Discurso no Senado Federal

ANALISE DO DESEMPREGO NO BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • ANALISE DO DESEMPREGO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1996 - Página 7665
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, BRASIL, BUSCA, SOLUÇÃO, OFERTA, EMPREGO, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Século XXI, que se avizinha, poderá passar à história da humanidade como o "século do desemprego". Meses atrás, por ocasião de mais uma rodada do Fórum Econômico Internacional de Davos, na Suíça, a opinião pública internacional tomou conhecimento de que o número de desempregados ao redor do planeta já supera a marca dos 800 milhões, o equivalente a 10 vezes a população economicamente ativa do Brasil.

Por aqui, os números recentes delineiam um panorama cada vez mais preocupante. Tomemos as estatísticas de emprego / desemprego industrial coligidas e divulgadas pela Fiesp, principal termômetro da atividade econômica do País. De acordo com o Dr. HORÁCIO LAFER PIVA, diretor do Departamento de Pesquisa (Depea) daquela entidade, somente nos dois primeiros meses deste ano, a indústria paulista de transformação demitiu 53.743 trabalhadores, o equivalente a quase 30% do total de dispensas efetuadas ao longo de todo o ano passado (179.874 demissões).

Sempre segundo o diretor da Fiesp, em fevereiro, as indústrias demitiram menos do que em janeiro (24.901 trabalhadores perderam o emprego contra 28.842 no mês anterior). Contudo, caiu o número de setores que vinham contratando e aumentou o daqueles com comportamento estável.

Os dados mostram que há cada vez menos espaço para criar empregos e, de certa forma, o agravamento de uma situação difícil, marcada por 253.321 demissões na indústria de São Paulo nos últimos 12 meses.

No restante do Brasil, Sr. Presidente, nos deparamos com um quadro agravado pelos desequilíbrios, as descontinuidades e as assincronias típicos daquela "terra de contrastes", que tanto surpreendeu o sociólogo francês ROGER BASTIDE. Assim, o novo desemprego tecnológico, que avança na esteira da informatização, da robotização, da terceirização, do downsizing, convive lado-a-lado com o desemprego sazonal, característico das áreas de economia monocultura, economicamente arcaica e socialmente injusta. Para ficar apenas em um exemplo, no ano passado, o desemprego na região açucareira de Alagoas, onde várias grandes usinas foram fechadas, atingiu cerca de 60 mil pessoas.

De fato, as peculiaridades da condição brasileira impõem um desafio adicional à capacidade analítica e à imaginação criadora de nossos pesquisadores e formuladores de políticas públicas. Isso porque, entre nós, o desemprego estrutural se conjuga a determinantes de natureza conjuntural, derivados da política econômico-financeira em vigor, e ambos acabam sendo magnificados pelos efeitos perversos de certas práticas institucionais de nossa cultura jurídico-política. Um círculo vicioso que precisa ser rompido caso queiramos ajudar a criar o milhão e meio de postos de trabalho a mais, necessários para acabar com o desemprego que hoje vítima 5% de nossa força de trabalho. Caso contrário, o fracasso de nossa geração nessa área significará a contração do mercado consumidor, o desmantelamento de setores cruciais de nosso parque industrial e o acirramento da marginalidade e da violência, que, na maioria de nossas grandes cidades, já atingiu níveis explosivos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Permitam-me discutir, de forma necessariamente sucinta, os termos dessa angustiante equação. Nos dias que correm, sua componente mais visível, no Brasil e no mundo, é, sem dúvida, a tecnológica. Em poucas palavras, a terceira fase da Revolução Industrial, capitaneada pela informática, a robótica e a biotecnologia, parece ter cortado, em definitivo, o vínculo entre crescimento econômico e aumento da produtividade, de um lado, e expansão do emprego, de outro, presente nas suas duas primeiras etapas (a da máquina a vapor, centrada na produção de bens de consumo não duráveis - como os têxteis -, e a do motor a explosão, protagonizada pelos trustes, cartéis e oligopólios da mecânica e da química pesadas). Um grupo crescente de economistas e tecnólogos vai chegando ao sombrio consenso de que os ganhos de produtividade trazidos pelas novas tecnologias poupadoras de mão-de-obra são de molde a excluir um aumento significativo dos empregos nos ciclos de expansão do futuro previsível.

O exemplo da Volkswagen é definitivo nesse sentido. Recentemente, a montadora dobrou sua produção de veículos e, ao mesmo tempo, reduziu a força de trabalho de 43 mil para 26 mil empregados.

No caso brasileiro, esse desemprego tecnológico assume, adicionalmente, uma dimensão "friccional", na linguagem da indústria. Ela está ligada à falta de preparo da mão-de-obra disponível. Na falta de profissionais adequados, surgem vagas que não são preenchidas, mesmo com o imenso e cada vez maior contingente de trabalhadores disponíveis. É aí, Srªs e Srs., que o longo abandono a que foi relegada a educação básica e vocacional em nosso País manifesta-se em seus efeitos mais danosos. O trabalhador brasileiro tem uma escolaridade média de 3,6 anos contra 12 dos empregados do Primeiro Mundo. Em que pese a positiva e substancial contribuição do Senai, requalificando e treinando 1,4 milhão de pessoas só no ano passado, muito mais precisa ser feito para que a tão propalada "prioridade à Educação" decole das pranchetas dos planejadores pedagógicos rumo às salas de aula, bibliotecas, laboratórios e comunidades deste imenso Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Na rubrica das causas institucionais e legais do desemprego brasileiro, destaca-se a pesada herança da legislação trabalhista e sindical elaborada no Estado Novo e consolidada na CLT. Um legado de rigidez detalhista e hiper-regulamentação, cujo impacto negativo sobre a criação de empregos foi reforçado, mais recentemente, pela Constituição de 1988.

Cito, de imediato, dois indicadores eloqüentes dessa sinergia negativa: de um lado, os custos dos encargos trabalhista e previdenciários, equivalem 102% do salário do trabalhador; de outro --em conseqüência direta disso -- 55% da força de trabalho submergem no mercado informal (eram 44% antes da Carta de 88), completamente à margem de quaisquer benefícios e garantias, o que também priva o Estado de substancial fonte de arrecadação. Isso não é surpresa para quem está familiarizando com a curva de Laffer, segundo a qual o volume de impostos efetivamente recolhido é inversamente proporcional à gula fiscalista do governo. Em outras palavras, a taxação excessiva estimula a criatividade dos sonegadores. Infelizmente, esta parece ser uma lição jamais compreendida por nossas autoridades tributárias...

Enquanto prevalecer o equívoco de que essas amarras constitucionais, legais e regulatórias são "conquistas sociais", e não obstáculos perversos à conquista do emprego (principalmente do primeiro emprego de jovens recém-chegados ao mercado de trabalho), os problemas de desemprego, do subemprego e da informalidade continuarão impermeáveis a um tratamento eficaz.

As parcelas mais conscientes e esclarecidas do operariado brasileiro já despertaram para essa realidade. Assim, o Sindicado dos Metalúrgicos de São Paulo, presidido por PAULO PEREIRA DA SILVA, o Paulinho, no início deste ano, tomou a corajosa iniciativa de propor a flexibilização da jornada de trabalho, a partir de negociações setoriais e coletivas com o empresariado.

Este, por sua vez, também se esforça cada vez mais para compreender e desempenhar o papel que a sociedade dele espera para o encaminhamento da questão. Há menos de um mês, a Academia Internacional de Direito e Economia e o Instituto Roberto Simonsen promoveram na sede da Fiesp o seminário "Desemprego no Brasil: a questão tem solução?" Dividido em painéis que contaram com a presença de alguns dos mais expressivos representantes da vida empresarial, sindical, política e acadêmica do País, o evento proporcionou uma radiografia minuciosa da parafernália de legislação, encargos, regulamentos e burocracia que encarecem o custo da mão-de-obra no Brasil e .impedem a revitalização do mercado de trabalho.

Como de hábito, o deputado federal, ex-senador e ex-ministro do Planejamento ROBERTO CAMPOS pôs o dedo na ferida, lembrando que "o desemprego é a praga deste fim de século" e que os ingredientes principais do problema, em nível mundial, estão na explosão tecnológica e no inchaço do welfare state. No Primeiro Mundo e particularmente na Europa, onde a tradição intervencionista na economia e nas relações capital-trabalho sempre foi mais forte do que nos Estados Unidos, o inchaço do Estado-previdência acabou encarecendo os custos e provocando um "ímpeto adicional de robotização e automatização, além do que seria natural em decorrência da evolução tecnológico". Nessa conexão, CAMPOS citou o exemplo da Holanda, país onde a superproteção do Estado passou a ser convidativa ao desemprego.

No Brasil, assinalou o deputado, arcamos, por contraste, com os custos econômicos, sociais e humanos de décadas de um assistencialismo paternalista, corrupto e ineficaz, sem, por isso mesmo, usufruir dos benefícios da um welfare state moderno.

Como forma de minimizar o problema do desemprego no Brasil de hoje, o deputado sugeriu o que fizera antes como ministro do Planejamento do governo do marechal CASTELLO BRANCO: ênfase na agricultura, como grande empregadora de mão-de-obra; tratamento preferencial, para a construção civil; ênfase nas exportações, que além de ocupar a mão-de-obra, exigem produção eficiente à altura da acirrada concorrência do mercado internacional; a eliminação dos monopólios estatais; a aceleração das privatizações; e a abertura ao capital estrangeiro produtivo, a fim de incorporar poupança externa à interna.

Em outra exposição, o colega de CAMPOS na Câmara, deputado EDUARDO MASCARENHAS (PSDB-RJ), atual presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, discutiu a Previdência Social. De acordo com esse parlamentar, "ela movimenta no País cerca de R$90 bilhões por ano, dos quais cerca de metade é consumida com trabalhadores do setor privado e a outra metade com funcionários públicos". O deputado comparou nossa situação com a dos Estados Unidos, que reúnem uma poupança de U$$ 4,5 trilhões, o que equivale a dez vezes o PIB brasileiro.

"Esses recursos arrecadados para a previdência", comentou o deputado MASCARENHAS, "estão disponíveis para a ativação de mercado de capitais e financiamentos de longo prazo". Nessa linha, ele elogiou o modelo chileno, que acumula 50% do PIB sob a forma de poupança, enquanto no Brasil esse percentual cai para 10%. Se o Brasil adotasse esse modelo de capitalização no contexto de uma previdência privatizada, abandonando o falido esquema de repartição com seguridade social estatizada, teríamos já na virada do século, cerca de R$ 200 bilhões para financiar projetos agrícolas, habitacionais e outros de longo prazo de maturação. "Porque, esse é um dinheiro que entra hoje e só sai daqui a décadas e a juros baixos", avaliou MASCARENHAS.

O jurista HAMILTON DIAS DE SOUZA, por sua vez, sugeriu a transferência das contribuições fiscais e parafiscais explicando que isso é possível, com base no artigo 175 da Constituição Federal. Em suas próprias palavras, "a contribuição sobre o faturamento, a exemplo do que já se faz com relação ao PIS e à Confins, permitirá mecanismos de desoneração por ocasião das exportações, contrariamente ao que ocorre quando incide sobre a folha de pagamento".

Outra intervenção muito aplaudida no mesmo evento foi a do cientista político, sociólogo e especialista em relações industriais AMAURY DE SOUZA. Ele defendeu como ponto fundamental a ser considerado no plano de reforma das relações trabalhistas, a limitação ou supressão da competência de Justiça do Trabalho para julgar conflitos entre empregados e empregadores. Segundo o professor AMAURY, "é necessário que a peça fundamental desse sistema seja desmontada, obrigando as partes a aprenderem a negociar no interior das empresas". Para ele, a estrutura das relações de trabalho no Brasil é arcaica e precisa ser reformulada, pois apresenta "um grau exagerado de rigidez, alcança parcelas cada vez menores da força de trabalho, restringe a liberdade de empresas, empregados e sindicatos no ajuste de seus interesses e cria mais entraves para que haja um ajuste mais harmonioso entre as partes".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Na medida em que me aproximo da conclusão deste pronunciamento, cumpre-me dizer algumas palavras acerca do fator conjuntural do desemprego brasileiro.

Ora, sabemos que o Plano Real, dentre seus muitos méritos, teve o de suscitar, pela primeira vez em muitos anos, um debate sério sobre os custos da mão-de-obra e da geração de empregos, cuja percepção esteve até pouco tempo atrás embotada pela ciranda da inflação indexada. Hoje, passado o efeito anestesiante de três décadas durante as quais as receitas financeiras das empresas superavam em muito suas receitas operacionais, os desperdícios derivados da exação fiscal, burocrática e previdenciária do Estado sobre o setor privado (particularmente as firmas de pequeno porte) revelam-se insuportáveis.

Isto posto, Sr. Presidente, forçoso é , para uma análise justa e equilibrada do momento presente, reconhecer os efeitos negativos do real no agravamento do desemprego. É por isso que, do alto de sua lucidez e vasta experiência, o deputado e ex-ministro da Fazenda e do Planejamento DELFIM NETTO (PPB-SP) tem criticado a gestão e a "dosagem" do aperto monetário e da valorização cambial ministrados pelas atuais autoridades econômicas. De acordo com esse diagnóstico, "grande parte do desemprego é produto do combate à inflação". Em 1995, assinala DELFIM, "o País estava crescendo a taxas de 6%; após se mexer nas taxas de câmbio, o crescimento reduziu-se para 4%. Com isso, deixamos de produzir US$ 10 bilhões, sendo que deste valor 40% representam salários. Ora, cada 2% negativos no PIB significam menos 800 mil empregos. Na agricultura, cortou-se 2,3% da área plantada. Só aí foram para a rua mais de 400 mil trabalhadores", calcula DELFIM NETTO.

Essa crítica é endossada pelo tributarista IVES GANDRA MARTINS, titular da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, segundo o qual o desemprego no Brasil tem uma componente basicamente conjuntural, provocada pelo Plano Real. A defasagem cambial, os juros elevados e a carga tributária são fatores definidos pelo professor GANDRA como um "protecionismo às avessas, que impede as empresas nacionais de gerar empregos".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

A meu ver o maior prejuízo que os anos 80, a "década perdida " de recente e triste memória, infligiram ao País tenha sido o de transformar-nos em uma nação exportadora de mão-de-obra. Naquele período, mais de 2,5 milhões de compatriotas brasileiros emigraram à procura dos empregos que não conseguiam encontrar por aqui. Com isso, desperdiçamos talento, criatividade, energia empreendedora e, acima de tudo, esperança no futuro. Hoje essa esperança renasce com o despertar dos trabalhadores, empresários e formadores de opinião em geral para o duplo imperativo de enxugar custos e multiplicar empregos. Tenho certeza de que o Congresso Nacional , representante de uma sociedade politicamente cada vez mais ativa, contribuirá de forma decisiva para esse desiderato, repercutindo o debate e apontando soluções , num verdadeiro "círculo virtuoso" de reformulação constitucional e produção legislativa. Nesse sentido, os nobres colegas sabem que poderão contar com minha ativa colaboração , tal como manifestei-a recentemente através de projeto de lei que elimina a figura do juiz classista. Eis aí uma herança obsoleta do corporativismo varguista e um entrave a mais a que empregados e empregadores assumam plena responsabilidade na livre negociação das condições salariais e de trabalho, dentro do contexto inovador do contrato coletivo. Na tarde de hoje, torno a manifestar essa disposição renovadora submetendo o pronunciamento que ora encerro ao debate esclarecido de Vossas Excelências.

Era o que tinha a comunicar, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1996 - Página 7665