Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DOS TEMAS A SEREM DISCUTIDOS NA CONFERENCIA HABITAT II, A REALIZAR-SE EM ISTAMBUL, TURQUIA, NO PROXIMO MES DE JUNHO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • IMPORTANCIA DOS TEMAS A SEREM DISCUTIDOS NA CONFERENCIA HABITAT II, A REALIZAR-SE EM ISTAMBUL, TURQUIA, NO PROXIMO MES DE JUNHO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/1996 - Página 7901
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ASSUNTO, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, REFERENCIA, HABITAÇÃO, OBJETIVO, PLANO DE AÇÃO, EXPECTATIVA, MOBILIZAÇÃO, GOVERNO, SOCIEDADE.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, AUMENTO, POPULAÇÃO URBANA, MUNDO, BRASIL.
  • ANALISE, PROBLEMA, DETERMINAÇÃO, URBANIZAÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO POPULAR, FALTA, QUALIDADE, SERVIÇO, INFRAESTRUTURA, SANEAMENTO, AUMENTO, DISPARIDADE, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no próximo mês de junho, em Istambul, realizar-se-á a Segunda Conferência das Nações Unidas Sobre Assentamentos Humanos - projeto denominado Habitat II.

Propõe-se a Conferência discutir em profundidade a questão dos assentamentos humanos do ponto de vista de sua sustentação e, concomitantemente, o problema da habitação adequada para todos. A iniciativa quer envolver os países membros das Nações Unidas em um esforço coletivo para formular um plano global de ação, objetivando preservar e melhorar as condições de vida nas cidades. As discussões e as análise deverão acontecer em contexto de panorama mundial. O Brasil far-se-á presente com extenso relatório, abordando essa problemática no âmbito do seu território, elaborado em sucessivas reuniões do chamado Comitê Nacional.

É fato conhecido de todos nós que, nas últimas três décadas, a população mundial se vem deslocando cada vez mais para as cidades a uma taxa média de 2,9% ao ano. Nos países em desenvolvimento, a taxa atinge 4% ao ano, enquanto que, nos industrializados, 1,4%.

No início da década de 90, nos países industrializados, 73% da população viviam na cidade, contra 37% nos países não industrializados, devendo esse índice chegar a 45% até o final do século. As tendências indicam que, no ano 2000, 90% do crescimento demográfico será urbano nos países em desenvolvimento e 18 das 23 maiores cidades do mundo serão megacidades, com mais de 10 milhões de habitantes cada uma.

No Brasil, o nível de urbanização atingiu patamares muito elevados nos últimos anos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991, 75% da população viviam em áreas urbanas.

Em termos de processo histórico, em 1940, a zona rural e as localidades com menos de 20 mil habitantes compreendiam 85% da população total do País. Em 1980, essa participação decresceu para 46%. No outro extremo, as cidades com mais de 500 mil habitantes aumentaram sua participação, passando de 8% para 32% no mesmo período.

O Censo Demográfico de 1991 revela também nítido arrefecimento da migração rural-urbana e inter-regional, bem como do ímpeto de concentração nas cidades de grande porte, particularmente na Região Sudeste. No entanto, o fluxo dos anos anteriores e o atual, embora diminuído, deixaram as cidades brasileiras de maior tamanho extrema e atabalhoadamente superlotadas.

O panorama dos assentamentos humanos apresenta um dos maiores desafios ao desenvolvimento social, econômico e sustentável do ponto de vista ambiental. A deterioração urbana é constrangedora, manifestando-se em gigantescos déficits habitacionais, agravados pela ausência de moradias adequadas para os pobres, pela falta de cobertura e de qualidade dos serviços e da infra-estrutura, particularmente em saneamento, pela ocupação predatória de áreas, com riscos de perdas humanas, patrimoniais e ambientais, pelos serviços de transporte com baixo padrão de eficiência, segurança e acessibilidade, pelos índices de contaminação ambiental e pela ocupação ilegal de terras públicas e privadas, gerando conflitos sociais e fundiários de difícil resolução.

      "Esse quadro - diz o Relatório Preliminar do Brasil, a ser levado à Conferência de Istambul - é fruto de um processo de urbanização e de metropolização, cujos determinantes demográficos, territoriais e econômicos geraram disparidades regionais, desigualdades de renda e exclusão social".

      "No caso brasileiro - continua o Relatório Preliminar - a metamorfose de uma sociedade que era rural e primária, para outra urbana e dependente dos setores secundário e terciário, tem sido, sem dúvida, rapidíssima, e também tem sido realizada a um custo social enorme. Sem dúvida o processo de urbanização foi desordenado e massacrante para a população de baixa renda".

O processo de modernização do Brasil deu-se com desigualdade e exclusão, criando paradoxos que estigmatizam a sociedade atual. O País alcançou grande crescimento industrial, mas convive com uma das maiores concentrações de renda do mundo. Em 1990, os 10% mais pobres recebiam apenas 0,8% da renda nacional, enquanto que o 1% mais rico recebia 14,6%. À grande maioria da população o mercado impõe o consumo de um sem-número de eletrodomésticos modernos, sem que antes tenha sido resolvido o problema das necessidades básicas, como alimentação, saúde, higiene, educação e moradia. Dessa forma, enquanto televisão, geladeira, vídeo e outros bens são acessíveis aos mais pobres, mesmo por meio de infindável número de prestações do crediário, o mesmo não ocorre com a habitação, porque os mais pobres não têm acesso ao mercado imobiliário, os salários não lhes permitem a compra de moradia, nem as políticas são eficientes para assegurar-lhe o acesso à casa própria.

A desordem na ocupação do espaço urbano é um problema que agride os olhos e chama a atenção de qualquer observador ou visitante das cidades brasileiras. Os interesses especulativos prevalecem sobre a função social do solo nas cidades. Grande número de lotes vagos e enormes glebas ainda não urbanizadas "convivem" com áreas densamente ocupadas por arranha-céus ou intensamente povoadas por favelas, o que gera uma demanda de serviços e de infra-estrutura sem condições de ser atendida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o problema dos assentamentos urbanos no Brasil não está provocando as análises e as discussões políticas que o caso merece. Outros itens alimentam as preocupações e os interesses dos homens públicos e da sociedade em geral, mas a questão aí está e dela o País se deverá ocupar, porque ela atinge e sacrifica uma camada muito grande da população.

Aos poucos, a insuficiente mobilização social e política da sociedade no tratamento dos problemas urbanos, que transforma as cidades em palco para ações emergenciais, tópicas, sem consistência e desarticuladas de projetos e estratégias de médio e longo prazo, tende a acabar e a suscitar amadurecimento de visão e de reivindicação.

A Constituição de 1988, muito a propósito, houve por bem estabelecer vários dispositivos destinados a reverter o quadro atual da realidade brasileira concernente à tributação. Tais dispositivos dizem respeito à necessidade de descentralização, com redução do papel da União em proveito de Estados e Municípios, à consolidação do envolvimento da sociedade civil, ao fortalecimento dos Municípios, à definição de competências no campo da gestão urbana e ambiental, à criação de novos instrumentos de política urbana e ao reconhecimento da função social da propriedade.

A Agenda 21, aprovada em 1992, no Rio de Janeiro, pela Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, contemplou uma série de propostas visando à melhoria da qualidade de vida social, econômica e ambiental dos assentamentos humanos, bem como à melhoria das condições de vida e de trabalho dos mais pobres, dentre as quais vale destacar:

- fornecimento de abrigo adequado aos sem-teto;

- melhoria do gerenciamento dos assentamentos humanos da cidade;

- planejamento e gestão do uso sustentável do solo;

- fornecimento de sistemas ambientalmente saudáveis de infra-estrutura relativamente a suprimento de água, qualidade do ar, drenagem, serviços sanitários e destino dos rejeitos de lixo sólido e perigoso;

- promoção de tecnologias mais eficientes na área de energia e sistemas sustentáveis de transporte;

- promoção de atividades sustentáveis no campo da indústria de construção e no desenvolvimento de recursos humanos.

Os compromissos gerais acertados na Primeira Conferência sobre Assentamentos Humanos - Habitat I -, ocorrida em Vancouver, em 1976, não foram exitosos no controle e no esforço de evitar os efeitos perversos da urbanização predatória e de melhorar as condições de moradia para todos. De lá para cá, passaram-se vinte anos, e aos problemas urbanos de então - sociais, habitacionais e ambientais -, somaram-se os da violência, da exclusão e da segregação.

É extremamente recomendável que as conclusões da próxima Conferência, que se realizará em Istambul, pelo interesse e esforço de todos os países, tenham maior êxito. Será gravemente frustrante se o Habitat II não passar de apenas e mais um instrumento do processo de globalização, que pode conduzir vastas regiões do mundo a ficarem sem espaço no contexto da ordem internacional. Com eqüidade, solidariedade e cooperação para um desenvolvimento sustentável, é necessário evitar uma situação-limite, em que alguns países ou regiões se transformam em paraísos de prosperidade, enquanto outros - a maioria - são condenados a viver em condições de destruição ambiental e degradação, como restos descartáveis da humanidade.

É válido o momento, para uma reflexão profunda sobre a qualidade de vida em nossas cidades, a fim de que Governo e sociedade, com espírito de amadurecida cidadania, se envolvam concretamente num processo político de vontade de mudar, resgatando o direito de todos de morar e viver bem. Esses os votos que formulo e a esperança que alimento.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/1996 - Página 7901