Discurso no Senado Federal

DENUNCIAS PUBLICADAS PELA IMPRENSA DE FRAUDES GROSSEIRAS NO USO DE RECURSOS DO SALARIO-EDUCAÇÃO.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • DENUNCIAS PUBLICADAS PELA IMPRENSA DE FRAUDES GROSSEIRAS NO USO DE RECURSOS DO SALARIO-EDUCAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1996 - Página 7747
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, DENUNCIA, IMPRENSA, FRAUDE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, SALARIO EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, SISTEMA, CREDENCIAMENTO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, REPASSE, RECURSOS, EDUCAÇÃO, IMPEDIMENTO, FRAUDE, BOLSA DE ESTUDO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, denúncias publicadas pela imprensa dão conta de fraudes grosseiras no uso de recursos do salário-educação. O fato, comprovado sem maior esforço, ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, envolvendo alguns municípios, localizados sobretudo na Baixada Fluminense.

Não é a primeira vez que crime dessa natureza chega ao conhecimento público. Há poucos anos, algo similar estourou no Estado do Ceará e, em sã consciência, ninguém hoje pode garantir não estar se repetindo por todo o País. Se nada for feito agora, superando o nível de medidas meramente pontuais e paliativas, seguramente continuaremos a conviver com essas práticas criminosas, que agridem a consciência nacional.

Eticamente inadmissível, sob toda e qualquer forma de manifestação, a fraude mostra-se ainda mais chocante e deplorável quando atinge em cheio a educação, em especial o ensino fundamental. É inconcebível, é inaceitável que, no momento em que o País inteiro se mobiliza para enfrentar e superar o gigantesco desafio que é o quadro atual da educação nacional, tenhamos que conviver com verdadeiras máfias de escolas fantasmas, a se locupletarem com o dinheiro público.

Por mais insignificante que possam ser os valores envolvidos nesta malfadada prática -- a de receber do Poder Público recursos correspondentes a bolsas de estudo de centenas de alunos rigorosamente inexistentes -- a questão merece ser discutida em profundidade. São múltiplos os ângulos de análise que o assunto propicia e, sinceramente, Senhor Presidente, temo que os mais sérios sejam exatamente os que não costumam vir à tona, quando explode o escândalo.

Em primeiro lugar, a constatação óbvia: são ridiculamente frágeis os mecanismos de controle de que dispõe o Estado em relação ao dinheiro aplicado na educação. Qualquer tentativa séria de reverter a dramática situação do sistema de educação pública em nosso País terá que, necessariamente, contar com uma fiscalização séria e inteligente. Caso contrário, permanecerão as fraudes, as construções desnecessárias e as obras que nunca são concluídas.

Parece que o Governo Federal, em boa hora, está reconhecendo o problema. O Jornal do Brasil, em sua edição de 24 de janeiro última, afirmou que "o festival de fraudes nas bolsas de estudo causou, segundo o Ministro da Educação, Paulo Renato Sousa, um rombo de oito milhões e quinhentos mil reais ao FNDE no Rio de Janeiro, somente no ano passado. Por isso, já foram feitas mudanças nos mecanismos de credenciamento de escolas na Secretaria de Educação, responsável por confirmar as informações prestadas pelas escolas interessadas em receber recursos do FNDE".

O Secretário Executivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação -- FNDE/MEC, Barjas Negri, anunciou recentemente mudanças no credenciamento e no repasse de recursos às escolas participantes do Sistema de Manutenção de Ensino (SME). Segundo O Globo de 2 de fevereiro, Negri reconheceu o "equívoco do controle que se faz há mais de dez anos porque se baseia apenas na relação de bolsistas fornecida pelas escolas".

Claro está que medidas dessa natureza são bem-vindas. Lembro-me, inclusive, da salutar decisão tomada pelo ex-Ministro Murílio Hingel de divulgar, sobretudo pelo rádio, o repasse de recursos do FNDE aos Estados e Municípios, prática mantida pelo atual Governo. No entanto, há que avançar mais, muito mais.

Vejamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que ocorre com o FNDE. Autarquia Federal vinculada ao MEC, criada em novembro de 1968, estará o FNDE gerenciando, no corrente ano, um montante superior a dois bilhões e meio de reais, provenientes da arrecadação e da aplicação dos recursos do salário-educação. Em que pese ao profissionalismo de seus dirigentes e de seu corpo técnico, a estrutura do órgão não é capaz de fiscalizar mais do que trinta por cento do que repassa para financiar projetos e programas educacionais em todo o País.

Ao lado da sempre necessária atuação fiscalizadora da sociedade -- que, para tanto, precisa ser informada acerca dos recursos repassados aos Estados, Municípios e Escolas Públicas --, é imprescindível que o Estado não fuja de suas responsabilidades, zelando pela boa utilização dos recursos por ele gerenciados. De imediato, duas providências se impõem: que o FNDE se reestruture, de modo a ser também um diligente órgão fiscalizador, e que as Delegacias Estaduais do MEC adquiram funções mais dinâmicas e profissionais, superando o estágio de mera burocracia cartorial.

Algumas vitórias já foram alcançadas. Desde o Governo anterior, os recursos do FNDE têm sido repassados aos Municípios, via convênios, a partir de projetos analisados e aprovados. Desde 1993, os recursos arrecadados deixaram de fazer o inexplicável passeio pelo Tesouro Nacional, além de ter sido diminuída sensivelmente a permanência, no INSS, dos recursos do salário-educação arrecadados por aquele Instituto. Outro avanço -- este ocorrido no atual Governo -- é o repasse de dinheiro diretamente às escolas estaduais e municipais.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso que a questão central continua encoberta. Refiro-me à teimosa pergunta básica dos técnicos do Banco Mundial: "a quem pertence -- de verdade -- o recurso público destinado à educação gratuita?", explicitada, em editorial, pelo O Estado de S. Paulo, em sua edição de 10 de janeiro.

Impossível não refletir sobre as questões levantadas pelo Estadão: "Se o IBGE demonstra que vagas em escolas públicas estão sobrando, por que, continuamos a usar dinheiro público para "comprar" educação particular? Será que se o Estado tomasse conta do que é seu, pelo menos esse tipo de fraude não desapareceria? Por isso é preciso responder a quem pertence o dinheiro público que é recolhido como imposto, para oferecer educação gratuita a quem realmente precisa dela?"

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1996 - Página 7747