Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO PLANO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, LANÇADO ONTEM PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • COMENTARIOS AO PLANO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, LANÇADO ONTEM PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/1996 - Página 8042
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ANALISE, PLANO NACIONAL, DIREITOS HUMANOS, LANÇAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, NECESSIDADE, REDUÇÃO, IMPUNIDADE, GARANTIA, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, DIREITOS, MULHER, INDIO, BRASIL.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Para uma breve comunicação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs.. Senadores, quero fazer aqui uma breve referência ao PNDH - Plano Nacional de Direitos Humanos, apresentado ontem pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Plano Nacional de Direitos Humanos nasceu a partir de recomendações da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, em Viena. Além do Brasil, apenas a Austrália e as Filipinas já elaboraram seus planos. Esse projeto também tem a participação decisiva do cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, do Núcleo de Estudos da Violência da USP - Universidade de São Paulo, e recebeu o aval de entidades ligadas aos direitos humanos.

Faço essa referência porque o Plano já vinha sendo pensado desde 1993, na Conferência Mundial de Direitos Humanos. Mas, apesar de terem-se iniciado as discussões sobre sua criação em 1993, foi preciso que acontecessem no Brasil inúmeros episódios lamentáveis para que o Plano viesse ser consolidado e apresentado à Nação brasileira por intermédio do Congresso Nacional.

Só para V. Exªs terem uma idéia, consta que ocorreram cento e onze mortes em prisões do Estado de São Paulo, vários episódios de chacinas, como o de Corumbiara e o ainda recentemente ocorrido no Estado do Pará, além de outros que não foram registrados porque não tiveram a repercussão dos que citei anteriormente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, além desses dados, acrescenta-se que o Brasil possui um recorde que é motivo de muita tristeza para todos nós. Segundo estatísticas da Polícia Federal, quatro mil seiscentas e onze crianças e adolescentes foram assassinados em dezessete Estados brasileiros de 1988 a 1990. Conforme dados do CBIA, há no Brasil cerca de quinhentas mil meninas prostituídas, o que é um quadro estarrecedor, sem falar no caso de violências cometidas contra as mulheres, contra trabalhadores, índios, enfim, populações historicamente marginalizadas.

Então, o Plano acontece em um momento histórico de extrema dificuldade sob o ponto de vista dos direitos humanos e da inclusão social.

Quero ressaltar aqui os pontos que o Plano aborda em mais ou menos cento e sessenta e oito propostas, agrupadas em nove itens. Propõe aumentar a segurança das pessoas, com medidas de curto e médio prazo, e diminuir a impunidade.

A propósito, quero fazer algumas referências à impunidade. Está em tramitação o Projeto Hélio Bicudo, que previa a transferência para a Justiça comum os crimes militares. Infelizmente, esta Casa cometeu uma injustiça com o Projeto Bicudo, à medida em que, utilizando o artifício de emendas, retirou as formas penais propostas no referido Projeto.

O Plano também propõe a eliminação do trabalho forçado. Todos sabemos que no Brasil, embora a escravidão tenha sido abolida, existe o trabalho forçado, o trabalho semi-escravo.

Uma outra a proposta é a de aprimorar o sistema de penas privativas de liberdade. Seriam criadas medidas alternativas, como regimes de prisão aberta e semi-aberta, penas de prestação de serviços à comunidade, enfim, várias medidas que dariam alívio à estrutura penitenciária, hoje completamente sufocada pela grande quantidade de presos neste País.

Propõe também a garantia de tratamento igualitário perante a lei. Para alcançar esse objetivo, as medidas incluiriam a melhoria do atendimento aos cidadãos. Aliás, no Brasil, especialmente na Amazônia, inúmeras pessoas não possuem sequer o registro de nascimento, quanto mais carteira de identidade ou título de eleitor.

Uma outra proposta seria proteger os direitos das crianças e dos adolescentes. No Brasil há uma cifra triste, lamentável, ou seja, três milhões de crianças na faixa de dez a quatorze anos estão em atividades produtivas.

Contempla também a proteção aos direitos das mulheres. Não é preciso dizer que a nossa população feminina é discriminada, pois sobre ela recai o maior índice de pobreza, de analfabetismo e todas as mazelas e preconceitos além de violência.

Um outro item aborda a proteção dos direitos da população negra. A Senadora Benedita da Silva falou muito bem sobre isso, ainda há pouco.

O último trata da proteção ao direito dos povos indígenas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs.. Senadores, sei que disponho de apenas cinco minutos, mas gostaria de dizer que uma grande contribuição para a implementação do Plano do Governo, no que se refere à proteção dos direitos indígenas, seria, com certeza, a revogação do Decreto nº 1.775, o qual, ao invés de favorecer as populações indígenas a serem historicamente reparadas pelas atrocidades cometidas, constitui-se num retrocesso da legislação indígena.

Por meio desse decreto, já foram cometidas várias invasões em terras indígenas. Hoje, a Funai trabalha com um volume muito grande de pedidos de revisão e, com certeza, tem muita dificuldade de dar resposta àqueles que estão encaminhando esses pedidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de, quanto à questão da impunidade, citar um exemplo que não me canso de repetir: os assassinos de Chico Mendes estão soltos, gozando da mais perfeita liberdade há mais de 1.184 dias.

Não quero ser pessimista. A iniciativa é correta e deve ser aperfeiçoada e não atrapalhada por esta Casa. Mas é fundamental que uma atitude como essa não seja tomada apenas para dar respostas políticas ou burocráticas a um problema que a sociedade brasileira está vivendo: uma situação de completa barbárie no que se refere aos direitos humanos.

Esta Casa tem a obrigação de aperfeiçoar a proposta do Governo e de, acima de tudo, cobrar do Executivo e da própria sociedade, que deve ser parceira nesse processo, a implementação de um verdadeiro Plano Nacional de Direitos Humanos.

Anteriormente, eu disse que, muitas vezes, "o Brasil faz coisas para inglês ver". Precisamos fazer coisas para os brasileiros não apenas verem mas sobretudo sentirem.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/1996 - Página 8042