a concessão dos fugazes benefícios, a expectativa de dias melhores. Que se lhe permita, Sr. Presidente, fazer a distinção entre o essencial e o acessório, já que nenhuma ventura é fácil de ser conquistada; ela é obtida à custa de muita luta, muito sacrifício. Que todos nos sacrifiquemos, pois, que todos lutemos então. E haveremos, assim, de conquistar o direito de sermos felizes sem a distinção humilhante de fortes e fracos, de poderosos e dos não-poderosos.

Sr. Presidente, hoje, quando analiso esse pronunciamento e vejo que nele incluí a famosa frase de Lord Acton, dou-me conta de que realmente o passado é um ponto de partida para o futuro. Aqueles que mantiveram uma postura sempre retilínea na defesa dos seus princípios não têm por que fazer concessões. E o que eu dizia?

      É válido lembrar Lord Acton, que desconfiava mais dos grandes homens do que do homem comum e ressaltava que a história não é uma teia tecida com mãos inocentes, pois, entre todas as causas que degradam e desmoralizam os homens, o poder é a mais constante e a mais ativa.

E observe, Sr. Presidente, V. Exª que ocupou o Governo do seu Estado, que são poucas as pessoas, rodeadas pelo poder e que tantas vezes nele cultivam o aulicismo, que dali saem deixando amigos; e, quando saem, há uma preocupação muito grande com a volta, com o retorno, porque sentem falta daqueles áulicos, daqueles que, a cada minuto, passavam-lhe soprando nos ouvidos que ele era o maior governante.

Como lhe falta o poder, não lhe sobram mais os áulicos. Como o poder não está em suas mãos, os amigos desaparecem. E aí dizia Lord Acton que nada há que degrade, que sempre há a busca da volta. E, nessa volta, Sr. Presidente, o mais incrível é que não se forja um caráter de honestidade, de seriedade, de luta e de patrocínio dos direitos na defesa e nos interesses do trabalhador.

Todas as vezes em que começa a se aproximar o 1º de maio, lembro-me desse discurso, proferido há 28 anos. Agora, ocupo a tribuna para a ele me reportar e vejo que está atualizado.

Será que o País não parou para pensar ou lhe faltam homens à altura da responsabilidade que temos com a causa do operariado? Por que esse desnível tão grande, Sr. Presidente? Em países da Europa, encurta-se a distância entre os que ganham pouco e os que ganham um teto superior, mas não há o desnível em que 5% apenas da população repousa nas mãos de uns privilegiados, conseguindo amealhar em torno de si uma imensa fortuna, e a grande maioria passa necessidade e outros tantos passam fome.

Quando concluí o discurso, Sr. Presidente, em maio de 1968 - o Ato Institucional nº 5 foi de dezembro de 1968, quando então alguns Colegas nossos, Deputados Federais, e eu fomos cassados -, parece que eu fazia uma previsão, porque eu dizia no final:

      Concluo, Sr. Presidente, fazendo uma sugestão: que o Poder Revolucionário - assim chamado o Governo Militar - não se esqueça da preocupação de Lord Acton e verifique que só se pode acreditar no homem livre, no que é capaz de pensar, quando ele atua dentro de sua comunidade de acordo com as próprias convicções, sem temor de espécie alguma. E, pensando assim, Sr. Presidente, entendendo assim, saúdo o operariado brasileiro.

O Diário da Câmara dos Deputados registra que o discurso terminou com palmas prolongadas e com o orador sendo cumprimentado.

Sr. Presidente, por que, hoje, se busca, de uma forma diferente, na reunião dos operários, seja ele de que categoria for, ao invés de uma doutrinação, de mostrar-lhe que o caminho a ser seguido tem que ser apontado corretamente, mostrando-lhe soluções quando não for essa a caminhada. Por que a doutrinação não é apenas no sentido de que está na hora, de que o mundo está mudando?

Ainda hoje, em reunião em uma Comissão Especial, nós - quando digo nós, refiro-me a todos que ali se encontravam, inclusive o Senador José Eduardo Dutra -, que há vinte anos éramos contra o capital estrangeiro, consideramos interessante que ele venha, desde que com a fiscalização devida, com as observações que o País não lhe pode faltar. Se isso acontecer, Sr. Presidente, vamos ver que os futuros 1º de Maio não serão apenas aqueles dias em que se inculcam esperanças que jamais serão realizadas.

E o incrível é que o operariado brasileiro, aquele que vive do salário mínimo, não arquiva as suas esperanças; está sempre à espera de um salvador. E como ele está custando a chegar!

Por essa razão, Sr. Presidente, mais uma vez digo que aquele jovem, que há vinte e oito anos atrás pugnava por uma manifestação dessa natureza, também como o operário, não arquiva as suas esperanças. Mas daqui, enquanto me restar um pouco de força, continuarei lutando e dizendo que não há nada mais danoso ao operário, seja de que categoria for, do que o fato de lhe acenarem com uma possibilidade que não se transformará em realidade.

Neste instante, uma semana decorrida, saudando todo o operariado brasileiro, saúdo na pessoa de V. Exª o operariado legislador que está a conduzir os nossos trabalhos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1996 - Página 7631