Discurso no Senado Federal

PERPLEXIDADE DIANTE DA SUPOSTA IMPLANTAÇÃO DE MEGAPROJETO ECOLOGICO NO ESTADO DO PARA PELO SR. CECILIO DO REGO ALMEIDA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PERPLEXIDADE DIANTE DA SUPOSTA IMPLANTAÇÃO DE MEGAPROJETO ECOLOGICO NO ESTADO DO PARA PELO SR. CECILIO DO REGO ALMEIDA.
Aparteantes
Marina Silva, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1996 - Página 7657
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, IRREGULARIDADE, AQUISIÇÃO, LATIFUNDIO, ESTADO DO PARA (PA), CECILIO DO REGO ALMEIDA, EMPRESARIO, MOTIVO, EXCESSO, EXTENSÃO RURAL, PROPRIEDADE, POSSIBILIDADE, AUMENTO, CONFLITO, SEM-TERRA, INDIO, REGIÃO.
  • NECESSIDADE, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, LIMITAÇÃO, EXTENSÃO, PROPRIEDADE, TERRAS, PAIS.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Globo e a revista Veja publicaram a notícia de que o empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, proprietário da Construtora C. R. Almeida, adquiriu, no sul do Estado do Pará, uma vastíssima área de cinqüenta mil quilômetros quadrados de terra - cinco milhões de hectares - e pretende adquirir mais quarenta mil quilômetros quadrados para completar a área necessária à implantação de um megaprojeto ecológico.

Além da perplexidade que uma notícia dessas pode causar, em decorrência do tamanho da área adquirida, algumas outras preocupações ela provoca.

A primeira, é simplesmente inadmissível não haver no Brasil qualquer restrição legal que limite a área de terras que uma pessoa ou uma empresa possa possuir. A segunda, não é tolerável que uma única pessoa ou empresa possa explorar uma área tão grande, ainda que seja com projetos ecológicos. Somente a área já adquirida pelo empresário corresponde a 4% de todo o vasto Estado do Pará, a mais de duas vezes o território de Sergipe, constituindo-se assim num estado dentro de outro Estado.

Além disso, uma outra preocupação salta de imediato aos olhos: como manter a vigilância sobre esse imenso território?

Conhecendo a fama desse empresário e a sua já declarada disposição de resolver com homens armados qualquer problema com posseiros ou decorrente de ocupações, só se pode concluir que esse será mais um foco de conflitos na já conturbada região, pois para manter a guarda de um território tão vasto, terá ele que contratar um verdadeiro exército particular.

Com isso, o Sr. Cecílio do Rego Almeida não está só afrontando a lei e colocando-se acima dela, mas também indispondo-se com pessoas que já moram na área - e elas não são poucas - e armando um outro foco de conflito com indígenas, pois cerca de uma quarta parte da área pretensamente adquirida pertence à tribo dos Caiapós.

Por esta razão, faço um veemente alerta às nossas autoridades para que aquilatem devidamente a gravidade dessa afirmação que mais soa como ameaça. Fazer ouvidos de mercador ou não perceber adequadamente a sua gravidade será caso de omissão, será agir de forma relapsa, deixando que a casa seja arrombada para depois cuidar da sua segurança.

O Sr. Cecílio do Rego Almeida foi claro e enfático, quando se referiu à questão de ocupações e de posseiros: "Isso, eu resolvo com homens armados".

Uma afirmação dessas - aliada aos inúmeros massacres de sem-terra ou de sindicalistas, pela polícia ou por jagunços fortemente armados, no próprio Estado do Pará - parece querer demonstrar que esta é uma terra sem lei e sem Justiça, em que impera a vontade do mais forte ou daquele que tem mais dinheiro.

As intenções desse empresário não parecem boas nem sensatas, pois, ao efetuar o negócio, estava ele plenamente ciente de que a área não tem documentação robusta e certa, registrada em cartório, de que engloba uma reserva indígena que ocupa uma parte considerável de seu território, de que há muito mais moradores habitando especialmente às margens de seus 28 rios. Mesmo assim, ou talvez por isso, adquiriu-a por um "preço de banana", pelo mísero valor de R$1,50 o hectare.

Por que a megalomania, Sr. Presidente? Por que um desejo de grandeza tão exacerbado e tão exagerado? Essa aquisição torna-se ainda mais revoltante e condenável ao ser divulgada pela imprensa ao mesmo tempo em que o País ainda vive a consternação do massacre, ocorrido também no Pará, no Município de Eldorado, de trabalhadores sem-terra que queriam unicamente alguns hectares para plantar.

Estou convencido de que a aquisição efetuado pelo dono da Construtora C. R. Almeida é uma verdadeira provocação às pessoas de bom senso do nosso País.

Sei que as nossas leis são falhas ao não indicarem qualquer limite máximo para o tamanho de uma propriedade rural em nosso País. Entretanto, até que essas barreiras sejam criadas, é preciso usar de todos os meios possíveis para conter o apetite desse e de outros empreiteiros.

Os empreiteiros todos têm terras no Pará: Camargo Corrêa, Cetenco Engenharia, Queiroz Galvão. Também as têm os banqueiros: Bamerindus, Bradesco, Itaú, Denasa de Investimentos e outros.

Permitir que esse empreiteiro se aposse sem documentação correta de um latifúndio tão grande é o mesmo que permitir que se atice fogo em mais um estopim social no já sublevado Estado do Pará.

A Srª Marina Silva - Senador Ademir Andrade, V. Exª me permite um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Com muita satisfação, Senadora Marina Silva.

A Srª Marina Silva - No dia 9 do mês passado, quando tivemos aqui a oportunidade de uma audiência pública com a física, ecologista e feminista Vandana Shiva, informei os presentes de que os empreiteiros da família Almeida estariam comprando 5 milhões de hectares de terra na Amazônia, para fazerem ali uma reserva particular. As informações que obtive foram de que essa reserva era para fazer especulação dos recursos genéticos com laboratórios norte-americanos, principalmente na área de pesquisa farmacológica. V. Exª - fiquei sabendo que o Senador Sebastião Rocha já mencionou esse assunto - com muita propriedade, está considerando o fato uma afronta. É uma afronta, porque essas pessoas sempre tiveram a visão de que a floresta Amazônica, do jeito que é, constituia um atraso e de que era preciso derrubá-la para plantar capim, criar gado, fazer qualquer outra coisa e não preservá-la como floresta. Agora, a nova revolução tecnológica, com os vários recursos da biogenética, bioengenharia e tudo o que possa ser cientificamente explorado, supervaloriza a floresta pelo seu ecossistema, pelos seus recursos naturais e seus microorganismos. Aliás, a nossa Lei de Patentes, aprovada no Senado, liberava tudo isso para patenteamento, desde que alterado, tal como encontrado na natureza. Tenho a informação de que querem essa área para atender aos anseios especulativos de laboratórios norte-americano. A monstruosidade - além do tamanho da área, que é uma afronta ao movimento dos sem-terra e ao massacre ocorrido - é que Chico Mendes foi assassinado porque acreditava que a riqueza estava na floresta em pé. Agora que descobriram ser nossas teses corretas e lucrativas, desejam - armados até os dentes - tirar os índios, os caboclos e os pescadores e colocá-los no meio do capim para pegar micuins - um bichinho bem pequeno da nossa região - para ficarem com os recursos genéticos, pelos quais muitos deram a própria vida. O Governo brasileiro não pode permitir isso. Sinto-me indignada. Minha indignação é positiva, tal como a de V. Exª e a do Senador Sebastião Rocha, contra essas pessoas fazendo esse tipo de especulação, comprando essas áreas tão grandes para, mais uma vez, fazer garimpagem e rapinagem nas riquezas da Amazônia, em detrimento do seu povo, do crescimento econômico da região, preservação do meio ambiente e justiça social. Sem esses três elementos, não estaremos contribuindo com o futuro deste País. Entendo que o Governo brasileiro deva ser pressionado a não permitir esse tipo de abuso.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Agradeço o aparte de V. Exª, Senadora Marina Silva, e as suas informações. Hoje, inclusive, já foi lido pela Mesa um pedido de informações que, oficialmente, foi encaminhado ao Ministério, a respeito da legalidade da operação, do seu objetivo, entre outros.

A nossa Amazônia ainda é uma grande confusão, pois a situação se inverteu. No entanto, não penso que eles queiram colocar os sem-terra no capim, com o micuim. Na verdade, eles não querem colocar os sem-terra em lugar algum, a não ser embaixo da terra. E, apesar de já terem descoberto o valor das nossas matas, Senadora Marina Silva, neste momento, matas estão sendo derrubadas. Existem áreas onde as matas são derrubadas e simplesmente queimadas, porque não há como aproveitá-las economicamente, não há como tirar a madeira sequer para fazer o aproveitamento econômico, para vender, para produzir para o nosso povo, para exportar, seja lá para o que for. Na nossa região, no Estado do Pará, até hoje, são feitas derrubadas que são simplesmente queimadas por completo, sem aproveitamento econômico algum da própria madeira e sem nenhuma fiscalização. Evidentemente, o Ibama não tem condições de chegar até os locais para fiscalizar. Além disso, essa política de destruição continua existindo com muita força, principalmente pelo médio e grande proprietário.

Há muita derrubada sem nenhum aproveitamento econômico, o que é pior, porque derrubar dentro do limite, para a roça, o nosso colono, o nosso caboclo também derruba, mas ele, pelo menos, faz o aproveitamento econômico. Agora, o grande está derrubando sem que isso exista. De qualquer forma, o que estamos denunciando é um acinte, um desaforo, que o Brasil não pode aceitar.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Ouço V. Exª com satisfação.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Ademir Andrade, quero me associar, na íntegra, ao seu discurso e ao aparte oportuno da Senadora Marina Silva e dizer que não tenho nenhuma dúvida de que o objetivo básico da compra dessa área no sul do Pará é a especulação. V. Exª, como todos nós, sabe que ali é uma área de conflito e que, provavelmente, está situada em uma região onde poderá ocorrer uma invasão pelos sem-terra e daí surgir a negociação para desapropriação. Sabe muito bem V. Exª que as fazendas que estão sendo desapropriadas para assentamentos estão sofrendo uma supervalorização. O próprio Governador Almir Gabriel, em audiência com a Comissão Especial do Senado em Belém, argumentou que o valor que o Governo Federal, por meio do Incra, ia pagar pela Fazenda Macaxeira, era praticamente 3 ou 4 vezes o valor real, mas que não havia outra forma de desapropriá-la. E ainda mais: essa área adquirida pelo empresário Cecílio do Rego Almeida tem um quarto da sua totalidade destinada a uma reserva, como citou V. Exª, dos índios caiapós. Isso levará também a um conflito com os índios. Tanto poderá levar a um conflito direto, físico, como também à questão do contraditório, como é admitido hoje pelo Decreto nº 1.775, da Presidência da República. Então, no meu entendimento, o objetivo é a especulação no sentido da supervalorização dessa área. Além do que salientou a própria Senadora Marina Silva a respeito da biodiversidade da floresta local, ao se pagar um preço pífio de um real por hectare, essa fazenda irá-se valorizar e possivelmente, mais tarde, poderá passar para o Incra ou mesmo requerer da União uma indenização para que esse quarto de terra volte às mãos dos índios. O objetivo é simplesmente financeiro. Não acredito que o megaempresário terá condições de explorar, de forma produtiva, esse latifúndio que acaba de adquirir.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Sim, mas o nosso País, infelizmente, é o país dos absurdos. E aqui nós ouvimos hoje o Senador Lúcio Alcântara apontar a questão da compra de empresas estatais com títulos podres. Hoje, inclusive, os títulos da dívida agrária estão sendo ostensivamente procurados. Quem tem títulos da dívida agrária pode vendê-los por um preço melhor, porque com esses títulos pretende-se comprar empresas estatais neste nosso País. E o enriquecimento é imediato, é imenso. A pessoa compra a empresa estatal com o valor de 30% do seu valor nominal e, um mês depois, vende-a pelo valor real, obtendo um lucro absurdo, estupendo. Coisas que só acontecem no nosso País.

É até admissível que um cidadão como esse tenha a ousadia e a petulância de ir à imprensa dizer que está comprando essa área e que vai usar pistoleiros e guardas armados para defender o seu direito. É lamentável que isso ocorra.

Permitir que se aposse, sem documentação correta, de um latifúndio tão grande é o mesmo que permitir que se atice fogo em mais um estopim social no já sublevado Estado do Pará.

Da minha parte, já encaminhei expediente ao Incra e ao Iterpa, solicitando informações que fundamentem as minhas ações futuras. O que espero, porém, é que as autoridades competentes antecipem-se e, ao impedirem a concretização desse negócio, usem essas terras em projetos de reforma agrária na nossa região.

Quero confirmar aqui, Senador Sebastião Rocha, que o preço que está sendo pago pelo Incra é muito acima do normal, e o que é interessante - vale mostrar ao Senado - é o valor que foi pago pela Fazenda Rio Branco, da família Lunardelli. Esses mesmos sem-terra que foram assassinados no Estado do Pará, primeiramente, ocuparam a Fazenda Rio Branco e, depois, pretenderam ocupar a Fazenda Macaxeira. A Fazenda Rio Branco foi comprada por 8 milhões de reais, e ela não valia nem 2 milhões. Agora, o interessante foi o processo de cálculo de preço - vi a planilha na sede do Incra, ao participar da negociação: o Banco da Amazônia dava um preço pelo hectare de capim, a Emater dava outro e o Banco do Brasil, um terceiro. O maior preço do hectare de pasto apresentado por essas três instituições oficiais do País chegava a 300 reais. Havia a coluna relativa ao preço dos proprietários, da Fiepa, que era de 1 mil e 400 reais. O Incra somou os quatros e dividiu por quatro. Evidentemente, um hectare saiu por 400 reais e um pouco mais, o que se tornou um verdadeiro absurdo.

Denunciamos esse fato, e o Presidente à época, o Sr. Francisco Graziano, prometeu corrigir, mas afirmou que não poderia reduzir muito porque essa era a forma possível de se fazer a negociação com o proprietário.

Este é o País dos absurdos, e estamos trazendo esta denúncia, aguardando do Ministro Extraordinário da Reforma Agrária as respostas às nossas indagações para, a partir daí, buscarmos uma forma de agir e impedir esse absurdo que estamos delatando.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1996 - Página 7657