Pronunciamento de Pedro Simon em 14/05/1996
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS LANÇADO ONTEM PELO GOVERNO. ELOGIOS AO PROJETO RONDON. TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DO ARTIGO DIREITOS HUMANOS, DO JORNALISTA MARCIO MOREIRA ALVES, PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO DE HOJE.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DIREITOS HUMANOS.:
- CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS LANÇADO ONTEM PELO GOVERNO. ELOGIOS AO PROJETO RONDON. TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DO ARTIGO DIREITOS HUMANOS, DO JORNALISTA MARCIO MOREIRA ALVES, PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO DE HOJE.
- Aparteantes
- Casildo Maldaner.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/05/1996 - Página 7998
- Assunto
- Outros > DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
-
- CONGRATULAÇÕES, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DECISÃO, OBJETIVO, GARANTIA, DIREITOS HUMANOS, PAIS.
- ELOGIO, INICIATIVA, GOVERNO, IMPLANTAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, SERVIÇO CIVIL, PAIS.
- TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, MARCIO MOREIRA ALVES, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RELAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente e Srs. Senadores, a meu ver, foi importante o pronunciamento e a decisão do Governo anunciada ontem. Trata-se do documento sobre direitos humanos. Foi correta a decisão do Governo, foi correto o realce dado ao assunto, será correto o debate que haveremos de fazer sobre a matéria. Evidentemente, entre o discurso, a festa, de ontem e a realidade lá se vai muito tempo, mas, na verdade, na verdade, pela primeira vez na nossa História um Governo faz o que se chama um pacote, toma uma série de decisões tendo em vista os direitos humanos. Felicito o Presidente Fernando Henrique, felicito o seu governo; espero que seja o início de um período de realidades concretas.
Aplaudo, de saída, a iniciativa do serviço civil obrigatório. Trata-se de uma bandeira que defendo há muito tempo. Desde o Governo do Presidente Itamar Franco, eu discutia a matéria com o então Ministro do Exército, que ainda hoje ocupa o cargo. Vejo que, dentre a imensidão que de jovens que prestam o serviço militar, alguns ficam nas Forças Armadas, mas a maioria não fica, até porque não há condições para que se lhes aproveitem todos. Há também uma imensidão de jovens que não prestam esse serviço militar.
Baseado nisso, tenho discutindo, debatido o assunto. Já fiz alguns pronunciamentos, abordei a questão com alguns ministros, inclusive com o então Deputado Jobim, atual Ministro da Justiça. Louvo, portanto, a iniciativa do Governo em criar o serviço civil obrigatório, masculino e feminino.
Em um determinado momento, um contingente de jovens, os que não são aproveitados no serviço militar, poderia prestar um serviço civil obrigatório. Seria - é a minha idéia, não sei se é a do Governo - uma espécie de Projeto Rondon, realizado em todo o Brasil. Assisti, lá na Amazônia, lá em Rondônia, assisti, por esse Brasil afora, à execução de atividades emocionantes realizadas pelo Projeto Rondon.
A Universidade de Santa Maria, do Rio Grande do Sul, tem um projeto avançado em Rondônia. Quando lá estive para debater a questão das terras indígenas, emocionei-me em ver que alguns gaúchos lá ficaram. São médicos, parlamentares, que, quando estudantes, foram para esse Estado realizar atividades do Projeto Rondon, mas adaptaram-se ao lugar e lá ficaram. Era um projeto que visava levar jovens estudantes ao interior, onde deviam aplicar e transmitir conhecimentos de Medicina, Odontologia, higiene, organização daquela sociedade, cultura.
Imagino que assim será o serviço civil obrigatório. Por essa razão, felicito o Senhor Presidente pela proposta. Se for implementado o projeto, teremos um contingente de não sei quantos mil ou milhões de jovens agindo, atuando, sob orientação do Governo, na solução dos problemas sociais.
O que os jovens universitários fizeram no Projeto Rondon lá no Norte do País pode ser feito em Brasília, em Porto Alegre, no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Seria um projeto de intercâmbio entre os jovens que tudo têm e que vão conhecer o Brasil que não imaginam, e dos jovens que nada têm e que vão ter a oportunidade de se transformar em cidadãos.
Quando fui governador, pude ver que jovens que saíam da vila, da favela ou do interior, analfabetos, sem chances, quando faziam o serviço militar obrigatório, adquiriam hábitos de civilidade, aprendiam a ler e de certa forma adquiriam uma profissão. Esse trabalho que pretende o Governo poderia ser feito a duas mãos: classe média e a classe média alta ajudariam, conheceriam a miséria, a vila e a favela; a gente simples teria a oportunidade de se coordenar e de ter vida digna.
Felicito o Governo. Claro que não é fácil, claro que se trata de um grande desafio, mas acho que a criação do serviço civil obrigatório, masculino e feminino, para jovens de determinada idade, seria ótimo. Prestar serviço comunitário nas escolas, nas ruas, nos hospitais, nas creches, nos setores mais variados da sociedade seria altamente positivo para eles.
E digo isso não somente pelo trabalho que se realizaria. Os senhores já imaginaram que bom seria, em um Brasil onde de certa forma há um egoísmo pessoal, onde nos transformamos em ilhas, cada um vivendo a sua vida e os seus problemas, jovens de 17 e 18 anos serem sacudidos e misturados em um grande debate do conjunto do Brasil, um tomando conhecimento dos problemas do outro? Atualmente isso não ocorre. O máximo de formação intelectual que um jovem de classe média alta consegue atingir é a conclusão de um curso em uma universidade pública ou particular: forma-se advogado, engenheiro, seja lá o que for. A imensa maioria nem chega à faculdade; não conclue o curso secundário ou o curso primário, e há uma multidão de analfabetos. Ainda assim, vamos falar dos que têm formação, dos doutores, dos formados. O que eles aprendem? Aprendem a pegar um diploma de médico, de advogado e de engenheiro e colocar embaixo do braço. Desde que entram na faculdade, a angústia é esta: o que fazer com o diploma?
Quando eu era guri - e lá se vai muito tempo - dizia-se que o diploma de doutor era a maior herança que um pai poderia deixar para o filho. Há cinqüenta anos era isso! Diploma de doutor! Meu filho é doutor, está formado, tem um seguro e garantia para o futuro. Hoje sabemos que não é assim. São milhares de arquitetos e engenheiros que não arrumam emprego, são milhares de jovens que são advogados, mas que continuam empregados como caixa ou como auxiliares de contabilidade das empresas, porque suas perspectivas são relativas.
Então, é normal que o jovem, quando entra numa faculdade, no segundo dia, já esteja pensando: vou pegar o meu diploma para fazer o quê? Com essa angústia, que é natural que tenha, sobra muito pouco ao jovem que faz uma faculdade para conhecer o seu País, a sua terra, os problemas do conjunto do Brasil e da sociedade.
Aliás, tenho dito, esse é o mal de todos nós, a começar talvez por nós no Senado, pelos políticos; são tantas as questões que temos, nossas, que nem sempre sobra tempo para olharmos para o problema social, para o problema dos outros. Imaginem na coletividade! Imaginem na sociedade, no dia-a-dia, no trânsito maluco de São Paulo, em que se tem de correr para não chegar atrasado, para não bater o carro, para pegar o filho na escola. São tantas as questões que não nos sobra tempo.
De certa forma, lemos os números e não os entendemos: morreram tantos no Pará, morreram tantos no Carandiru, são trinta milhões que passam fome. Lemos esse conjunto de notícias e já temos uma espécie de crosta que não deixa penetrar nada, ficamos praticamente insensíveis, não tomamos conhecimento. Até na universidade o que conta é o indivíduo, não há lugar para o coletivo. Quando vamos, por exemplo, à igreja, ouvimos o padre dizer, em seu sermão, que Deus quer que sejamos amigos, irmãos. Isso entra por um lado e sai pelo outro. Continuamos levando a mesma vida, que de cristã não tem nada. Num mundo como este, criar um serviço civil obrigatório, que vai formar e reunir pessoas em torno de um trabalho comunitário - pessoas brancas, pretas, ricas ou pobres -, significa ajudar a construir o País, a formar uma mentalidade nova, Sr. Presidente, que até hoje este País não conheceu. No Brasil, temos vários exemplos de pessoas que se dedicam à comunidade e trabalham pelo bem comum: uma freira ali, aquela senhora lá. Em Porto Alegre, eu conheço muitas. A Irmã Dulce, por exemplo, na Bahia, foi uma figura que ficou famosa no mundo pelo seu trabalho extraordinário.
Contudo, não é isso que conta, não são as exceções extraordinárias. O que conta é o dia-a-dia, são as pessoas que, embora não se dediquem à comunidade de corpo e alma, encontram, nas 24 horas do dia, pelo menos meia hora, uma ou duas horas para se ocupar com o coletivo, e não apenas para o seu eu, para o seu nariz e para a figura do seu físico.
Tenho um projeto a esse respeito, fruto de uma longa caminhada. Quando estive no Governo do Rio Grande do Sul, criei uma comissão específica para fazer um trabalho nesse sentido nesse Estado. Chego a me emocionar quando conto que criamos um serviço assistencial na Brigada Militar, um setor que atende a crianças de ruas, mas as de rua mesmo, praticamente abandonadas, que já estão entrando no mundo do crime. Na parte da manhã, esses jovens estudam e aprendem um ofício. A Brigada lhes oferece as mais variadas opções: cozinha, cuidar de cavalo, haras. Lá eles aprendem um ofício e uma ordem unida. Esse serviço, criado no meu Governo, funciona até hoje.
Sr. Presidente, V. Exª, que tem o sangue do seu pai, no dia em que for ao Rio Grande do Sul e visitar essa Brigada, vai ver como, às vezes, é simples e fácil se fazer alguma coisa. O importante é não ficar de braços cruzados, sem fazer nada. Querendo, se consegue fazer alguma coisa. Aqueles jovens estavam fadados à marginalidade, não tinham chance alguma; de repente, se transformaram em cidadãos. Em vez de párias a caminho da marginalidade, transformaram-se em jovens a serviço da cidadania; aprenderam a ler, a escrever, a tomar banho, ganharam uma calça e uma camiseta estilo da Brigada. Sentiram-se importantes.
Nunca me esqueço: quinze dias depois que criamos esse serviço da Brigada Militar, o Comandante da Brigada foi ao Palácio com esse grupo de jovens e mostrou as fotografias de quem eram quando chegaram. Quinze dias depois, estavam de cabelos cortados, banho tomado, já estavam dando ordens de unir, um deles já estava falando. Pela alegria e felicidade deles, parecia que tinham entrado numa academia.
Estou dizendo isso apenas para mostrar a importância dessa medida do Governo. Ela deve ser levada a sério. Não é questão apenas de criticar, porque isso é fácil. Essa medida veio para o Congresso, mas não como medida provisória. Quer na emenda constitucional e votando-a, quer na regulamentação, é uma das matérias mais importantes, e este Congresso tem a obrigação de ajudar na sua tramitação. Repito, não foi medida provisória; o Governo não disse, por conta dele, que queria assim ou assim. Não, mandou o projeto e vamos debatê-lo. Então, é responsabilidade nossa aprimorá-lo, melhorá-lo, modificá-lo no que for possível e necessário.
O Sr. Casildo Maldaner - V. Exª me permite um aparte?
O SR. PEDRO SIMON - Com o maior prazer, concedo o aparte a V. Exª.
O Sr. Casildo Maldaner - Senador Pedro Simon, eu estava no meu gabinete, quando V. Exª começou a discorrer sobre esse tema tão importante. Gostaria de dizer que tenho pregado muito pela interiorização do desenvolvimento do País. V. Exª lembrou o Projeto Rondon, do qual participou e que sentiu de perto. Nele, os jovens, quando chegam a determinado nível na universidade, conhecem mais de perto o Brasil e as suas comunidades. Da mesma forma que hoje existe a obrigatoriedade de prestar o serviço militar, V. Exª defende a tese da obrigação de uma participação, ou algo equivalente, na sociedade, alguma iniciativa que leve a pessoa que está se formando em Direito, em Odontologia, em Medicina, em Engenharia, a sair do seu hábitat para conhecer as comunidades no interior. É começar a ter e a adquirir uma experiência mais de perto. E aí ela começa até mesmo a despertar da sua formação não só acadêmica mas da sua vida, começa a sentir inclusive de perto o campo profissional. Aí teríamos, na verdade, Senador Pedro Simon, a interiorização do desenvolvimento. Quem sabe, até aí V. Exª pode ter abordado. O próprio Exército nacional, setores do Exército poderiam até ajudar a coordenar esses tipos de trabalho ou de incentivo, de organização pelo Brasil afora. Por que não isso? Em várias áreas, da formação inclusive do profissional, quem está na universidade fica lá participando. Em vez de ficar 10 ou 11 meses prestando o serviço militar, a pessoa ficaria prestando um outro serviço que venha a condizer com a sua profissão, participando da interiorização do desenvolvimento, teríamos, sem dúvida, o equilíbrio, ajudaríamos na formação dos jovens, inclusive despertando o mercado de trabalho para o próprio formando que está chegando. Não poderia deixar de aparteá-lo nesta tarde, Senador Pedro Simon, quando V. Exª aborda novamente esse tema, que há anos vem defendendo, trazendo a minha solidariedade e os meus cumprimentos por essa causa tão nobre.
O SR. PEDRO SIMON - Agradeço o seu apoio, querido companheiro, colega de Santa Catarina, Senador Casildo Maldaner. A palavra de V. Exª, que também foi Governador como eu, tem o conteúdo de entender o significado da medida do Governo, que é profundamente séria.
Podemos divergir. Ouvi muitas críticas ao Governo, no sentido de que se aproveitou do fato para fazer um carnaval, para dar um cheque a uma velhinha de 90 anos. Não importa que os Líderes do Governo no Congresso, na Câmara e no Senado, não tenham estado presentes à solenidade. Essa é uma decisão importante.
Sr. Presidente, como V. Exª já me advertiu sobre o tempo, voltarei oportunamente à tribuna para analisar outras medidas do Governo, nesse pacote dos direitos humanos, que está na hora de ser debatido.
Essa é uma daquelas medidas que comportava ser implementada. Tivesse eu alguma autoridade neste Congresso, como tem V. Exª, tomaria uma medida no sentido de que - esse pacote comporta isso - as Mesas da Câmara e do Senado e as Lideranças se reunissem para estudar uma forma de essas questões tramitarem pelo Congresso, a fim de que não entrem na rotina. Qual é a rotina? É caírem na vala comum. Daqui para diante, isso poderá cair no esquecimento, porque nenhuma dessas medidas terá gente para defendê-las para valer. Elas não dão dinheiro para Estados, nem para classe nenhuma, e também não dão vantagens de ordem eleitoral para ninguém. Essas são daquelas medidas que, ou temos a grandeza de trabalhá-las no seu conjunto, ou elas terminam na gaveta do esquecimento.
Por isso, trago a minha palavra e a minha disposição de colaborar no sentido de que essas medidas sejam efetivamente levadas adiante.
Sr. Presidente, vou encerrar meu pronunciamento, porque o meu tempo terminou, mas pretendo voltar a esse mesmo tema. Peço a transcrição, nos Anais do Senado, da coluna do Márcio Moreira Alves, em O Globo de hoje, que tem como título "Direitos humanos", tratando exatamente dessa matéria.
Se possível, voltarei à tribuna ainda esta semana para analisar os outros itens desse pacote de Sua Excelência o Presidente da República, que tem o meu apoio e o meu carinho, pelo seu significado.
Muito obrigado, Sr. Presidente.