Discurso no Senado Federal

DIA DO TRABALHADOR. CRISE NO PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA. CRITICAS AO POSICIONAMENTO DO GOVERNO COM RELAÇÃO AS QUESTÕES SOCIAIS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. REFORMA AGRARIA.:
  • DIA DO TRABALHADOR. CRISE NO PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA. CRITICAS AO POSICIONAMENTO DO GOVERNO COM RELAÇÃO AS QUESTÕES SOCIAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1996 - Página 7664
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, TRABALHO.
  • COMENTARIO, CRISE, PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, RESULTADO, ABANDONO, POLITICA SOCIAL, GOVERNO.
  • NECESSIDADE, CRIAÇÃO, MINISTERIO, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, CONFLITO, SEM-TERRA, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, procurarei ser breve.

Quero fazer aqui uma saudação, ainda que a data já tenha passado, porque esta é a sessão destinada às homenagens ao Dia do Trabalhador.

O Dia do Trabalhador ocorreu num momento em que os empregos, segundo os dados do IBGE, estão cada vez mais difíceis, em que o nosso País atravessa uma situação bastante delicada no que se refere à questão social, principalmente.

Tenho buscado, na minha ação parlamentar, como cidadã, como indivíduo, enfim, em todos os momentos da minha vida, ter uma ação afirmativa, mesmo quando tento negar algumas coisas que não são boas para o País, para o meu Estado ou para os indivíduos. As ações afirmativas requerem que possamos acenar realmente com atitudes que também sejam afirmativas.

Com muita tristeza, Sr. Presidente, quero aqui dizer que os trabalhadores ou aqueles que não têm trabalho, os excluídos, os desempregados deste País estão numa situação cada vez mais difícil.

Se formos observar a recente crise - não vou entrar no mérito ainda desta questão - do Programa Comunidade Solidária, podemos chegar à conclusão de que o Governo brasileiro teve uma oportunidade ímpar de dar uma resposta à questão social, acenando com atitudes concretas, no sentido de diminuir o sofrimento dos excluídos do Brasil.

Ele contou com uma concepção, em que pese a existência de alguns problemas, e com uma visão descentralizada de como executar as políticas sociais de governo através de um Programa, o Comunidade Solidária, envolvendo uma parceria entre as instituições, desde prefeituras, Governos de Estado, o Governo Federal, com a sociedade e as várias entidades - uma concepção interessante. Conseguiu juntar três elementos fundamentais para se fazer um bom programa social - tenho dito isso não só porque está em crise o Programa Comunidade Solidária, já o disse isso em outros momentos, em outras oportunidades -: a Drª Ruth Cardoso, que é competente e que possui sensibilidade social, e a Drª Ana Maria Peliano - também dotada dos mesmos atributos - auxiliadas, provavelmente, pelos melhores conselheiros que um governo poderia ter para assuntos dessa natureza.

Se isso não ocorreu - com todos esses elementos e com uma concepção acertada que é a de descentralizar e buscar respostas na parceria de pessoas conhecedoras do assunto, com a participação, inclusive, da sociedade, através de conselhos - é por não ter havido uma determinação do Executivo.

Uma política social séria não se faz com a ação de indivíduos, por mais bem intencionados que sejam. Ela é uma atitude governamental que deveria estar em cada ministério, em cada ação de governo. Com certeza, os carimbos de prioridades não estariam tão facilmente disponíveis em diferentes ministérios, principalmente naqueles ligados à área econômica.

Não é à toa que tivemos as saídas do sociólogo Herbert de Souza, do artista Renato Aragão e a do Sr. Jorge Salvador, fundador de várias associações não-governamentais. O momento é de crise e dificuldades.

Lendo os jornais, fiquei mais entristecida, pois o jornal O Globo, na pág. 9, do seu primeiro caderno, diz: "Papa vai cobrar explicações do Governo sobre o massacre dos sem-terra no Pará." Mais à frente, o Governo diz que há uma dívida social a ser paga.

O jornal Folha de S.Paulo, no Caderno 1, diz o seguinte: "Dívida social deve ser paga, afirma Fernando Henrique Cardoso."

Ainda no jornal O Globo, o Governo diz que reconhece que houve erros na área social. Entretanto, na matéria que trata da indagação do Papa em relação à reforma agrária e aos problemas sociais, diz que o Ministro Luiz Felipe Lampreia está sendo orientado para relatar ao Papa os esforços que estão sendo feitos para que essas questões sejam resolvidas. No mesmo jornal, vê-se uma contradição enorme: o Governo assumindo que há problemas, pedindo ajuda e que não o deixem - não é essa a frase, porque essa é do outro Presidente -, a de Sua Excelência é para que não o abandonem. Então, pedindo para os conselheiros, para todos, que o ajudem, e, no mesmo jornal, dizendo que o Ministro já está devidamente orientado a dizer ao Papa um monte de coisas, que não sei se são verdadeiras.

Já ouvi muitos ditos populares, Sr. Presidente, inclusive um referindo a "coisas para inglês ver". Talvez existam algumas "coisas para o Papa ver". Mas é preciso fundamentalmente que o Brasil comece a dizer e fazer coisas para que os brasileiros possam ouvir, ver e sentir. É disso que estamos precisando.

Fico preocupada muitas vezes com soluções do ponto de vista burocrático, que não resolvem problemas. Por exemplo, acontecem problemas com os ianomâmis e, aí, cria-se o Ministério da Amazônia Legal; há problemas com os sem-terra, e lá vem o Ministério da Reforma Agrária. Não estou entrando no mérito de este Ministério ser bom ou não.

É fundamental que se recrie o Ministério da Reforma Agrária se ela vier a ser feita. Não é para dar uma resposta às pressões, às denúncias, ao escândalo nacional e internacional do massacre no Pará, o nosso segundo maior massacre, porque já tivemos um em Corumbiara.

As nossas consciências não ficarão tranqüilas apenas com as satisfações dadas à sociedade para que esta pare de reclamar, de criticar, de se indignar. Ainda conseguimos, Sr. Presidente, ficar indignados com os massacres de Corumbiara, do Pará, da Candelária, mas, a continuar dessa forma, isso fará parte do nosso cotidiano. Não quero que as nossas mentes, a nossa ética, o nosso posicionamento comece a se acostumar com esse tipo de acontecimentos e com respostas meramente burocrática à mídia.

Considero-me uma mulher de boa vontade e tenho procurado ter boa vontade em vários temas, mas boa vontade tem limite. É necessário que comecem a acontecer também boas ações. Lendo esses jornais, comparando o que o Ministro vai dizer ao Papa e os problemas que estamos relatando, espero que não se crie mais uma frase de coisas para o Papa ver ou para o Papa ouvir. É preciso fazer coisas para os brasileiros sentirem que está havendo reforma agrária, aumentando o número de empregos, e que é possível viver melhor neste País, com saúde, com educação.

Sr. Presidente, com a minha modesta contribuição, tenho buscado fazer isso. Agora, é muito difícil. Com tristeza, repito, quero dizer que o Brasil teve a oportunidade de fazer um belo programa na área social. E digo até com uma certa tristeza, o Presidente, o Governo brasileiro, o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com todas as qualidades que já foram ditas anteriormente pelo Senador Sebastião Rocha, não tinha o direito de queimar cartuchos tão respeitados da sociedade brasileira, como está fazendo com a Drª Ruth Cardoso, com a Drª Anna Maria Peliano, com as pessoas que estavam à frente desse Programa e que tinham, acima de tudo, uma concepção, que era de fazer política social sem a centralização, sem o balcão, onde o que prevalece são os interesses cartoriais e clientelistas.

Com tristeza, quero dizer que espero que o Brasil dê as respostas que a sociedade espera, e aí sim vá ao Papa confessar não o mea culpa, mas dizer que já estamos começando a purgar, na prática, os pecados sociais que cometemos.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1996 - Página 7664