Discurso no Senado Federal

ABUSO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS. MANIFESTANDO-SE CONTRARIAMENTE A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • ABUSO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS. MANIFESTANDO-SE CONTRARIAMENTE A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1996 - Página 7699
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CONTESTAÇÃO, EDIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MEDIDA PROVISORIA (MPV).
  • CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), NECESSIDADE, VOTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JOSE EDUARDO DUTRA, SENADOR.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, vamos discutir, daqui a pouco, a questão do Senador José Eduardo Dutra, referente à Companhia Vale do Rio Doce. Ontem, nesta Casa, retirou-se de votação a matéria relativa às medidas provisórias.

São duas questões que envolvem profundamente o Congresso Nacional e a nossa responsabilidade.

Não sabia que tinha havido ontem um acordo, um grande entendimento, pois cheguei na hora de votar. Como o Senador, pelo Paraná, Roberto Requião, falou-me que iria colocar em votação o seu requerimento, para que fossem discutidas as medidas provisórias, estranhei a sua retirada, mas, agora, entendo a razão.

Foi um acordo de Lideranças, com o Líder do Governo, que falou em seu nome, e com o Presidente do Senado, a fim de que fosse designada uma comissão para, no prazo de 30 dias, se encontrar uma solução.

Creio que está correto, Sr. Presidente, mas também creio que a solução deve vir.

Volto a repetir: ontem, durante o pronunciamento do Senador Roberto Freire - como fui um dos poucos contra o adiamento -, S. Exª disse que as pessoas estavam falando que a edição de medidas provisórias nos fazia lembrar da ditadura. Esclareço meu posicionamento: não estou com saudades da ditadura. Creio que a democracia vai muito bem, obrigado. Acho que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é uma pessoa que merece respeito, é um democrata. Digo é que a medida provisória transformou-se em um instrumento mais grave que o decreto-lei. E a culpa não é nem do Senhor Fernando Henrique, nem do Executivo, mas do conjunto geral, principalmente nossa, do Congresso Nacional.

Houve um lamentável equívoco: a medida provisória foi adotada na Constituinte, porque se pressupunha que vencesse o sistema parlamentarista de governo; nesse caso, o instrumento da medida provisória seria perfeito.

O que é a medida provisória? O primeiro-ministro faz editar a medida, que entra em vigor imediatamente. O Congresso tem 30 dias para decidir. Decidiu favoravelmente? Tudo bem, está aprovada! Rejeitou? Cai o gabinete. Sim, cai o gabinete! Só que, no nosso caso, surpreendentemente, caiu o parlamentarismo e manteve-se a medida provisória. Não há lógica.

Muito mais grave, no entanto, é o seguinte: a Constituição, em primeiro lugar, limita a possibilidade de uso da medida provisória - prevê a edição em casos excepcionais e em determinadas questões; em segundo lugar, não fala em reedição. Na minha opinião, o artigo da Constituição que dispõe sobre o assunto é claríssimo: medida provisória só uma vez, como aliás deveria acontecer, porque, como disse, previa-se o parlamentarismo.

Quando se pretendeu adotar o instrumento da medida provisória na Constituição, pensava-se que - repito - teríamos o parlamentarismo. Nesse caso, caindo a medida provisória, cai o Gabinete. Então, não haveria reedição. Não foi o que aconteceu; estão usando e abusando da medida provisória.

Outro dia, li um discurso - a imprensa publicou agora - do então Líder do Governo, Senador Fernando Henrique Cardoso. Por intermédio desse discurso, o Senhor Fernando Henrique protestava contra medida provisória do ex-Presidente Collor que decidia sobre um novo carro para o Vice-Presidente da República. Abusaram no conteúdo e abusaram nas reedições: uma, duas, três, quatro, dez, quinze, vinte, vinte e cinco. Abusaram! E é por esta razão que digo que ela é mais cruel que o decreto-lei: cada medida provisória modifica a anterior. É uma coisa fantástica. Para que Congresso Nacional? Edita-se uma medida provisória hoje, daqui a 30 dias faz-se uma modificação; daqui a 60 dias, outra modificação. Para que Congresso? Repito: a medida provisória é mais grave do que o decreto-lei. O decreto-lei vinha para esta Casa, que dispunha de 30 dias para apreciá-lo. O Congresso não o votava - e não votava nunca -, e o decreto entrava em vigor. Mas não se mudava mais o decreto-lei. V. Exªs não vêem na Casa decreto-lei mudando decreto-lei. Agora, não: Agora é medida provisória mudando medida provisória sobre determinado assunto, como aconteceu com a questão da Educação, em relação à qual há 30 medidas provisórias.

Espero que, no momento em que o Senador José Sarney assumiu a responsabilidade de presidir uma Comissão de Líderes, daqui a 30 dias esse assunto venha a Plenário.

E o mais grave: a meu ver, o Congresso Brasileiro está em uma posição humilhante em nível mundial. Acredito que não exista no mundo Congresso que esteja na situação grosseira, vulgar em que se encontra o nosso Congresso. Na verdade, estamos legislando de mentirinha. O Congresso Nacional está legislando de mentirinha, porque estamos sendo governados por medida provisória - o que não é culpa do Governo.

Duvido que qualquer Senador que esteja ocupando a Presidência da República, ou que seja auxiliar direto do Presidente, podendo editar medida provisória que sairá no Diário Oficial no dia seguinte, vá perder tempo em falar com Senadores e Deputados, submeter-se a uma tramitação longa e demorada, que é a votação de um projeto no Congresso Nacional.

Existem muitas pessoas que acham isto mesmo: que democracia é uma chatice, que é complicada, que é ridícula e que o bom é medida provisória, exatamente aquela que não sofre fiscalização. No entanto, deixem-nos ser governados durante um ano por medida provisória para verem como termina.

Manifesto minha posição pessoal, Sr. Presidente: eu, Pedro Simon, fui relator da medida provisória, o primeiro relator, quando a proposta veio da Câmara. O autor era o Deputado Nelson Jobim. S. Exª realizou um estudo profundo do projeto, que foi aprovado na Câmara e veio para esta Casa. V. Exªs podem verificar que na proposta há meu parecer. Estudei-o longamente e fiz modificações. Hoje, na hora de votar, não vou fazer modificação alguma. Acho que deveríamos votar o projeto de lei do Deputado Nelson Jobim como veio da Câmara, porque hoje S. Exª é Ministro da Justiça. Nesse caso, caberia ao Poder Executivo tomar a decisão. Quer vetar? Vete. Quer alterar? Altere. Assim, pelo menos, mudaríamos o denominador: o responsável passa a ser o Presidente da República, e não o Congresso Nacional.

Sr. Presidente, com relação à Vale do Rio Doce, manifesto que acho estranho. Há um projeto a ser votado, em relação ao qual, segundo dizem, há maioria para que saia do Plenário vá para uma Comissão Técnica. Ora, Sr. Presidente, esse projeto de lei do Senador José Eduardo Dutra vem sendo debatido há longo período. Com relação a essa matéria, teríamos que ter a hombridade de dizer o que pensamos, e votar de acordo com o que pensamos. Quem acha que se deve privatizar a Vale do Rio Doce deve votar contra o requerimento. O que estamos querendo? Estamos querendo que, com relação a Vale do Rio Doce, seja aprovado um projeto que diga o seguinte: "A privatização da Vale do Rio Doce depende de votação do Congresso Nacional."

Queremos tirar a Vale do Rio Doce da vala comum das privatizações. Trata-se - repito - de um dos maiores escândalos que conheci: o Sr. Fernando Collor de Mello, no auge do seu prestígio, quando o Congresso Nacional estava em fim de mandato, completamente ridicularizado, ganhou a eleição, foi eleito Presidente da República. Elegeu-se, desmoralizando os Partidos e a classe política. Eleito, lançou o Plano Collor, fez o confisco, pareceu o grande salvador. Em meio a esse prestígio mandou um projeto através do qual se dava autorização para o Presidente da República privatizar todas as estatais. Penso que foi um dos maiores erros cometidos pelo Congresso brasileiro ao longo da sua História, porque se as estatais foram criadas lei após lei tinham que ser privatizadas lei após lei. Se tivemos uma lei que criou a Petrobrás, temos que ter uma lei que a privatize; se tivemos uma lei que criou a Vale, temos que ter uma lei que a privatize.

O que quer o Líder do PT? Quer que, com relação à Vale, o assunto venha ao Plenário para que o Senado e a Câmara possam decidir se querem, ou não, privatizá-la.

O que está acontecendo, Sr. Presidente? Não fica bem. O que está acontecendo é que o Senado, o Congresso, o Governo não nos deixam votar no plenário a proposta do Senador José Eduardo Dutra. Enquanto isso, o Governo está correndo com o processo de privatização da Vale.

Acredito até que é correto, Sr. Presidente. Se o Governo pedisse ao Senador José Eduardo Dutra ou ao Senado para que não se votasse o projeto porque a matéria está em discussão, o assunto ficaria parado. Mas não é o que está acontecendo. O Governo está dando celeridade às empresas que estão fazendo a privatização da Vale. Isso vai acabar na Justiça. As informações que tenho é de que empresas que estão trabalhando para firmar o capital da Vale estiveram no Banco Nacional e no Banco Econômico. Vai haver muita discussão.

Seria melhor decidirmos primeiro do que esperarmos trinta dias. O Senado quer fazer a votação para privatizar ou não a Vale. Ouvi a declaração do Presidente do BNDES, ontem, numa comissão, que está publicada no jornal de hoje, no sentido de já se trazer para esta Casa, para o Congresso, a questão consumada. Isso parece-me muito negativo.

Com relação à Vale, manifesto novamente o meu ponto de vista. É um absurdo contra a soberania nacional privatizar-se a Vale. Se a Vale é hoje um complexo de quarenta empresas, sou a favor de que se privatize o porto do Espírito Santo, a Ferrovia do Aço ou alguma reserva mineral já existente, cada um desses setores, vendendo-o a uma determinada empresa.

Privatizar-se a Vale e ter-se uma multinacional com o seu tamanho é quase que privatizar-se o subsolo brasileiro. Tenho posição clara: o núcleo da Vale, os técnicos, as plantas, aquilo que é a profundidade da história, da biografia, do pensamento da Vale, que é somente o que temos em nível de subsolo no Brasil, isso deve continuar nosso. Não precisamos ter uma empresa do tamanho da Vale, podem-se até privatizar algumas partes, mas devem ser mantidos o núcleo, as escrituras. Volto a dizer que não se deve privatizar a Vale como está.

Gostaria que os Srs. Senadores prestassem atenção no que vou falar: digamos que a privatização fosse o maior sucesso do mundo e que, privatizada a Vale, a nova Vale, a multinacional, passasse a explorar centenas de jazidas que ela descobriria no Brasil. Já imaginaram o poder dessa empresa? Já imaginaram o poder dessa Vale privatizada, nas mãos do capital externo, com 300, 400 jazidas novas que ela descobriria?! Perdoem-me a sinceridade, mas não me passa pela cabeça que o Senhor Fernando Henrique Cardoso tenha uma idéia como essa!

Tenho um ponto de vista claro. Não devemos retirar o projeto da pauta de hoje, remetendo-o a uma comissão, para esperarmos mais trinta dias. Daqui a pouco, estaremos no recesso de julho. Quanto ao Governo acelerar a privatização, isso não fica bem para quem votar aqui e nem para os homens do Governo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1996 - Página 7699