Discurso no Senado Federal

DEBATES RESULTANTES DA APRESENTAÇÃO DO PLANO ESTRATEGICO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, PELO DR. RODRIGO LOPES, NO CENTRO INDUSTRIAL DO CEARA - CIC, NO ULTIMO DIA 3 DE MAIO, DURANTE A REALIZAÇÃO DO SEMINARIO FORTALEZA 2.020.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DEBATES RESULTANTES DA APRESENTAÇÃO DO PLANO ESTRATEGICO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, PELO DR. RODRIGO LOPES, NO CENTRO INDUSTRIAL DO CEARA - CIC, NO ULTIMO DIA 3 DE MAIO, DURANTE A REALIZAÇÃO DO SEMINARIO FORTALEZA 2.020.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/1996 - Página 7968
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, MUNICIPIO, FORTALEZA (CE), ESTADO DO CEARA (CE), OPORTUNIDADE, APRESENTAÇÃO, PLANO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, RODRIGO LOPES, COORDENADOR.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, MUNICIPIO, FORTALEZA (CE), ESTADO DO CEARA (CE), DISPARIDADE, POPULAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, INTERIOR, EXISTENCIA, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO, BAIXA, REMUNERAÇÃO, ANALFABETISMO.
  • ANALISE, LEVANTAMENTO, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), SITUAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO CEARA (CE).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 3 de maio, realizou-se no Centro Industrial do Ceará - CIC, por iniciativa do seu Presidente, Jorge Parente, uma apresentação do que é o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro.

O Plano Carioca, exposto pelo seu coordenador, Dr. Rodrigo Lopes, motivou intensos debates a respeito da nossa própria Capital, Fortaleza, sobre as formas de evitar que a cidade se transforme em uma metrópole doente, como outras que vão se espalhando pelo Brasil. Isso por que existe a convicção de que ainda é possível evitar-se tal fato. Fortaleza tem de enfrentar uma série de desafios para consolidar o seu poder de atração e aprimorar a qualidade de vida de seus habitantes.

O Dr. Rodrigo Lopes ressaltou o fato de que o mundo está passando por um processo de mudanças profundas. Amplia-se a complexidade dos fatores que influem nos acontecimentos; aumenta o grau de incerteza quanto ao futuro; aceleram-se as transformações. Mudanças são impulsionadas pelo enorme crescimento populacional, pelo acelerado ritmo de urbanização, pela revolução tecnológica, que cria novas realidades espaciais, e pela importância cada vez maior de se conservar o meio ambiente e de se buscar um desenvolvimento sustentado. Esses fenômenos têm um efeito específico sobre a nova sociologia urbana.

Os responsáveis pela construção das cidades, sejam eles os seus administradores, sejam os cidadãos, são chamados ao desafio de intermediar as demandas do mercado com a lógica da cidadania. As transformações de uma cidade devem resultar do diálogo, que leva em conta, ao mesmo tempo, a qualidade de vida e a competitividade, o que exige um planejamento estratégico.

Esses paradigmas têm de ser considerados quando discutimos Fortaleza 2020 e o que se deve fazer para enfrentar uma série de desafios, para consolidar a atratividade de nossa Capital e aprimorar a qualidade de vida de seus habitantes.

Com relação a Fortaleza, a primeira grande questão a ser colocada é a não disparidade entre a população da Capital e a das cidades do interior. A população de Fortaleza é de cerca de 1 milhão 960 mil habitantes, representando 29% da população cearense, de 6,8 milhões. A região metropolitana ocupa 2,4% do território estadual e é constituída por 9 municípios. Nos 8 municípios, que não Fortaleza, vivem cerca de 640 mil habitantes, que correspondem a 25% da população da área metropolitana, que é de 2,6 milhões de habitantes, ou 38% dos cearenses.

Um segundo fato é que o fortalezense é pobre. A parcela de pobres na região metropolitana de Fortaleza foi estimada em 23,5%, em 1990, mas há estudos que indicam que há 26% das famílias com renda abaixo do nível de pobreza. A questão social também está refletida no emprego informal, no fato de 54% das pessoas ocupadas na nossa Capital viverem em favelas.

Um terceiro problema é a extrema desigualdade entre as classes sociais. A marca registrada de Fortaleza está em seus contrastes: há uma grande separação física entre a maioria pobre e a parcela da população que vive nos melhores bairros, na área das praias e dos hotéis. Estima-se que a renda apropriada por 1% das pessoas de maior nível de renda seja maior que o total da renda dos 60% mais pobres.

Esses problemas têm origem no esvaziamento sócio-econômico do interior. As condições econômicas e sociais do Ceará rural são ainda deploráveis. Dois terços das famílias são indigentes. Mediante a migração, a pobreza rural é a maior causa da pobreza urbana, representando uma ponte entre a economia do Ceará e a economia da região metropolitana de Fortaleza.

O esvaziamento do interior é uma realidade que, também, reflete a distribuição das receitas públicas: na região metropolitana de Fortaleza, os governos municipais contam com R$35 milhões/mês, enquanto os governos municipais do interior, para uma população maior que a população metropolitana, contam com R$38 milhões/mês.

A questão social e o contexto econômico têm uma forte influência nas questões do emprego em Fortaleza. O fortalezense está subempregado ou desempregado. O desemprego médio está em torno de 10%, mas o desemprego entre os jovens é superior a 20%. O emprego formal cresceu apenas 5% entre 1991 e 1995, enquanto a população cresceu 18% nesse mesmo período. O emprego informal absorve mais de 50% das pessoas ocupadas; 56% da força de trabalho não completou o curso primário e 37% têm menos de 3 anos de escolaridade.

O habitante da nossa Capital que trabalha recebe também remuneração muito baixa. No setor formal, que absorve 45% das pessoas ocupadas, 75% ganham mais que um salário mínimo, mas apenas 20% recebem mais que 3 salários mínimos. No setor informal, 40% ganham mais que um salário mínimo, mas apenas 17% ganham mais que 2 salários mínimos.

Um dos objetivos do Seminário Fortaleza 2020 foi chamar a atenção para esses problemas e para a necessidade de um plano estratégico de longo prazo. No ano 2000, a região metropolitana de Fortaleza deverá ter 3 milhões de habitantes, sendo 2,2 milhões no município-sede e 800 mil nos demais municípios. No período 1995-2000, estima-se que a região metropolitana de Fortaleza ganhará mais de 56 mil domicílios, ou 11 mil a cada ano. Para efeito de comparação, durante os anos 80, o setor formal de habitação público e privado ofertou cerca de 7.150 unidades a cada ano. Cabe recordar que, no município de Fortaleza, cerca de 30% das famílias vivem em favelas.

Nossa Capital, por falta de melhor planejamento, ainda tem muitos vazios urbanos. Apesar de totalmente parcelada, somente 18% da área do Município estão efetivamente ocupados. Este padrão de ocupação espacial produz um crescimento urbano ineficiente e altos custos sociais. O movimento de implantação de conjuntos habitacionais se deu "por saltos", criando grandes vazios urbanos entre a franja da cidade, já atendida com certo número de serviços e infra-estrutura, e as regiões dos novos conjuntos habitacionais. Isso, evidentemente, causa ineficiência e elevação dos custos de operação da cidade em seu todo.

Muitos desses problemas estão vinculados aos baixos níveis de instrução dos fortalezenses e a influência dos serviços oferecidos nesta área. Assim é na educação, em que estão presentes as maiores e mais graves deficiências da cidade. Medindo a qualidade do capital humano pela proporção de pessoas com mais de 10 anos que tenham no mínimo 10 anos de escolaridade, Fortaleza é uma das mais pobres regiões metropolitanas do País. A proporção da população de mais de 10 anos que tem mais que quatro anos de escolaridade e de apenas 48%, menos que Recife (50%) ou Salvador(58%).

A taxa de analfabetismo da população com mais de 15 anos é de 20%, porém é bem melhor que a situação no interior, onde essa taxa alcança 64%. No Ceará, existem cerca de 1,3 milhões de analfabetos, dos quais 260 mil na região metropolitana de Fortaleza.

Outro fato derivado das desigualdades sociais na capital é que, enquanto em alguns municípios da região metropolitana e em alguns distritos sanitários de Fortaleza são registradas taxas extremamente elevadas de mortalidade infantil, dentro do município de Fortaleza e em alguns distritos sanitários, são observados indicadores de saúde próprios de países mais desenvolvidos.

Em 1994, o governo estadual aplicou R$384 milhões no setor saúde, representando 8% do gasto total - foi um gasto bastante significativo se comparando com outros Estado do País -, sendo que 2/3 foram financiados com transferências do Sistema Único de Saúde e uma terça parte foi financiada pelo Tesouro Estadual.

No lado municipal, o gasto mais relevante se refere à manutenção do Instituto José Frota, com um dispêndio mensal de R$2,1 milhões, que equivale a cerca de 1/4 das despesas da prefeitura municipal com saúde.

Um fato muito importante e que gostaria de chamar a atenção é que, apesar dos municípios da região metropolitana serem interdependentes, eles agem normalmente de forma isolada.

A transformação da AUMEF - antiga Autarquia Metropolitana de Fortaleza - em SEDURB, - Superintendência Estadual do Desenvolvimento Urbano - para atender a todos os municípios do Ceará, extinguiu a capacidade de planejamento no nível metropolitano. Desde então se agravaram os problemas, cujas soluções requerem uma ação coordenada das várias unidades que integram a metrópole.

Um criativo modelo de planejamento metropolitano deverá envolver os governos municipais, sem colocá-los em posição de dependência hierárquica do governo estadual, mas sendo capaz de obter dos mesmos firmes compromissos de colaboração intergovernamental. Além de incorporar e aglutinar as entidades governamentais, este novo modelo deverá ser aberto à contribuição e participação dos diferentes grupos sociais de interesse.

Para atenuar tais problemas, a Missão do BID recomenda que o início da formação de um conselho deliberativo para a região metropolitana de Fortaleza se dê mediante a criação de uma entidade metropolitana que poderia dar partida à preparação de um conjunto de iniciativas relevantes. Uma delas poderia ser a montagem de um sistema metropolitano de informações. Outra seria referente ao desafio da descentralização administrativa de serviços públicos. Um outro desafio poderia ser a preparação de uma proposta de integração de favelas na estrutura urbana da Grande Fortaleza.

Faço referência a essa Missão quando de sua estada, por 40 dias, em nossa cidade, fazendo um profundo estudo sobre a situação de Fortaleza, dados que, em parte, estão aqui em meu pronunciamento.

Tratando ainda do quadro institucional, que é confuso e impede a otimização das iniciativas, o atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, de 1992, é menos um plano no sentido técnico e mais um conjunto de diretrizes. Além de genérico, permitindo grande flexibilidade em sua operacionalização, o Plano é praticamente omisso em referência à economia e à dinâmica da cidade.

A atual administração municipal submeteu à Câmara de Vereadores projetos de legislação com critérios de ordenamento de atividades na orla marítima. Mas, em função da pressão de várias origens, a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, de 1979, continua vigente. A ação da prefeitura é julgada como sendo pontual, carecendo de maior sentido estratégico, frente ao objetivo de um verdadeiro desenvolvimento urbano e maior justiça social. Um fato positivo é a nova lei que está sendo finalizada e discutindo-se para breve sua vigência.

Outro exemplo, ainda na área institucional, está na gestão do IPTU, o Imposto Predial Territorial Urbano, em Fortaleza. A participação proporcional do IPTU na receita de Fortaleza é de apenas 3,2%, enquanto em Porto Alegre é de 23,8%; em Florianópolis é de 19.9%; em Recife é de 8,9%; e em Salvador é de 7,7%.

O IPTU não é aproveitado no seu potencial de recuperação, ainda que parcial, dos investimentos da Prefeitura, nem o de induzir ou desestimular o desenvolvimento de áreas em função das indicações do Plano Diretor.

Também não se utiliza esse tributo como instrumento de transferência de renda, de um bairro bem dotado de investimentos públicos para um bairro desprovido de infra-estrutura física e social. Pior, pois o BID documentou situações em que o valor relativo do lançamento do imposto foi maior em zonas de população e padrão habitacional mais pobres - a oeste e sudeste do Centro - do que nas áreas mais valorizadas.

O baixo número de aprovações para construções habitacionais pela prefeitura de Fortaleza é também um indicador do grau de ilegalidade que existe nesta área. Em 1994, foram concedidos alvarás para a construção de cerca de 5.100 unidades habitacionais, o que se estima representar não mais de 40% do número de unidades efetivamente construídas.

O relatório do BID aponta algumas prioridades, para que a metrópole não se transforme num absurdo urbano.

- na área da saúde, já que há amplas iniciativas no setor de água e esgoto, teria muito impacto um projeto como o Programa de Saúde da Família; também deveria haver prioridade para racionalização do atendimento às situações de emergência, com alcance metropolitano, bem além dos limites estreitos da ação municipal isolada; igualmente, deveria haver prioridade para uma ação multissetorial e interinstitucional frente à violência do trânsito, com forte componente de educação para a saúde;

- na área da educação, está evidente a urgência de ação definitiva contra a universalização da matrícula, não sendo admissível a entrada no século XXI com cerca de 70 a 100 mil crianças e jovens fora da escola;

- na área de transporte de massa, há o desafio de implantação de um sistema intermodal - transporte sobre trilhos, já negociado pelo Governo Tasso Jereissati com financiamento japonês - que ajudasse a reduzir o tempo de deslocamento da população entre os bairros, a descongestionar o centro, e, por outro lado, a induzir o equilíbrio de distribuição de funções entre o centro e a periferia da região metropolitana.

Cinco outras áreas também foram indicadas como de especial importância:

- a expansão da cobertura dos serviços de água e esgoto, pois, no município de Fortaleza, 23% dos domicílios (cerca de 100 mil unidades) não estão ligados à rede de água, e 60% dos domicílios (cerca de 262 mil unidades) não estão ligados à rede de esgoto; (o Prosanear, em execução pelo Governo do Estado, atenderá a 146 mil ligações de esgoto, reduzindo consideravelmente o déficit);

- a implementação de um novo modelo de urbanização de favelas, com baixo custo e ênfase na criação de bens de consumo público, dentro de uma abordagem multissetorial e interinstitucional;

- ação especial de atenção à mulher pobre chefe de família (33% dos domicílios pobres são chefiados por mulher) e às crianças até 5 anos (55% das crianças são pobres);

- a superação da pobreza exige uma ainda maior atenção à geração de emprego, principalmente no apoio aos pequenos negócios e no desenvolvimento do turismo;

- criação de subcentros, em localidades estratégicas, como terminais intermodais de transporte, na periferia de Fortaleza e nos municípios da região metropolitana. Nesses subcentros seriam oferecidos, pelos diferentes níveis de Governo, todos os serviços necessários ao exercício da cidadania. Isso evitaria que a população, especialmente a de baixa renda, fizesse longos e repetidos deslocamentos para pagar impostos, obter documentos e informações, tirar carteira de identidade, do trabalho, título de eleitor, tramitação de pedidos de pensão ou aposentadoria, alistamento militar etc.

Uma sugestão muito forte dos técnicos do BID refere-se a um componente da cultura brasileira, que é a dissociação entre as ações do governo do Estado e da prefeitura municipal, principalmente se esses dois níveis forem administrados por partidos diferentes. É necessária a criação de um novo paradigma no trato das questões metropolitanas. Simplesmente não se percebe como viável seguir com uma visão estreita, nos limites do espaço isolado de governabilidade de cada prefeitura ou nos limites da atribuição da burocracia de cada entidade estadual com atuação relevante na Região Metropolitana. É necessário sair da dualidade Fortaleza versus Governo Estadual e criar um novo paradigma, de alcance metropolitano e de natureza multissetorial.

Há vários caminhos para a construção deste novo paradigma: um sistema de informações metropolitanas; um sistema intermodal de transportes de massa; uma inserção de qualidade das Prefeituras Municipais nos Conselhos de Administração, da CAGECE, da COELCE, do DETRAN, da COHAB, e de outras entidades estaduais; um programa de apoio ao turismo, envolvendo os governos municipais; e a condução de projetos inovadores na área social, em parceria com as prefeituras e a comunidade.

A superação da pobreza e a construção do Ceará moderno, justo, competitivo e democrático são desafios que não cabem na visão pequena dos espaços municipais e das burocracias das entidades estaduais. Uma autoridade metropolitana poderia ser o foco de convergência das vontades, da criatividade e dos recursos para o enfrentamento destes desafios.

Estas foram algumas conclusões oriundas do Seminário Fortaleza 2.020, realizado no âmbito do Centro Industrial do Ceará, a partir de informações trazidas pelo Dr. Rodrigo Lopes, responsável pelo plano estratégico do Rio de Janeiro, e de dados colhidos no levantamento realizado em Fortaleza, por ação do Banco Interamericano de Desenvolvimento.*

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/1996 - Página 7968