Discurso no Senado Federal

CRITICAS AS INTEMPESTIVAS MOVIMENTAÇÕES POLITICAS EM FAVOR DA REELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • CRITICAS AS INTEMPESTIVAS MOVIMENTAÇÕES POLITICAS EM FAVOR DA REELEIÇÃO DO PRESIDENTE DA REPUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/1996 - Página 8044
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, DEBATE, CONVENIENCIA, REELEIÇÃO, CARGO PUBLICO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PAIS.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o triunfalismo antecipatório -- ou, na pitoresca expressão popular, aquela tendência a colocar o carro na frente dos bois -- já estragou muitos projetos grandiosos e comprometeu muitas carreiras promissoras.

Para ser sincero, ignoro se o conceito já recebeu tratamento adequado dos cientistas políticos e sociais, mas sei que a imemorial sabedoria dos povos sempre o considerou tema preferido de fábulas, parábolas e contos morais. A lembrança que de imediato vem à mente é a da narrativa de Esopo, esse patrono dos contadores de histórias de todos os tempos, que viveu no 6º século antes de Cristo, intitulada "A vendedora de leite e seu pote". Uma sonhadora camponesa dirige-se ao mercado carregando à cabeça um cântaro de barro cheio de leite. Seu pensamento voa bem longe dali: O leite vai lhe dar a nata; a nata vai lhe dar a manteiga; a manteiga, os ovos; os ovos, as galinhas. As galinhas vão lhe render dinheiro para um vestido, o vestido vai chamar a atenção de todos os rapazes da aldeia, mas seus pretendentes só merecerão dela o desprezo.

Os sonhos de grandeza se apoderam da garota de tal forma que ela esquece o pote de leite, a única coisa que na realidade possui. Quando ela vira o rosto para os imaginários pretendentes, deixa entornar o leite e lá se vão todos os seus cálculos fantásticos por água abaixo ... Moral da história: "Não conte com a galinha antes que os ovos sejam chocados".

Da mesma forma, Sr. Presidente, se perscrutarmos nossa memória política -- mesmo a de tempos recentes -- depararemos casos de candidatos eleitos praticamente "por antecipação", que vão dormir favoritos absolutos e acordam derrotados.

Bem conhecidas, também, são as desventuras de antigos líderes do governo no Congresso Nacional que se preparavam para abandonar o barco situacionista disparando uma saraivada de críticas à administração que até então serviam, quando foram pegos no contrapé pela edição de planos econômicos de surpreendente popularidade. A crônica política da época registra os contorcionismos retóricos de tais personagens em seu afã de adaptar-se rapidamente à nossa conjuntura, trocando o dito pelo não-dito...

Tudo isso nos traz diretamente para uma análise daquilo que considero intempestivas movimentações em favor da reeleição de um presidente da República que ainda não cumpriu sequer a primeira metade de seu mandato.

O cidadão que tenta manter-se a par da atualidade política através dos meios de comunicação, de certo ficou perplexo, nas últimas semanas, com as marchas e contramarchas; os balões de ensaio; a alternância de aliciamentos e desilusões; o jogo de afirmações e desmentidos em que se desdobrou essa manobra para não chegar, literalmente, a lugar algum.

Reconstituamos minhas senhoras e meus senhores, a seqüência do noticiário:

- Segundo o jornal carioca O Globo , de 1º de fevereiro último, o presidente Fernando Henrique Cardoso, admitiu a hipótese de se reeleger;

- Na Folha de S. Paulo, do dia 11 daquele mesmo mês, o professor Fernando Henrique proclamou que queria o assunto resolvido até julho próximo;

- O Jornal do Brasil, do último dia 11 de abril registra a seguinte declaração de FHC, então em visita oficial a Buenos Aires: "Acho conveniente que o assunto seja discutido enquanto houver tempo para a reeleição dos prefeitos". Na mesma oportunidade, Sua Excelência cobrou clareza do Congresso Nacional, que, na Revisão Constitucional, tomara a decisão de " diminuir um ano de mandato, porque ia fazer a reeleição, e, depois, pelos percursos da discussão legislativa a segunda parte não foi feita";

- Finalmente, todos os jornais reproduzem agora as seguintes palavras do porta-voz da Presidência da República: "O presidente está no início de seu governo" e "acha prematura a discussão sobre a sucessão presidencial, quer sobre a reeleição, quer sobre os nomes para sua própria sucessão".

O que teria ocorrido nesse meio tempo para transformar as confiantes afirmações de ontem no reticente recuo de agora?

Fundamentalmente, duas coisas: de um lado o estado-maior presidencial não logrou sensibilizar o prefeito Paulo Salim Maluf e seu PPB no Congresso Nacional para uma cartada que, por falta de tempo para cumprir os ritos regimentais de tramitação de uma emenda constitucional, dificilimamente abrangeria a reeleição dos atuais executivos municipais este ano. De outro, a ruidosa desenvoltura com que esses políticos de confiança de Fernando Henrique vinham articulando sua reeleição provocou uma série de reações -- aliás bastante previsíveis -- da parte de homens públicos que, de forma mais ou menos ostensiva também nutrem a ambição de chegar ao Palácio do Planalto ou mesmo voltar a ele, em 1998. Se é verdade que "São Paulo não pode parar", também é certo que ainda não aprendeu a "trabalhar em silêncio", como a discreta e cautelosa Minas Gerais...

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida de que toda a cautela é recomendável quando se trata de romper tradição intocada ao longo de nossa secular história republicana, tendo sido entronizada, confirmada e reiterada nos sucessivos textos constitucionais de 1891 a 1988.

A natural resistência a mudanças, presente em todas as esferas da vida, deveria, portanto, receber a merecida atenção dos estrategistas políticos interessados em mudar a regra que veda ao chefe do Executivo, em qualquer dos três níveis de governo, concorrer à reeleição para o período subseqüente.

No caso em tela, restrições de ordem ética -- e, portanto, atemporal e supra-histórica -- se associam à força inercial dos usos e costumes de nossa cultura política para erguer um ponderável obstáculo à essa inovação constitucional. Assim, numerosos especialistas em direito constitucional, jornalistas influentes e outros formadores de opinião -- aí incluídos parlamentares filiados aos partidos que fornecem a base de sustentação congressual ao governo Fernando Henrique Cardoso -- se perguntam: ainda que o princípio da reeleição se sustente em exigências de planejamento estratégico de longo prazo e, por essa mesma razão de continuidade administrativa, como tal sendo acolhido pelas constituições de alguns dos maiores países do mundo, ainda assim seria eticamente lícito ao atual chefe do Executivo federal mudar as regras do jogo em benefício próprio? Não configuraria casuísmo garantir a reeleição apenas do presidente da República quando os prefeitos atuais já se acham excluídos da medida?

Mas, Sr. Presidente, suspeito que a problemática da reeleição tampouco se esgote nessas questões de natureza axiológica, com suas previsíveis ramificações nos terrenos da eqüidade e da isonomia. Com toda sinceridade, parece-me que a dimensão crucial e decisiva seja de ordem prática, referida a considerações de expediência e eficácia políticas. Em outras palavras, o veredito final quanto à conveniência de se reeleger ou não o presidente Fernando Henrique Cardoso caberá ao inapelável tribunal da opinião pública. Se os brasileiros mantiverem seu maciço apoio à pessoa do presidente da República e ao desempenho de seu governo nas principais áreas de política pública, então ser-lhe-á muitíssimo mais fácil liderar movimento de massas no sentido de uma pressão popular legítima sobre o Parlamento para que este consinta nessa alteração constitucional.

Neste ponto, coloco-me de pleno acordo com o presidente da República, que, em várias oportunidades, indagou: "Por que negar ao povo o direito de julgar o governo?" "E que melhor maneira de expressar esse julgamento senão concedendo ou recusando ao governante a oportunidade de continuar no poder por mais um mandato?"

Espanta-me tão-somente, repito, o prematuro desencadeamento dessa discussão, quando nem metade do atual mandato presidencial foi cumprido. O povo ainda não teve, portanto, base suficiente para avaliar o governo FHC e formar um juízo definitivo. Temo mesmo que a antecipação desse debate, pelos motivos há pouco discutidos, venha a comprometer a margem de manobra, decisão e implementação desse mesmo governo no pouco mais de dois anos que lhe resta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como ser-me-á impossível, nos limites do tempo de que ainda disponho, proceder a um balanço minudente e judicioso do desempenho da presidência Fernando Henrique Cardoso, até agora -- a meu ver, a única maneira honesta de formular um critério mais sólido que permita prever suas chances de reeleição --, encerrarei este pronunciamento agora. Prometo, desde já, retomar o tema tão logo me seja concedida a honra de voltar a esta tribuna.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/1996 - Página 8044