Discurso no Senado Federal

SOLIDARIZANDO-SE COM A REIVINDICAÇÃO DAS FAMILIAS, CUJAS PROPRIEDADES FORAM DESAPROPRIADAS POR OCASIÃO DA FORMAÇÃO DO LAGO DA USINA HIDRELETRICA DE TUCURUI, DE RECEBER RESSARCIMENTO PELOS QUATRO ANOS DE ATRASO NO PAGAMENTO DE SUAS INDENIZAÇÕES.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • SOLIDARIZANDO-SE COM A REIVINDICAÇÃO DAS FAMILIAS, CUJAS PROPRIEDADES FORAM DESAPROPRIADAS POR OCASIÃO DA FORMAÇÃO DO LAGO DA USINA HIDRELETRICA DE TUCURUI, DE RECEBER RESSARCIMENTO PELOS QUATRO ANOS DE ATRASO NO PAGAMENTO DE SUAS INDENIZAÇÕES.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/1996 - Página 7917
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • APOIO, REIVINDICAÇÃO, FAMILIA, ESTADO DO PARA (PA), INDENIZAÇÃO, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE), TEMPO, ATRASO, PAGAMENTO, DESAPROPRIAÇÃO, MOTIVO, BARRAGEM, USINA HIDROELETRICA.
  • ELOGIO, NEGOCIAÇÃO, TRABALHADOR, ESTADO DO PARA (PA), AUTORIDADE MUNICIPAL, SINDICATO RURAL, DIRETORIA, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE).
  • APOIO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), DIALOGO, FUNCIONARIO PUBLICO, GREVE.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, sou daqueles que ainda acredita no diálogo.

O diálogo, a conversa, o entendimento resolvem problemas que a violência não resolve. Se os trabalhadores rurais, os sem-terra, fecharam a estrada foi por falta de diálogo e de ação do Governo Federal. E foi também por esse motivo que se deu a invasão do Ministério da Fazenda e de algumas repartições de alguns Estados pelos servidores públicos.

Nesse aspecto, discordo do nosso companheiro, nosso colega, Senador Roberto Requião, que neste momento preside a sessão. Acredito que a atitude tomada ontem pelo Ministro da Fazenda foi a mais correta, mais coerente e menos problemática. No final das contas, S. Exª deve ter compreendido a sua própria culpa e, ao invés de agir com violência, aceitou o diálogo.

Tudo o que os funcionários públicos e os trabalhadores sem terra querem é o diálogo e o atendimento possível das suas necessidades.

Digo tudo isso para trazer ao conhecimento deste Plenário mais uma luta que está se dando, neste momento, entre trabalhadores e o Governo.

Estamos, aqui em Brasília, há quase 30 dias, com uma comissão de 62 trabalhadores de 06 Municípios do Pará que foram inundados pelo lago da Hidrelétrica de Tucuruí. Naquela oportunidade, 3.500 famílias perderam suas propriedades. Os Municípios de Tucuruí, Novo Repartimento, Breu-Branco, Goianésia, Itupiranga e Jacundá.

Essas pessoas, em 1978, Senador Pedro Simon, receberam um comunicado da Eletronorte dizendo que tinha sido feita uma vistoria das suas terras e um levantamento de tudo o que possuíam, pois aquelas terras seriam inundadas pelo lago da hidrelétrica. Foi dito a eles que não poderiam mais fazer melhoramentos e benfeitorias naquelas terras, pelas quais seriam indenizados. Isso ocorreu em 1978. Evidentemente, com a perspectiva de perderem suas propriedades, essas pessoas pararam de trabalhar. Imaginou-se que a indenização sairia um ou dois meses depois da vistoria feita pelos funcionários da Eletronorte. Entretanto, essa indenização começou a ser paga quatro anos depois da vistoria. E essas famílias, que pararam de trabalhar na expectativa da indenização, passaram quatro anos praticamente sem produzir, sem trabalhar, sem derrubar mata para fazer plantio, sem plantar uma cultura permanente, sem melhorar o seu curral.

Somente a partir de 1982, quando denúncias foram feitas do comportamento da Eletronorte em relação às 3.500 famílias de desapropriados, no Estado do Pará, foi que a empresa começou a pagar, porque essas denúncias foram levadas ao conhecimento internacional, à Anistia Internacional, entre outras ONGs; a própria Igreja Católica assumiu a luta desses trabalhadores.

Os trabalhadores também começaram a fazer acampamentos, passeatas, ocupações da sede da Eletronorte. Nós, inclusive, por muitas e muitas vezes, estivemos à frente desses trabalhadores nessas passeatas. Naquele tempo, era muito difícil esse tipo de luta, mas nós a enfrentamos, e a Eletronorte então começou a pagar os trabalhadores. Evidente que ela não cumpriu o que deveria, porque simplesmente pagou a benfeitoria levantada por ela quatro anos antes, pagando muito depois da avaliação feita. Outras coisas foram produzidas e o prejuízo desses quatro anos não foi considerado pela Eletronorte.

Hoje, essas famílias voltam aqui para negociar e reivindicar os seus direitos. Por sorte, a Eletronorte fez uma exceção a 19 famílias, num recente processo, há um ano atrás, indenizando os trabalhadores pelo tempo parado. Agora essas 3.500 famílias entraram na Justiça. Como a Justiça deste País é extremamente morosa para resolver problemas dessa natureza, eles estão aqui tentando resolver politicamente a situação.

No dia 03 de maio, houve uma grande reunião com 62 representantes desses 06 Municípios, alguns prefeitos, alguns vereadores, presidentes de todos os sindicatos de trabalhadores rurais desses Municípios e toda a diretoria da Eletronorte, sem exceção de nenhum diretor, inclusive com o seu Presidente. Essa reunião durou nove horas. É um ato extremamente positivo, esse ato do diálogo, esse ato do entendimento. A cobrança é justa, necessária, uma cobrança que vai tirar essas famílias da situação de terrível dificuldade que estão vivendo neste momento. Até porque muitas delas não receberam a terra. A Eletronorte, na ocasião, enganou-as com uma pequena indenização em substituição à terra em si. Essas famílias, hoje, não conseguiram ocupação na cidade, não conseguiram emprego, não conseguiram trabalho e agora querem de volta a terra a que tinham direito, embora tenham recebido uma pequena fração de dinheiro em função do acordo e do entendimento que houve na ocasião. Mas o tempo parado, essas famílias nunca receberam. Agora elas estão reivindicando pelo tempo parado e também terra para trabalhar, a melhoria das estradas que inicialmente foram feitas e posteriormente abandonadas; estão reivindicando ainda o prejuízo que tiveram em função da grande quantidade de mosquitos que passou a existir às margens do lago, em função da sua formação repentina.

Por isso trago a minha solidariedade a esses trabalhadores, o meu apoio a sua luta, e espero que o Governo Federal, que a Eletronorte e o Ministro das Minas e Energia tenham sensibilidade para este problema, buscando uma alternativa de solução política para resolver a questão e também atender às necessidades dessas 3.500 famílias de trabalhadores rurais que foram expulsos de suas terras por causa do lago da Hidrelétrica de Tucuruí.

Na expectativa de que esse diálogo dê resultado, de que esse diálogo funcione, de que as pessoas sejam ouvidas, da mesma forma que nós acreditamos no diálogo em qualquer circunstância de confronto, de luta, nós esperamos que o Governo não permita que esses trabalhadores, mais tarde, tenham que radicalizar uma luta, tenham que provocar uma ação que gere conflitos indesejados, como os que nós temos visto ocorrer em alguns momentos.

Sr. Presidente, finalizo o meu discurso solidarizando-me com o Ministro Pedro Malam, pela sua sensibilidade e pelo seu bom senso em não ter provocado um ato de violência, ontem, e ter aceitado conversar com os funcionários hoje. Na verdade, S. Exª já deveria ter feito isso muito antes. Quando nós não podemos fazer uma coisa devemos dizer por que não podemos. Nós vamos até o último instante do diálogo. Se os argumentos de S. Exª forem convincentes, todos deverão aceitar. Portanto, congratulo-me com a atitude do Ministro Pedro Malan, acho que S. Exª agiu corretamente e evitou mais um escândalo, mais uma confusão em nosso País. Não acredito nem posso esperar, embora alguns setores da imprensa especulem sobre isso, que poderíamos ter uma fujimorização, um golpe ou um endurecimento em nosso País. O momento que estamos vivendo é outro, o momento é de dar razão a quem tem razão, o momento é de acabar com as injustiças sociais, é de acreditar neste povo que está lutando e, de certa forma, radicalizando a luta para conquistar os seus direitos.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Com muita satisfação, Senador.

O Sr. Pedro Simon - Quero felicitar V. Exª pela importante manifestação. Não sei se V. Exª concorda com o que vou dizer. Acredito que sim. Nós, no Senado, temos mais condições do que a Câmara, porque somos apenas 81 Senadores. Lá, são 500 Deputados. Eu, por exemplo, sou candidato à reeleição ao Senado. Quando me perguntam por que não me candidato à Câmara, eu digo que não me encontro mais em condições de ir para lá, até pela idade. Eu gostaria de ter ido para a Câmara, porque lá se travam os grandes debates. Mas lá não se tem condição de fazer um aprofundamento como o que fazemos aqui. Acredito que V. Exª concorda que temos a obrigação, no Senado, de encontrar os caminhos. O Governo Fernando Henrique Cardoso está muito complicado. Sou obrigado a reconhecer que Sua Excelência cometeu, na minha opinião, um equívoco. Eu perguntaria aos Líderes do Governo Fernando Henrique Cardoso se Sua Excelência consegue colocar na mesma mesa todos os Líderes dos Partidos que o apóiam. Sua Excelência consegue reunir, ao mesmo tempo, o Senador José Sarney, do PMDB, Orestes Quércia, do PMDB, o Senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL, o Prefeito Paulo Maluf, do PPB? O Maluf foi a causa das saídas dos Senadores José Sarney e Antonio Carlos Magalhães da base de sustentação do Governo. A Frente ficou exageradamente ampliada, muito heterogênea. Por exemplo: lá está o nosso querido Senador Roberto Freire com o seu Ministro da Reforma Agrária. A Frente do Senhor Presidente Fernando Henrique não tem consistência, porque varia de caso para caso. Ontem, tivemos uma Frente do Presidente Fernando Henrique aqui. Eu sou eleitor do Fernando Henrique e ontem queria votar com Sua Excelência, mas um grupo de aliados saiu vitorioso. Devemos fazer um esforço no sentido de participar do debate e não deixar os trabalhadores, os funcionários, praticamente sendo levados, sem chance de ligação conosco. É preciso parar de dizer que o funcionalismo público é o algoz do Brasil, que toda desgraça é causada pelo funcionário público. No momento em que a conta, no Orçamento Público, do pagamento de juros é infinitamente maior do que a folha de pagamento dos funcionários, o Governo devia baixar os juros. O Governo, quando quis resolver o problema dos Bancos, criou o Proer numa madrugada de sexta para sábado, sem ouvir ninguém da classe política, sem ouvir ninguém! Hoje, aparece uma grande manchete, como se fosse uma coisa fantástica: "R$ 800 milhões para a reforma agrária. Após as mortes havidas, foram destinados 800 milhões para a reforma agrária, enquanto 5 bilhões foram liberados para tapar o furo do Banco Nacional. Então o Governo vive essas inconsistências, que são dramáticas. Sofremos com a saída do Betinho do Conselho do Comunidade Solidária. Acredito na boa fé do Presidente e na boa fé da Primeira-Dama, mas o Governo está vivendo horas, eu diria, muito confusas. Se misturar a tudo isso a alucinação dos 3/5... Não sei quando termina a alucinação dos 3/5 do Congresso para votar a reforma da Constituição, da Previdência, a reforma administrativa e a que garantirá a reeleição; não sei onde termina o interesse dos 3/5 por uma questão e onde começa o interesse dos 3/5 pela outra questão. Penso, meu querido, jovem e brilhante Líder do PSB, que deveríamos tentar. V. Exª, que é Líder, o ilustre Senador Roberto Requião, que neste momento preside a sessão, com a sua autoridade, com a sua experiência, enfim, todos nós deveríamos tentar, porque hoje, lamentavelmente, os Partidos estão meio sem referência. Ninguém pode atirar a primeira pedra, mas a vida partidária brasileira hoje é uma interrogação só. Há muitas questões internas não resolvidas, muitas dúvidas. Perdoe-me a sinceridade, até o Partido de V. Exª está sem referência. Não sei se concorda comigo. Vejamos o que acontece no Partido de V. Exª: o Diretório Municipal do Partido Socialista de Porto Alegre quer apoiar o PT; o Diretório Regional extinguiu o Diretório Municipal porque quer apoiar um candidato próprio. Isso acontece. V. Exª pode responder que o PMDB tem mil questões a mais do que essa. É verdade. Estou apenas querendo salientar que temos de fazer aqui no Senado uma tentativa de diálogo que extrapole a vida particular. Pessoas como V. Exª e eu, pessoas que têm certa identidade, não podem resumir sua atuação a ocupar a tribuna, como fiz há poucos minutos. Se pudermos ajudar, temos de ajudar. Como? Conversando com os trabalhadores, conversando com os grupos e conversando com o próprio Governo. Dessa questão, por exemplo, vamos tirar o coitado do Fernando Henrique. Critico Sua Excelência por não ter baixado a medida provisória estabelecendo o rito sumário para a reforma agrária quando o próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal pediu que Sua Excelência fizesse isso. O Presidente está com medo dos Deputados e Senadores que compõem a tal frente agrária. Todos sabem que há grande número de proprietários de terra no Senado e na Câmara dos Deputados. Temos de fazer um esforço no sentido contrário. Nós, que temos esse pensamento mais aberto, que defendemos um debate mais profundo, devemos fazer nosso mea-culpa. Está certo o que V. Exª fez agora, o que eu fiz da tribuna - falar, protestar, gritar. Esse é o nosso papel. Somos Senadores; não somos do Poder Executivo. Devemos atuar, cada um segundo seus talentos. Se temos condições de avançar, de fazer essa ligação, por que não fazê-lo? Nesse final de manhã de sexta-feira, levanto essa hipótese para discussão futura.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Concordo plenamente com V. Exª, Senador Pedro Simon. Se não pensarmos nisso e não fizermos isso, as coisas vão acontecer independentemente de nós.

Um dia desses, vi algumas pessoas condenando, veementemente, trabalhadores rurais sem-terra, porque um fato realmente complicado aconteceu no Município de Tucuruí. Os trabalhadores se reuniram com a direção do Incra do Município. Naturalmente, eles invadiram a sede do Incra do Município e a fecharam. Tiraram de lá uma comissão que estava negociando com a Direção do Incra uma série de questões.

De repente, chegou o Prefeito de Novo Repartimento, José Lima, que é um homem sério, um homem digno, que se tem batido diuturnamente pelo direito desses trabalhadores, é um homem que tem feito reforma agrária dentro do Município. Ele chegou para participar da reunião a convite do Incra. Alguns trabalhadores tentaram impedi-lo de passar, mas os trabalhadores do seu Município o fizeram passar. Na escadaria da sede do Incra, estavam os comandantes do Movimento dos Sem-Terra, e eles disseram que o prefeito não entraria em hipótese alguma, porque não era permitida a participação de político na reunião.

Veja bem, é uma intransigência desses trabalhadores, mas é uma intransigência que ocorre em função da atividade política. Então, ninguém pode tirar a razão deles. O prefeito ficou revoltado, eu também fiquei extremamente chateado. Se estivesse lá, eu teria entrado na marra. Teria passado por cima deles, se fosse necessário. Faria uma confusão. Todavia, não podemos tirar a razão deles, porque, afinal de contas, as coisas estão acontecendo sem que os políticos se envolvam nas questões.

Quero dizer também - já disse isso antes - que, em muitos aspectos, Senador Pedro Simon, este Congresso é muito mais conservador e muito mais atrasado do que o Presidente da República. Acredito que o Presidente da República, de certa forma, é refém deste Congresso.

O Sr. Pedro Simon - A diferença é que o Senado não vota. Por exemplo, o Senado não quer votar a matéria relativa à Companhia Vale do Rio Doce. Vai empurrando com a barriga. Quer que o Governo tome a decisão. O que o Congresso está fazendo? Está pressionando o Presidente da República para não baixar medida provisória, para não ter de votá-la. Se o Presidente da República baixasse, por exemplo, a medida provisória estabelecendo o rito sumário, o Congresso teria de votá-la, teria de manifestar-se a favor ou contra. Este Congresso, ao omitir-se e não votar, está empurrando os problemas com a barriga. Eu concordo com V. Exª: o Congresso é muito mais responsável e muito mais conservador do que o Presidente da República. Não há dúvida alguma quanto a isso.

O SR. ADEMIR ANDRADE - Fica aqui a nossa manifestação. Acredito que mesmo, resumidamente, alguns de nós têm tentado alguma coisa. Vamos torcer para que outros pensem como nós, se somem a nós, se juntem ao clamor do povo, porque, afinal de contas, nós também somos povo, embora às vezes pareça que não. Na verdade, nós somos povo e deveríamos estar mais próximos e mais integrados com ele.

O Sr. Pedro Simon - Principalmente com aqueles que ganham salário mínimo e com quem está desempregado.

O SR. ADEMIR ANDRADE  - Exatamente.

Era essa, Sr. Presidente, a manifestação que gostaria de fazer, esperando que esse conflito dos trabalhadores expulsos da Hidrelétrica de Tucuruí possa ser resolvido de maneira pacífica e tranqüila.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/1996 - Página 7917