Discurso no Senado Federal

DADOS DO AGRAVAMENTO DA CRISE DA AGRICULTURA NO ESTADO DO PARANA, RESULTANTE DA POLITICA ECONOMICA DO GOVERNO.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO PARANA (PR), GOVERNO ESTADUAL.:
  • DADOS DO AGRAVAMENTO DA CRISE DA AGRICULTURA NO ESTADO DO PARANA, RESULTANTE DA POLITICA ECONOMICA DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/1996 - Página 8002
Assunto
Outros > ESTADO DO PARANA (PR), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • LEITURA, RELATORIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRISE, AGRICULTURA, ESTADO DO PARANA (PR), EFEITO, POLITICA, NATUREZA ECONOMICA, EXECUÇÃO, GOVERNO, ELABORAÇÃO, ASSESSOR.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conversando neste plenário, dias atrás, com o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-Senador pelo Rio Grande do Sul, Paulo Brossard, informava-o de alguns dados sobre a economia do Paraná, sobre o desenvolvimento da agricultura no meu Estado. S. Exª me solicitava que encomendasse um trabalho com dados mais precisos, porque, para ele, a economia do Paraná, um Estado muito avançado do ponto de vista de sua agricultura, seria muito interessante para estabelecer projeções sobre a economia brasileira.

O trabalho está pronto. Foi encomendado a amigos e assessores no Estado e pretendo trazê-lo, neste momento, ao conhecimento do Senado Federal.

      "Perguntem, Srs. Senadores, a qualquer homem do campo. Latifundiário, pequeno produtor ou sem-terra. Perguntem a eles. Todos dirão que o pior ano para a agricultura foi o que passou e há temores de que este possa repetir o desastre. As últimas informações sobre as safras do Centro-Sul mostram a queda de 11% no volume da produção, o que significa redução entre 9,5 e 10 milhões de toneladas. Sem saída, o governo vai abrir os estoques e as importações, realimentando a crise.

      O receituário neoliberal aplicado ao campo é desastroso e produz efeitos mais rápidos que em outros setores. Em um ano é possível desagregar completamente o sistema de produção e provocar mudanças extensas na estrutura fundiária, especialmente onde há predominância da pequena propriedade. É o setor que mais depende do apoio do Estado, especialmente em países no estágio de desenvolvimento do nosso. É por aí que vamos ao desastre. A política econômica do governo atual aprofundou os problemas crônicos e acirrou as contradições sociais. Eldorado de Carajás, Pontal do Paranapanema ou Rio Bonito de Iguaçu são os cenários cambiantes da mesma tragédia.

      Tão grave quanto o problema dos sem-terra é o dos que ainda têm um pedaço para plantar. A crise não se limita à questão agrária, à morosidade da reforma. Há uma situação mais ampla, que estimula a deserção do pequeno agricultor, concentrando a propriedade e abrindo clareiras de improdutividade. Vejam o caso do Paraná, Srs. Senadores. Nos últimos anos desapareceram cem mil pequenos produtores, somados os parceiros, meeiros e posseiros aos pequenos proprietários rurais. Ao mesmo tempo, o governo faz imenso esforço para assentar 20 mil, que logo se multiplicarão.

      Os preços estão em recuperação no mercado mundial. O milho, por exemplo, nunca subiu tanto e chegou a US$13.00 em Chicago. Mas os agricultores terão poucas oportunidades de abater os prejuízos passados. Não há produção. Estima-se uma quebra de 5 milhões de toneladas na safra do milho, 2,8 milhões de toneladas na de soja, 1,1 milhão na de arroz, a última, Senador Pedro Simon, principalmente no Rio Grande do Sul. Por quê? A resposta é simples. Os agricultores, descapitalizados na safra passada, massacrados pelos juros extorsivos e dificuldades de crédito, sem o suporte de uma política de preços mínimos, reduziram as áreas de plantio.

      Além dos grãos, as culturas que mais sofreram nos anos recentes foram as de algodão, trigo, cacau, na Bahia, e banana, no Vale da Ribeira.

      Há seis anos, produzimos 800 mil toneladas de algodão e ocupávamos a posição de quarto exportador mundial do produto. Somente com as exportações gerávamos cerca de US$200 milhões de renda para o setor algodoeiro. Hoje, produzimos apenas a metade, 400 mil toneladas. Tornamo-nos o segundo importador mundial de algodão. Mais grave. Eliminamos mais de 200 mil empregos apenas em São Paulo e no Paraná.

      No final dos anos 80, chegamos a produzir 6,2 milhões de toneladas de trigo nos Estados do Sul e Centro-Oeste. Quase atingimos a auto-suficiência. No inverno de 1995, produzimos apenas 1,2 milhão de toneladas, o que nos obriga a importar cerca de 6 milhões de toneladas. É muito importante frisar. Pagando o dobro do preço que garantimos aos agricultores. O agrônomo paranaense Milton Alcover, mostra o absurdo da política oficial. "Nem sempre o trigo importado é mais barato, mesmo quando subsidiado na origem. Agora mesmo, o trigo importado está mais caro que o nacional. Mas isso não é tudo. O trigo é a única cultura de grande área que pode ser plantada de março a abril, dando oportunidade a que se façam duas culturas por ano". O agricultor só abandonou o trigo porque lhe negam o financiamento e não lhe garantem o preço.

      No caso do cacau, o Governo retirou a assistência técnica da Ceplac, e a lavoura foi dizimada pelas pragas. Chegamos a ser o segundo maior exportador. Hoje, importamos o produto.

      A cultura da banana no Vale da Ribeira, que proporcionava uma renda de US$20 milhões anuais nas exportações para o Cone Sul, perdeu o mercado externo por causa da sobrevalorização do real.

      O Governo vai utilizar os estoques oficiais e manter baixas as tarifas para facilitar as importações. É a maneira de atender à demanda interna e, ao mesmo tempo, realimentar a crise. De grande produtor de alimentos, o Brasil passa à condição de um dos grandes importadores mundiais de produtos agrícolas. Isso vem ocorrendo porque o País insiste em negar recursos para a assistência técnica, desorganizou o sistema de crédito rural e abriu irresponsavelmente o mercado às importações agrícolas, concedendo câmbio privilegiado aos importadores.

      A crise no campo, onde os pontos de conflito pela posse da terra são apenas os indicadores mais agudos e trágicos, depende de uma nova política agrícola, ou melhor, de uma política agrícola, porque não a temos. Enquanto a agricultura não tiver amparo, o País produzirá novos sem-terra e mais uma legião de migrantes em direção à cidade, engordando a faixa da miséria e da degradação. Como está não pode ficar. As conseqüências, Sr. Presidente, são mais graves do que as da peste.

      A destruição do nosso sistema produtivo no campo gerou novas distorções em curtíssimo prazo de tempo. Como todos sabem, o grande produtor tem chances de sobrevivência que escapam ao pequeno agricultor. Óbvio. Este é o primeiro a abandonar o campo, pois não dispõe de qualquer possibilidade de sobrevivência quando não tem crédito, subsídios, preços garantidos, garantias de comercialização. O jeito é abandonar a terra e rumar para a cidade, repetindo os ciclos de pobreza e miséria que fazem parte de nossa história. O Paraná é um bom exemplo desse fenômeno em sua manifestação mais recente e aguda. Dados do Ipardes, Deral e Derse - Departamento Sindical de Estudos Rurais, e da Fetaep, mostram a concentração da propriedade fundiária em ritmo brutal.

      Vamos ao números: Em 1970, havia 554 mil propriedades rurais; em 1985, 466 mil propriedades rurais; em 1990, 406 mil propriedades rurais; em 1995, 350 mil propriedades rurais.

      Dos 55 mil estabelecimentos que desapareceram no período entre 1990 e 1995, a absoluta maioria mudou de mãos nos anos de 1994 e 1995, quando se acentuou a crise na agricultura, segundo os dados do Deser, que conferem com os da Fetaep e do Ipardes.

      É possível pensar que boa parte das família dos sem-terra que hoje ocupam 35 acampamentos no Paraná, mais de seis mil famílias, cerca de 22 mil pessoas, vieram desse processo de concentração. Incluídos meeiros, parceiros e arrendatários. Outros, seguramente, instalaram-se na periferia de Curitiba, que no mesmo período recebeu população equivalente à de Florianópolis, 350 mil novos habitantes. Acentuou-se a corrente migratória para o interior de São Paulo e em direção ao norte do País, margeando a fronteira oeste. E o processo ainda não terminou. Há, hoje, 10 mil propriedades à venda no interior do Paraná.

      O Governo colocou em debate a reforma agrária e uma política distributiva para contra-arrestar os acidentes trágicos do sul do Pará. Ao mesmo tempo, reproduz, com a sua política agrícola, as condições que ampliam a concentração fundiária. Talvez isso, e apenas isso, justifique a criação do Ministério da Reforma Agrária, separando a política agrícola, que ficou com o Ministério da Agricultura, da questão agrária, como se fossem questões que pudessem ser tratadas separadamente: o da Agricultura, que ficou para o PPB, certamente será mãe dos ricos; o outro, o da Reforma Agrária, padrasto dos pobres. E há, ainda, quem tome o problema como motivação para a inútil criatividade, oferecendo solução como a louvada pelo Presidente da República e proposta pelo Governador do Paraná, a das vilas rurais, de Jaime Lerner. Risível, não envolvesse a tragédia de tantos.

      O certo é que temos uma reforma agrária às avessas, com todas as decorrências desse processo que deve representar o maior defeito do Governo de Fernando Henrique Cardoso. Em inúmeros pontos do mapa, o Brasil se parece com o faroeste, com a agravante de que em outros respira ares do século XX. Esse desequilíbrio feroz não acontece exclusivamente no campo, mas também dentro das fronteiras instáveis das cidades. O brasileiro acostumou-se, entretanto, com a miséria que se esparrama sobre o asfalto, com a mendicância que circula de mão estendida entre os carros parados no sinal vermelho.

      A visão da tragédia não instiga a reflexão, mesmo porque nem todos se dão conta de que participam do enredo em lugar de serem meros espectadores, eventualmente constrangidos. Se as coisas estivessem claras, nos corações e nas mentes, a política teria outro rumo, em proveito da democracia, da distribuição de riqueza, concebidas como necessidades urgentes, em vez de expressões retóricas.

      Voltemos aos dados. Segundo o Ipardes/Dieese, a taxa de desemprego em Curitiba e região metropolitana chegou a 13,8%. São 140 mil desempregados. E a tendência continua sendo a de demissões. No mercado informal há 350 mil pessoas, ou seja, 1/3 da população economicamente ativa, que é de 1,02 milhão. Metade dos que trabalham ganham menos de três salários mínimos. Em Curitiba, há 90 mil menores, entre 10 e 17 anos, dando duro para melhorar a renda familiar. Desses, 50 mil já abandonaram a escola e trabalham em tempo integral.

      No interior, as cidades maiores ostentam situações idênticas. Há municípios que perderam boa parte da população, como Barbosa Ferraz e outros da região da produção algodoeira. São cidades de bairros-fantasmas. Seus moradores migraram na esperança da sobrevivência. Esse é o quadro, que não necessita de retoques para enfatizar a desolação da população. No Paraná inteiro a principal reivindicação é trabalho, é emprego, é oportunidade para continuar vivendo. Não é de estranhar que nestas condições aumente a mortalidade infantil, ressurjam doenças infecto-contagiosas que tinham sido eliminadas. Também é natural que cresçam os índices de violência e criminalidade. É a lei da selva imperando em subúrbios de Curitiba, onde nem o caminhão que distribui Coca-Cola circula sem escolta de milícia privada.

      O custo de vida em Curitiba é o segundo maior do País e subiu, em abril, 3,7%. O dinheiro que comprava 100 passagens de ônibus há dois anos, hoje compra 36, segundo o Dieese. E, no último levantamento, o que mais subiu foram os preços de alimentos. A âncora verde que mantinha o real em baixa vai-se decompondo. A classe média curitibana aperta os cintos. Desiste dos serviços privados de educação e saúde. Os filhos vão para a escola pública. E os projetos pessoais são adiados.

      O interessante é que a atividade política não reflete essa realidade. É como se tivéssemos um processo esquizofrênico, onde a realidade é oculta por fantasias e motivações que não estão sintonizadas com a vida real. Se de um lado está no governo um grupo que se notabilizou exatamente pela capacidade de fazer tudo parecer risonho, franco e bonito, mesmo quando o naufrágio é evidente; de outro, vemos a Oposição absolutamente despreparada, quando deveria ser mais preparada, na mesma alienação.

      O espaço de atuação dos partidos foi abandonado à barbárie de um populismo de extração primária: o tucanato local.

O Governo do Paraná vive da reiterada propaganda e da fantasia. Essa é a dura realidade de um dos Estados modelo do País, que há dois anos tinha uma folha de pagamento de 58% da receita líquida corrente, mas hoje já arranha os 85%, enquanto a grande mídia, a imprensa silenciada, vende reiteradamente a fantasia do Plano Real.

Esse o documento sobre o Paraná que prometi ao Ministro Paulo Brossard, neste plenário, há uma semana.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/1996 - Página 8002