Discurso no Senado Federal

PROSTITUIÇÃO INFANTIL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PROSTITUIÇÃO INFANTIL.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1996 - Página 7748
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, DISTRITO FEDERAL (DF), SEMINARIO, AMBITO INTERNACIONAL, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • ANALISE, DIVULGAÇÃO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), NOTIFICAÇÃO, BRASIL, REGIÃO NORDESTE, TURISMO, ABUSO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • COMENTARIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), PROSTITUIÇÃO, MENOR, PROJETO DE LEI, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, densa é a discussão que envolve a questão da prostituição infantil no Brasil. As estatísticas são controversas, segundo algumas fontes. Ademais, suas causas são extremamente complexas, pois têm sua origem no caótico quadro social do país, que expulsa crianças e adolescentes para as ruas. Daí não podermos desconhecer o ambiente de permissividade que predomina, inclusive nos meios de comunicação social, que tendem naturalizar matérias relativas ao assunto. Até a aplicação de uma lei torna-se complicada, pois há um excesso de conivência entre explorador - vítima.

Tais considerações vêm a propósito da realização do Seminário Internacional sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado em Brasília, no período de 08 a 12 de abril de 1996. Seminário este, preparatório para o Congresso Mundial, que será realizado em Estocolmo, no próximo mês de agosto.

Dados divulgados pelo UNICEF - Fundo para a Infância da Organização das Nações Unidas - ONU -, lista o Brasil dentre os países onde as questões do turismo e abuso sexual contra crianças é mais crítico. O turismo sexual é a manifestação "mais aberrante" de estímulo à prostituição, devendo ser combatido com prioridade máxima pelos governos. "As viagens estão cada vez mais baratas e cada vez mais os turistas e executivos de países industrializados buscam relações sexuais com crianças de países em desenvolvimento", comenta o relatório sobre o crescimento do turismo sexual nas últimas décadas.

Entre os onze países latino-americanos citados no documento, estão a Argentina, Chile, Uruguai e México. Encontramos declarações de que a "exploração sexual de meninos e meninas faz parte da vida cotidiana de várias nações da América Latina, Caribe e Ásia".

Estima-se que cerca de quinhentas mil crianças se prostituem no Brasil, incluindo-se aí meninos e meninas de rua, que podem ceder a eventuais propostas em troca de dinheiro.

Segundo o UNICEF, exercem a prostituição, aproximadamente, trezentas mil crianças indianas, cem mil chinesas e outras cem mil filipinas. Cerca de 150 mil garotas menores de 16 anos, do Nepal, trabalham em bordéis na Índia. Diz o estudo que "nenhum governo promove oficialmente o turismo sexual, mas sem dúvida uns fazem mais do que outros para proteger seus infantes desse tipo de prática."

O artigo 34 da Convenção sobre os Direitos da Criança, obriga os governos a "por fim à exploração e aos abusos contra meninos e meninas na prostituição e outras práticas ilegais". Por enquanto, somente a Alemanha, Suécia e Noruega possuem leis específicas que estipulam punições para o "turista sexual". Austrália, Nova Zelândia e França estão examinando a adoção de medidas similares.

O Nordeste brasileiro é apresentado como cenário denominado "pornoturismo". Destacam-se, nesse comércio, suíços, franceses e alemães. "Há toda uma organização por trás disso", afirma o texto do UNICEF. Comercializam pacotes turísticos na Alemanha, incluindo uma passagem para o Brasil - e duas de volta. A passagem extra seria para levar a suposta prostituta brasileira. Muitas dessas garotas viveriam na condição de escravas na Alemanha. "Alguns querem recuperar o dinheiro e as emprestam mediante pagamento para seus amigos. Outras acabam caindo nas mãos de gigolôs e não mais conseguem sair."

A CPI da Prostituição Infantil, instalada no Congresso Nacional em fevereiro de 1992, presidida pela Deputada Marilu Guimarães (PFL-MS), e como relator o Deputado Moroni Torgan (PSDB-CE), tomou como partida uma série de matérias veiculadas pelo Jornal Folha de S. Paulo.

À época, Cuiú-Cuiú, um bairro pobre de Itaituba, região de garimpo do interior do Pará, passou a ser o símbolo das meninas-escravas. Segundo a reportagem, elas eram compradas, ficando à mercê da inescrupulosa violência dos senhores donos de casas noturnas. Documentos provavam que policiais da cidade recebiam dinheiro destes "proprietários da noite", para que suas "transações" não sofressem perturbações. Dias depois à denúncia, a Polícia Militar do Estado do Pará, iniciou uma operação para libertar as jovens. No entanto, o Governo do Estado já tinha conhecimento da existência, dois meses antes das denúncias virem à publico, de adolescentes escravizadas. 13 de fevereiro de 1992, resultado dessa primeira operação, são libertadas 24 meninas. Com a interferência da Polícia Federal, mais de 70 mulheres, entre maiores e menores de idade, foram libertadas das 32 boates da cidade.

Em São Paulo constatou-se a existência de uma rede de meninas prostituídas, que eram utilizadas na comercialização de drogas. Viciadas, recebiam suas remunerações em crack - droga derivada e mais perigosa que a cocaína -. Embora distante geograficamente, São Paulo reproduz esquema semelhante ao do garimpo da Amazônia, onde é prática comum a escravização de meninas. Na região amazônica, que mantém proximidade com os centros produtores de cocaína, adolescentes são utilizadas por traficantes de drogas. Durante uma investigação naquela região, descobriu-se, por exemplo, uma adolescente decapitada por um garimpeiro. Razão: Recusara-se a manter relações sexuais.

Atenuando mais ainda, foi comprovado de que, na Amazônia, há um envolvimento direto entre policiais e a rede que trafica meninas. Em São Paulo, adolescentes sofrem brutais ataques de policiais civis, militares e de guardas metropolitanos. Sabe-se, então, que a violência é o traço marcante, onde, neste aspecto há total conivência ou participação direta da polícia.

No Rio de Janeiro, a Comissão Parlamentar chegou, através do Núcleo de Orientação e Saúde Social, a grupos de meninos de até 11 anos de idade, que se prostituíam. Como indica o texto, "vários deles são encaminhados à prostituição pelos próprios parentes". As denúncias são, porém, raras. As testemunhas afirmam, em depoimentos sigilosos, que seriam mortas caso revelassem quem são os verdadeiros agenciadores.

Como bem colocou a Deputada Marilu Guimarães, Presidente da Comissão Parlamentar que investigava estes assuntos, jamais desconfiaria deparar-se com uma realidade tão "assustadora e absurdamente cruel".

No meu Estado, o Ceará, turistas estrangeiros alugam casas luxuosas ou utilizam hotéis cinco estrelas com o objetivo de atrair garotas. Em Pernambuco, onde a CPI observou esse mesmo trânsito, temos a informação de que o preço de uma adolescente tem como critério a ausência de seios ou de pelos.

Nos últimos dois anos, o Estado do Ceará registrou um aumento de 154% no número de visitantes ao Estado. Dizer isto, representa um incremento de US$ 100 milhões na economia local. Não obstante, seria uma deslealdade não lamentar o terrível crescimento da prostituição no Ceará.

Segundo Nilze Costa e Silva, do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher, há uma leitura sócio-econômica do fato, pois "a maioria é de pessoas miseráveis, que vêm no exercício da prostituição uma oportunidade de ascensão social, e sabe-se que o turista é quem tem dinheiro". E assim carregam essa ilusão...

Em abril de 1994, instala-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara Municipal de Fortaleza. Segundo denúncias, uma rede informal de prostituição atuava na orla marítima de Fortaleza. Esquema bem estruturado, envolvia taxistas, gerentes de hotéis, donos de bares e restaurantes, que nesse processo assumiriam o papel de intermediários entre o turista e a prostituta.

Segundo o relator desta Comissão, Vereador Durval Ferraz (PT), constatou-se que pelo menos 13 taxistas, que atuam na Avenida Beira Mar, área onde se concentra grande parte dos hotéis de luxo, agem explicitamente na comercialização de encontros sexuais. Na sua maioria, crianças na faixa etária de 09 a 15 anos, muitas vezes agenciadas pelas próprias mães.

Para Fátima Dourado, do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher, a situação revelada pelo relatório da CPI, mostra que a preocupação em incentivar o turismo deve ser acompanhada de uma ação de combate à prostituição.

Manifestando-se sobre este assunto, o empresário cearense Osvaldo Dantas, destaca o aspecto do processo de permissividade da cultura brasileira. Somos uma sociedade permissiva que admite e até estimula, por omissão, perversões amplamente publicizadas. A música, também passou a ser um veículo de deturpação sexual e agressão aos costumes, completa o empresário.

Uma enquete realizada em Salvador, no Estado da Bahia, envolvendo 74 prostitutas entre 12 e 17 anos, revela que a maioria teve sua primeira relação sexual aos dez anos. Capitaneada pela socióloga Marlene Vaz, esta pesquisa concluiu que mais de 80% das prostitutas infanto-juvenis de Salvador nasceram na própria Capital, são pobres, negras e analfabetas. Algumas delas, segundo a pesquisadora, já realizaram, cada uma, cerca de quatro abortos.

Segundo as meninas entrevistadas, afirmam desconhecer a maioria dos males sexualmente transmissíveis, acrescido a isso que o uso do preservativo masculino está diretamente condicionado ao desejo de seu parceiro sexual.

Tomando os dados do extinto Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), a estatística é próxima a quinhentas mil meninas que se prostituem, nas grandes e pequenas cidades brasileiras. Em sua maioria, vítimas da violência dentro e fora de casa.

Não podemos deixar de indagar o que faz de Fortaleza uma das principais capitais da prostituição de adolescentes. Por que os órgãos responsáveis pelo combate ao lenocínio mostram-se tão impotentes para coibir a ação dos agenciadores, quando se sabe que sua identificação é um segredo polichinelo? Por que hotéis, motéis, bares e boates que alimentam essa rede continuam a realizar tranqüilamente esse negócio espúrio, sem serem importunados ? A sociedade brasileira carece de informações.

Simplismo delegar à repressão o fim da prostituição infantil. Suas causas remontam raízes sociais complexas.

Adotar posturas simplesmente moralistas em relação ao problema, é pura hipocrisia. Nós, a sociedade brasileira, temos nossa cota de responsabilidade, pois é nela que se gesta tal distorção social. A totalidade de menores prostituídos é proveniente de famílias esmagadas pela miséria. Alugam seus corpos e sobrevivem, pois outra alternativa é a morte lenta pela fome.

É imperativo transformações estruturais capazes de barrar as distorções sociais que respondem por esse cenário de degradação.

O Projeto de Lei nº 1674, de 1996, enviado ao Legislativo pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, propondo mais rigor à exploração sexual de crianças e adolescentes. Há o aumento de penas para os acusados e torna crime de ação pública (cuja denúncia é obrigatória pelo Ministério Público, independentemente da queixa-crime), os casos de condutas abusivas, violentas ou de exploração sexual de menores de 14 anos.

O novo texto inclui parágrafos nos artigos 225, 229 e 230 do Código Penal. A pena para quem mantiver maiores de 14 anos e menores de 18 anos em casas de prostituição, de dois a cinco anos de reclusão, mais multas, será dobrada. Já a pena para quem tirar proveito ou lucro da prostituição - rufianismo -, será punido com reclusão de quatro a doze anos, mais multa. Atualmente a pena máxima é de oito anos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos esperança que destes Congressos de Brasília e de Estocolmo, que reúnem especialistas de todo o mundo, possa-se tratar o problema de forma integrada, indo às origens da questão, realizando campanhas educativas e de repressão, de modo a diminuir a incidência deste crime que enodoa a nossa posição como nação civilizada.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1996 - Página 7748