Discurso no Senado Federal

ASSASSINATO DO DOUTOR GALBA MENEGALE, EM BRASILIA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • ASSASSINATO DO DOUTOR GALBA MENEGALE, EM BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/1996 - Página 7803
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, GALBA MENEGALE, ADVOGADO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), VITIMA, HOMICIDIO, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, FORNECEDOR, MINISTERIO DA SAUDE (MS).
  • CRITICA, GOVERNO, INFERIORIDADE, REAJUSTAMENTO, SALARIO MINIMO.
  • PROTESTO, GOVERNO, AUXILIO, FALENCIA, BANCOS, OPOSIÇÃO, FALTA, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • ANALISE, ORIENTAÇÃO, CAPITALISMO, BRASIL, MUNDO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AUMENTO, MISERIA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o momento azado para nos pronunciarmos não é escolhido por nós, portanto, já deveria ter cumprido a minha obrigação para com um amigo, um colega, um conterrâneo, que faleceu aqui, em Brasília, há uma semana.

Galba Menegale cursou comigo a mesma Faculdade de Direito. Fui admirador de parentes seus: Eli Menegale, meu professor de português, e Berenice Menegale, uma artista que conquistou não apenas Minas Gerais, mas que transbordou a sua arte para o Brasil afora. Eli Menegale, como eu, veio no início dos anos 60 para Brasília; percorremos o mesmo caminho da poeira. Ele, que era um homem tranqüilo, sereno, modesto e genuinamente autêntico, que cultivava amor e geração, que cultuava o amor ao próximo, veio crescendo com Brasília. E, depois de deixar de dar o seu concurso à Caixa Econômica Federal, entre outras coisas, tornou-se Ouvidor-Geral da República quando era Ministro da Justiça o nosso também conterrâneo e ex-Senador, Maurício Corrêa.

Portanto, foi naquele momento em que a sua suavidade e a sua integridade lutavam para se impor nesta terra violenta, nesta terra em que cada vez mais o engodo, a mentira, a ousadia se manifestam através de suas múltiplas formas de expressão, que Galba Menegale, com a sua tranqüilidade, a sua honestidade, defrontou-se com um bando que assaltava o Brasil aqui em Brasília. Essa gangue de que apenas suspeitamos - porque vive nas sombras - tem se tornado cada dia mais atrevida. E agora, há cerca de 20 dias, um dito comerciante, partícipe dessa gangue, foi eliminado por um elemento que importava de diversos países mercadorias do setor médico-hospitalar a preços aviltados e ganhava todas as concorrências do Ministério da Saúde. Foi assassinado por seus concorrentes nessa livre concorrência selvagem, que domina tantas vezes o mercado brasileiro.

Logo em seguida, Galba Menegale - porque quando Ouvidor procurou pôr cobro a essa máfia que rouba da Saúde e permite que a doença assalte o Brasil - colocou a mão nessa ferida e, poucos dias antes da sua morte, do seu assassinato, foi objeto de um assalto onde lhe roubaram a carteira a fim de poder identificar, na hora do crime, se se tratava realmente de Galba Menegale.

E assim foi feito, quando saía de sua residência, no Lago Sul, depois de entrar em uma farmácia, Galba Menegale foi identificado, seguido, e, finalmente, mais uma vez, tal como acontecera dez dias antes, abatido pela mesma máfia...

O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Lauro Campos, a Mesa interrompe V. Exª para prorrogar a Hora do Expediente por 15 minutos, para que V. Exª, antes da Ordem do Dia, possa concluir a sua oração.

O SR. LAURO CAMPOS - Muito obrigado.

De modo que presto a minha homenagem a essa figura exemplar, cuja morte recebe o relevo que empresta a sua calma e a sua tranqüilidade diante da violência e, até agora, da impunidade do ato. Os sicários armados o abateram; e ele, inerme, desarmado, contava apenas, em sua defesa, com a tranqüilidade de seu passado honesto e de sua vida que ainda lhe prometia anos de continuidade daquele esforço íntegro e admirável.

Dirijo, portanto, à família de Galba Menegale a expressão do meu sentimento pela forma como o fato se deu e pelo próprio fato em si, infausto, sentido por mim e por todos que conheceram e acompanharam a vida exemplar de Galba Menegale.

Encerrada essa primeira parte de minha fala, tratarei agora de outras violências. A violência sistêmica, a violência de um capitalismo selvagem que parece querer utilizar de todas as forças, de todos os recursos, para manter a sua sobrevida. E essa sobrevida do capitalismo brasileiro, que é parte do alto custo da sobrevivência do capitalismo mundial, se fez, de acordo com Eric J. Hobsbawn e outros pensadores de nosso século, às expensas de guerras, de dissipação e de destruição de grande parte da humanidade.

Assim sobrevive o capitalismo. Não é um milagre, como pretendem alguns, semelhante ao vôo do besouro, que, contrariando as leis da aerodinâmica, consegue voar.

O capitalismo cria ao seu redor um ambiente propício a sua reprodução. E o faz como? Agora estamos vendo, aqui no Brasil, o debate a respeito do salário mínimo, da complementação do salário, da renda, do vale-educação e de outros recursos com que se pretende socorrer a miséria que, a cada momento, se aprofunda e se alastra.

Se tivermos êxito em nosso modelo de desenvolvimento e chegarmos ao nível em que se encontra hoje os Estados Unidos, o nosso Governo terá ainda que subsidiar, como faz o governo norte-americano, com US$3.033 os milhões de norte-americanos que não atingem o salário mínimo.

E tal como acontece no Brasil, as estatísticas usadas nos Estados Unidos e no Japão, são mentirosas, visam ocultar a situação real em que se encontra aquela sociedade. Quarenta milhões de norte-americanos não possuem nem seguro de saúde, nem seguro de vida, nem seguro de invalidez. Estão completamente destituídos e entregues à ditadura do mercado livre.

Neste semana, nos Estados Unidos, a polícia invadiu um local onde havia exploração econômica, onde havia o lá considerado trabalho escravo. E foram presos os comandantes do trabalho escravo, que remuneravam cada trabalhador em US$430 por mês.

E agora o nosso Governo, apoiando-se numa estatística completamente adulterada, adota o IGP-DI como índice de correção do salário mínimo - índice que nada tem a ver com a cesta básica nem com a cesta de consumo dos trabalhadores - e dá aos trabalhadores brasileiros, aos milhões de escravos brasileiros, que ganham não 430 dólares ou reais, mas que ganham apenas R$100,00, a migalha de 12% de reposição pelo tal do IGP-DI, que passou a fazer as vezes do INPC, que até então era utilizado.

Mas o INPC subiu 18% no período, o IGP-DI subiu apenas 12% e o IPA subiu 6%. E essa quantidade de índices permite ao Governo escolher perversamente aquele que castiga adequadamente o trabalhador brasileiro. Cada trabalhador livre no Brasil recebe a quarta parte do salário recebido pelo trabalhador considerado escravo nos Estados Unidos. E não temos os US$3.033 de compensação anual!

E essas medidas anti-sociais, despóticas, autoritárias, estão respaldadas sempre que é preciso por uma medida provisória qualquer, que vem, como sabemos, algumas vezes enrolada em presentes, em benesses que o Executivo oferece ao Legislativo; outras vezes, em ameaça de "fujimorização", como a feita pelo Ministro "Serjão" ainda há cerca de um mês.

Agora se sabe que o Banco Nacional, em 1992, já usava a prática de fabricação de moeda escritural. Em 1992, de acordo com o Deputado Milton Temer, do PT do Rio de Janeiro, foi denunciado que um comerciante de São Paulo já havia detectado a prática do Banco Nacional de criar moeda, de imprimir moeda escritural, de criar créditos fictícios e de, assim, lucrar e enganar, através dessas fraudes. A Caixa Econômica Federal recebe - e isso o seu Presidente Sérgio Cutolo esqueceu-se de nos contar, quando aqui esteve, há dez dias - mais de R$1 bilhão para acabar de comprar a parte podre do Banco Econômico que foi rejeitada pelo Excel. Portanto, já são R$10.5 bilhões com que o Governo presenteia a ineficiência, a falência, a incompetência da rede bancária privada brasileira. Enquanto isso, enquanto R$10.5 bilhões são repassados aos banqueiros, aos que ainda não faliram, para que adquiram de graça os bancos quebrados, enquanto a farra continua, aqui, escutamos que o Betinho não precisava ter abandonado a sua luta pelo social, que não precisava ter-se desesperado e desesperançado com o completo abandono do social. O artista Renato Aragão seguiu o mesmo caminho que Betinho havia trilhado, o caminho da desesperança, deixando também a tentativa oficial de socorrer o social tão abandonado, tão esquecido, tão ultrajado nesta nossa sociedade.

No mesmo dia, na mesma semana, em que o Governo fornece apenas 12% de reposição aos trabalhadores brasileiros; aos aposentados, ele estende a mão da avareza, da injustiça, oferecendo em troca de uma reposição devida de mais de 20% apenas 15%. Enquanto isso, o Banco Central ofereceu aos seus funcionários de 48% a 70% de reposição, voltando atrás. Se o Banco Central reconhece que a reposição devida é de 48% a 70%, como é que se pode oferecer aos aposentados apenas 15% de reposição? Portanto, a situação vai de mal a pior. E o Governo afirma que iria utilizar o resultado da venda das empresas estatais para pagar a dívida pública que está em R$127 bilhões. Quanto a D. Elena Landau e o Presidente do BNDES arrecadaram com a doação das empresas estatais? Até agora R$2,6 bilhões apenas, em dinheiro, e a nossa dívida está crescendo 10% ao mês.

Então, tudo para o social, que, na realidade, se chama banqueiro, especulador, milionário, feito às expensas da concentração de renda mais violenta do mundo. Lá, os nossos desamparados recebem muitas palavras e muito pouco resultado.

Um dos modernos autores norte-americanos, Professor do MIT - Massachussetts Institute of Technology, encontra-se no Brasil, nesta semana, fazendo uma série de palestras, Lester Thurow. O nobre professor acaba de publicar o seu segundo livro sobre o mesmo assunto, o primeiro dos quais se chama Cabeça a Cabeça, referindo-se à concorrência entre Estados Unidos e Japão a respeito da prevalência na economia mundial.

Lester Thurow, quando perguntado pelo Jornal do Brasil, se ele acreditava que os países pobres poderiam um dia alcançar os países ricos, afirmou que considerava impossível que isso viesse a acontecer. Estamos condenados a uma pobreza sem limite e sem fim, que se aprofunda a cada dia, que nos espanta a cada momento e que nos entristece dia a dia.

Portanto, diante deste quadro, não é possível que fiquemos apenas contemplando aquilo que está se passando neste País quando, de novo, temos uma carta, uma procuração para o BNDES que apenas conseguiu arrecadar R$2,6 bilhões, até agora, dilapidando todas as empresas estatais vendidas. Poderá, sem dúvida alguma, também doar a Vale do Rio Doce.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, assim, de desastre em absurdo, de absurdo em ausência completa de ética e de respeito para com o social, aprofundamo-nos a ponto de, da direita norte-americana, surgir a seguinte afirmação: "A maneira pela qual estamos cobrando a dívida externa da América Latina está criando uma situação de destruição da classe média no continente e as condições para uma explosão que colocará em risco a soberania dos Estados Unidos".

Portanto, eles sabem o que estão fazendo conosco. O FMI sabe e manda pedir desculpas, mas eles, aqui, continuam a seguir à risca essa cartilha da subserviência, essa cartilha da moderna escravidão, que se firma em argumentos, em dados, em palavras e em idéias que nasceram em 1.873, que faleceram em 1.929 e que, agora, saem do túmulo para espantar a América Latina e os brasileiros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/1996 - Página 7803