Discurso no Senado Federal

CRISE HABITACIONAL NO PAIS. IMPORTANCIA DE MEDIDAS DE INCENTIVO A CONSTRUÇÃO CIVIL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • CRISE HABITACIONAL NO PAIS. IMPORTANCIA DE MEDIDAS DE INCENTIVO A CONSTRUÇÃO CIVIL.
Aparteantes
Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/1996 - Página 7963
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO POPULAR, BRASIL, RESULTADO, FALTA, CONTINUAÇÃO, POLITICA, SETOR, MOTIVO, TROCA, GOVERNO, DEFESA, URGENCIA, ADOÇÃO, POLITICA HABITACIONAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, PAIS.
  • DEFESA, INCENTIVO, CONSTRUÇÃO CIVIL, OBJETIVO, SOLUÇÃO, SIMULTANEIDADE, PROBLEMA, DEFICIT, HABITAÇÃO POPULAR, OFERTA, EMPREGO, PAIS.
  • COMENTARIO, EFICACIA, INICIATIVA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DE GOIAS (GO), SOLUÇÃO, PROBLEMA, DEFICIT, HABITAÇÃO POPULAR, BRASIL.
  • DEFESA, BUSCA, GOVERNO FEDERAL, ALTERNATIVA, PROGRAMA, REDUÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO POPULAR, PAIS.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todo ser humano tem direito a um adequado padrão de vida para si e sua família, incluindo alimentação, vestuário e moradia. Os organismos internacionais voltados para a defesa dos direitos humanos estabelecem isso, pois, além de ser um direito natural e inalienável de cada ser humano, ainda é incomensurável o número de pessoas que não gozam desses direitos ou que os tem apenas de forma precária e insuficiente.

No Brasil, os dados são muito contraditórios e conflitantes, mas números oficiais relatados pelo Diretor de Habitação da Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento e Orçamento, Edson Ortega Marques, no início do corrente ano, dão conta de que o déficit habitacional em nosso País é de 3,3 milhões de moradias na área urbana, enquanto que o número de habitações que necessitam de melhorias básicas que as tornem minimamente habitáveis é da ordem de 7 milhões. Em termos de recursos, segundo estimativas dessa mesma Secretaria, seriam necessários R$36 bilhões para a construção dessas novas moradias e R$17 bilhões para aquelas que precisam de reformas, o que perfaria um total de R$53 milhões para o programa de construção de casas no nosso País.

Existem estatísticas publicadas em jornais que fornecem outros números, afirmando inclusive que o déficit habitacional de moradias novas ascendem a mais de 10 milhões. Considerando, porém, que os números governamentais já são por si avultados, restringir-me-ei a eles.

Pelo que se observa na magnitude desses números, é legítimo concluir que, a depender dos orçamentos federais, tão cedo esse problema não será resolvido. Para o corrente ano, por exemplo, a proposta governamental é de liberar R$4 bilhões e 600 milhões para o setor, a serem aplicados em obras de infra-estrutura e na construção de casas. O montante em si é bastante generoso, mas ínfimo, se consideradas as necessidades globais da nossa população.

O problema habitacional brasileiro é grave por uma razão específica: a falta de uma política habitacional uniforme, coerente e durável. Em razão disso, a cada Governo, estabelecem-se metas e projetos que não têm qualquer continuidade no Governo seguinte. Assim, a cada quatro anos, há uma política habitacional diferenciada, que, muitas vezes, desconsidera as iniciativas anteriores e não leva em conta os recursos advindos das mudanças.

Ainda na semana passada, o eminente Senador do Ceará Lúcio Alcântara ocupou a tribuna desta Casa para trazer a sua preocupação em relação ao assunto, e até falou sobre esse encontro internacional que a ONU deverá realizar no mês de junho na Turquia, em que será abordado o assunto do Habitat II, que se refere ao problema habitacional do mundo. Hoje, aqui no Brasil, este programa é um caso de calamidade pública.

Assim, a cada quatro anos, tem-se uma política habitacional diferenciada, que muitas vezes desconsidera as iniciativas anteriores e não leva em conta os recursos advindos das mudanças.

Essa crise, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vem assumindo, nos últimos tempos, uma característica peculiar e preocupante: hoje, ela atinge praticamente todos os municípios brasileiros e também a zona rural. Não apenas nas cidades brasileiras há crise habitacional. Nas cidades do interior é cada vez maior o número de famílias que não têm onde morar. Na própria Capital da República, Brasília, vemos milhares de famílias morando debaixo de pontes e de lona, em casebres e em áreas invadidas, sem que haja preocupação alguma por parte do Governo Federal e do próprio Governo do Distrito Federal.

O Sr. Lúcio Alcântara - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JÚLIO CAMPOS - Concedo o aparte a V. Exª com muita honra.

O Sr. Lúcio Alcântara - Na oportunidade do pronunciamento de V. Exª, queria apenas dizer que, nessa conferência, será discutida a questão da habitação e das cidades de uma maneira geral, inclusive repassando experiências bem sucedidas no sentido de baratear os custos dessas iniciativas, de forma a ampliar a oferta de habitação para a população mais carente. Nesse particular, o Governo do Presidente Fernando Henrique tomou algumas iniciativas, não apenas de preparar um Plano Nacional de Ação, que vai ser levado também a Istambul, mas no terreno prático eu cito, pelo menos, duas dessas providências: primeiro, para a classe média e média baixa, a concessão de um financiamento direito ao comprador. Sabe V. Exª que antigamente quem era financiado era o construtor, a empresa, e com isso a possibilidade de negociação por parte do comprador caía muito. Hoje não. É concedido um crédito num valor determinado até R$35 mil, salvo engano, e aí o comprador se dirige às diversas empresas que trabalham na área, e compram onde achar conveniente, de acordo com as suas possibilidades; isso é um grande avanço. Segundo, a instituição dos conselhos nos Estados para estabelecer prioridades para o financiamento, seja de saneamento básico ou de habitação. Isso é importante, porque antigamente havia uma luta em que um município passava na frente do outro e, às vezes, dependendo do prestígio de quem defendia aquele município; hoje, esse conselho, onde estão os representantes dos Estados, dos municípios e de entidades não governamentais, em função do orçamento que é dado, estabelece quais são as prioridades, tanto o programa que deve ser priorizado como também de que município, ou do Estado, se for o caso, deva ser financiado. Então, essas iniciativas são importantes apesar de, como disse V. Exª, ainda estarem longe de resolver o problema do déficit habitacional sobre o qual também não nos entendemos. As estatísticas variam entre 5 a 15 milhões de moradias de déficit. Por outro lado, não sei se V. Exª leu a Folha de S. Paulo de hoje, que traz uma pesquisa feita sobre as capitais. Os primeiros problemas que surgem nas diferentes capitais são: saúde e habitação, como pontos que mais inquietam essas populações. Queria apenas, fazendo esse aparte, congratular-me pela oportunidade do tema que V. Exª está trazendo. Estamos esquecendo as cidades, e é nas cidades que vivem a maior parte do povo brasileiro.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Na área urbana, hoje, estão 70% da população.

O Sr. Lúcio Alcântara - O Brasil urbanizou-se rapidamente, mas, muitas vezes, não se tem consciência da necessidade de tratar, de maneira integrada, o problema da cidade, que é segurança, é saúde, é educação, é transporte, enfim, lazer e assim por diante. Os problemas são tratados isoladamente, e o Governo Federal está propondo, Senador Júlio Campos, uma nova lei de desenvolvimento urbano, que brevemente deve chegar a esta Casa e que servirá para o Governo Federal balizar as grandes linhas da sua política de desenvolvimento urbano no Brasil.

O SR. JÚLIO CAMPOS - Quero incorporar com muita honra ao meu pronunciamento o aparte de V. Exª e realmente realçar que já sentimos que o atual Governo do Presidente Fernando Henrique preocupa-se com mais profundidade com relação a esse assunto do que os governos anteriores. Além do mais, sinto que realmente a política implementada recentemente pela Caixa Econômica, em fazer o financiamento direto ao cidadão que necessita de adquirir uma casa, já começou a funcionar sem o apadrinhamento político. Espero que a Caixa Econômica realmente faça um bom trabalho nesse campo.

Não podemos esquecer que isso beneficia um pouco a classe média e privilegiada, mas a classe mais pobre e humilde, dos que não têm como abrir conta na Caixa Econômica ainda está esquecida do nosso Governo. Digo nosso Governo, porque o meu Partido, o PFL, tem a responsabilidade de fazer parte do Governo Fernando Henrique Cardoso, que é do PSDB.

Além disso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, após a extinção do BNH, Banco Nacional de Habitação, um banco de fomento, pôde-se verificar uma sensível redução na atividade da construção de habitações no País. A sua substituição pela Caixa Econômica Federal, em essência um banco até certo ponto comercial, veio proporcionar uma reorientação nas diretrizes adotadas nos financiamentos dos imóveis. Como se vê, trata-se de um banco que tem por finalidade o lucro - a Caixa Econômica tem por finalidade o lucro anual; o público alvo dos financiamentos foi modificado, passando-se a atender a uma população de faixa de renda mais elevada. Em decorrência disso, houve um sensível decréscimo nos financiamentos de moradias populares, para as pessoas mais humildes, carentes e pobres deste País. Acrescente-se a isso outro fator preponderante: a falta de recursos orçamentários para o setor, decorrente da crise econômica que aflige o País, o que faz com que a cada ano se reduzam mais e mais os recursos destinados ao financiamentos de novas moradias.

Por exemplo, gastam-se bilhões de reais para recuperar bancos falidos, quebrados, e não há dinheiro para fazer financiamento de casas populares para a população carente do nosso País, principalmente das áreas urbanas dos grande centros.

Por isso, é cada vez mais necessário que se adote uma política habitacional duradoura para o Brasil, em que se estabeleçam prioridades e se criem efetivas condições para que cada família possa ter o seu lar.

Fico feliz em tomar conhecimento de que nos próximos dias chegará ao Congresso Nacional uma nova lei que vai fixar diretrizes mais permanentes para o problema habitacional e de desenvolvimento urbano da comunidade brasileira. Investir em moradia é importante não só para resolver o problema habitacional, mas também para criar mais empregos para uma faixa da população normalmente carente e que não tem como trabalhar.

O setor que mais aproveita mão-de-obra neste País é a construção civil: o pedreiro, o auxiliar de pedreiro, o carpinteiro, o bombeiro hidráulico, o eletricista. Quando se executa um programa de construção de mil casas populares, empregam-se centenas e centenas de operários que estão trabalhando diretamente na construção civil, e outros empregos indiretos. As indústrias fazem mais cerâmica, mais telhas; enfim, cada R$10 mil aplicados na construção civil gera centenas de empregos neste País. É ainda importante por ser esta uma forma de dinamizar uma importante fatia da indústria e do comércio voltada para a construção.

Como os recursos são parcos e as necessidades enormes, há que se encontrarem formas baratas e seguras de edificação. Nesse particular, cito o exemplo de duas iniciativas que, a meu ver, têm proporcionado bons resultados na erradicação de favelas e na construção de moradias para as classes menos favorecidas. O primeiro vem da Prefeitura de São Paulo, onde o Prefeito Paulo Paulo - queira ou não a Nação brasileira - tem feito uma excepcional administração em termos sociais. Gostem ou não, critiquem-no ou não, hoje, S. Exª dá um exemplo a todos nós administradores e políticos brasileiros ao lançar o Projeto Singapura, que tem por finalidade erradicar favelas por meio da verticalização da moradia. No lugar de inúmeros barracos dispostos desordenadamente e sem qualquer infra-estrutura são construídos prédios de apartamentos para que as famílias morem nesses mesmos lugares e passem a ter suas áreas urbanizadas e dotadas de infra-estrutura necessárias. A solução, além de simples, é barata e tem o grande mérito de proporcionar às famílias condições dignas de habitação, sem removê-las para lugares distantes que só servem para segregá-las, dificultando a vida de quem precisa se locomover, todos os dias, até seu local de trabalho.

É um projeto que vamos levar a Istambul, na Turquia, em uma reunião que será realizada pela ONU, no próximo mês. Nós, do Senado Federal, em comissão da qual faço parte, levaremos o Projeto Singapura como um de nossos modelos: o cidadão que mora em favela terá um apartamento edificado no mesmo lugar; o favelado não precisa ser removido para outro lugar distante 30km, 50km de seu local de moradia, não perderia seu contato social nem ficaria distante do seu emprego; e seu filho poderia continuar estudando na escola a que está acostumado. O Prefeito Paulo Maluf está fazendo prédios no lugar da favela. O cidadão, ao receber sua nova casa, não perderá seu emprego, não morará mais longe, nem será removido para lugares tão remotos, e o seu filho freqüentará a mesma escola e o mesmo posto de saúde que lhe dá assistência.

Entendo que é um projeto que o Brasil pode mostrar em nível internacional. E foi criado por quem? Justamente pelo Prefeito Paulo Maluf, que utiliza percentual de arrecadação própria para fazer essas casas populares. Já foram inaugurados mais de 40 mil apartamentos em São Paulo nesse Programa Singapura, que agora recebeu aval do BID, com investimentos de US$400 milhões.

Outra solução bastante geniosa e mais adequada em locais onde a falta de espaço não é problema, como aqui na Região Centro-Oeste - não temos problemas de espaço, de terra; temos problemas de recursos para construir a casa -, é o método de mutirão.

No vizinho Estado de Goiás, quando era Governador nosso eminente Colega Senador Iris Rezende, foram célebres os mutirões em que, com esforço coletivo, em poucos dias, assentamentos ou vilas eram completamente edificados em áreas previamente dotadas de estrutura. Tive a honra de ser colega de Iris Rezende quando ele foi Governador de Goiás, de 1983 a 1987. Eu era Governador de Mato Grosso, meu Estado, e ficava entusiasmado de ver o trabalho que o então Governador Iris Rezende fazia em Goiânia. Tive a oportunidade de visitar Goiânia na época e assistir ao trabalho daqueles mutirões populares que ele criou; num final de semana - sexta, sábado e domingo -, ele entregava, prontas, mil casas populares à população carente.

Graças a essa visão do Senador Iris Rezende, tentei imitá-lo e consegui um pouco de sucesso nos nossos programas comunitários de Mato Grosso, através da Cohab de Mato Grosso e da Fundação de Promoção Social.

É certo que os problemas de Goiânia eram bem maiores em termos habitacionais que os de Cuiabá e Campo Grande, Sr. Presidente. V. Exª teve a honra de ser Prefeito de Campo Grande e realizou também um grande trabalho social na sua gestão como Prefeito daquela Capital.

Sei que existem por este imenso Brasil várias outras experiências simples, baratas e eficientes para se resolver o grave problema de moradia. O Brasil precisa que essas experiências sejam devidamente avaliadas e incentivadas pelo Governo Federal. Para cada situação existe uma solução adequada e acessível ao montante de recursos disponíveis. Cabe aos órgãos técnicos do Governo estudar essas várias alternativas e assessorar as Prefeituras na melhor forma de colocá-las em prática.

Da minha parte, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou certo de que é de iniciativas como essas que poderão surgir alternativas concretas para resolver o grave problema habitacional de nosso País. É preciso, entretanto, agir rápido, porque qualquer postergação na solução desse problema significará o agravamento dos problemas sociais do Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/1996 - Página 7963