Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL. HOMENAGEM A SENADORA MARINA SILVA PELO PAPEL DE DEFENSORA DOS POVOS DA FLORESTA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. CODIGO PENAL MILITAR. HOMENAGEM.:
  • PREOCUPAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL. HOMENAGEM A SENADORA MARINA SILVA PELO PAPEL DE DEFENSORA DOS POVOS DA FLORESTA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/05/1996 - Página 7796
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. CODIGO PENAL MILITAR. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCRIMINAÇÃO, MINORIA, BRASIL, EXCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, CRIANÇA CARENTE, IDOSO, INDIO, PESSOA DEFICIENTE, NEGRO, MULHER, DIVERSIDADE, SEXO.
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, DIREITOS HUMANOS, APRESENTAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEBATE, CONGRESSISTA, ORGÃO PUBLICO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ENTIDADE, POLITICA INDIGENISTA.
  • SUGESTÃO, INCLUSÃO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, REGIMENTO INTERNO, SENADO.
  • SOLICITAÇÃO, SENADOR, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL MILITAR, CARACTERIZAÇÃO, CRIME COMUM, CRIME, POLICIAL MILITAR, EXERCICIO, ATIVIDADE POLICIAL.
  • ELOGIO, MARINA SILVA, SENADOR, RECEBIMENTO, PREMIO, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, MEIO AMBIENTE.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a primeira Declaração dos Direitos Humanos, em caráter oficial, de que se tem notícia surgiu a partir da Revolução Francesa. A partir de então, a grande maioria das Constituições Federais teve na Declaração dos Direitos Humanos a sua grande inspiração, para tratar dos aspectos sociais e da participação de um povo, respeitando sua cultura, sua religiosidade, sua opção ideológica e política.

Seguindo esse processo histórico, há 50 anos, a Organização das Nações Unidas proclamou, em assembléia geral, o conjunto de direitos que compõem hoje a Declaração Universal dos Direitos do Homem, fundamental para a qualidade de vida e para a ampliação da consciência de cidadania.

Mas olhando a realidade brasileira, temos uma grande preocupação. Os direitos humanos estão muito longe, já que, marcadamente, convivemos com crianças carentes, idosos, homossexuais, índios, portadores de deficiência, negros e mulheres sofrendo não só um processo de discriminação como também de exclusão social, considerados cidadãos de segunda categoria. Merecem, sem dúvida alguma, a atenção da sociedade civil.

Por que venho à tribuna para tratar dessa questão? Porque sabemos que, no sentido dos direitos humanos, o Presidente Fernando Henrique Cardoso estará apresentando, oficialmente, na segunda-feira, dia 13 de maio, um projeto nacional de direitos humanos que deverá ser encaminhado à Câmara dos Deputados, onde tramitará como projeto de lei.

Nós do Legislativo teremos, então, a oportunidade valiosa de debater e contribuir, somando esforços para que a futura lei realmente contemple todos os segmentos sociais, com políticas específicas e dotação orçamentária compatível com as necessidades a serem atendidas.

Numa iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, sob a presidência do ilustre Deputado Hélio Bicudo, realizou-se em abril a Primeira Conferência Nacional de Direitos Humanos. O objetivo dessa conferência foi também o de colaborar na elaboração do plano, proporcionando a participação de instituições públicas e organizações não-governamentais. Participaram o Fórum das Comissões Legislativas de Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da OAB, a Comissão Nacional de Direitos Humanos, a CNBB, o CIMI e outras entidades, que contribuíram, sem dúvida alguma, para que as sugestões apresentadas ao Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, pudessem verdadeiramente expressar a reivindicação há muito feita pela sociedade civil.

O que se verifica no corpo do plano como um todo é a visão de que os direitos humanos são interdependentes e abrangem toda a dinâmica das relações econômicas, sociais e políticas de uma sociedade.

Gostaria de destacar, entre tantos aspectos igualmente relevantes relativos ao assunto, a questão que diz respeito às Polícias Militares, já que consta da pauta da sessão ordinária do Senado hoje projeto de lei do nobre Deputado Hélio Bicudo, já aprovado na Câmara, que altera o Código Penal Militar. Considero relevante e urgente essa matéria, em face dos acontecimentos passados e presentes, que vêm, sem dúvida alguma, manchando a história das lutas sociais no Brasil.

Faço esse destaque despida de qualquer cunho preconceituoso ou ideológico, mas consciente de que estaremos ajudando os militares e a sociedade brasileira. Afirmo que não abrimos mão de ter essa força em nosso País, mas é preciso que desempenhem seu papel com a visão voltada para o direito de cidadania.

O projeto revoga o dispositivo que caracteriza como crime militar a prática de ato ilícito por indivíduo da corporação, mesmo fora do serviço, mas com emprego de arma militar. Acrescenta parágrafo dando como expressa competência da Justiça comum os crimes praticados por policiais militares no exercício da função policial, contemplando a salutar distinção entre serviços de policiamento e atividade militar, que por muito tempo vêm se confundindo em nossa legislação.

O fato de os inquéritos policiais estarem a cargo de autoridades militares, quando deveriam ser incumbência da polícia judiciária, instituída para esse fim, seria um argumento forte o suficiente para a aprovação do referido projeto.

Considero importante ressaltar também outros aspectos que evidenciam a necessidade de se aprovar, imediatamente, essa matéria. As Polícias Militares tiveram sua origem nos pequenos exércitos que se organizaram nos Estados da recém-criada República, para defender, justamente, a autonomia do Estado federado que estava, então, surgindo. No instante em que essas forças passaram a exercer atividades de policiamento, começou-se a questionar a competência da Justiça Militar para o julgamento de delitos de natureza comum, como aqueles praticados nas atividades de policiamento que são atividades civis.

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se inúmeras e inequívocas vezes no sentido de que, se a função é civil e não militar, então, o crime é comum. Realmente, o papel das Polícias Militares é confuso. São militares enquanto são força de reserva do Exército, e são policiais enquanto são segurança pública.

Daí o equívoco de se atribuir processo e julgamento de atos praticados por policiais militares à Justiça Militar. E daí a instituição de uma Justiça corporativa, que gera a impunidade, mola da violência que, consternados, estamos observando nas mais variadas situações, notadamente as que marcam os conflitos agrários e os casos de Vigário Geral e Candelária, que, graças a Deus, estão sendo apurados.

Além do mais, o Brasil é o único País que julga crimes comuns na Justiça Militar. A existência de uma Justiça especial privilegiada para julgar policiais é inédita internacionalmente. Mesmo nos países onde existe polícia militarizada, como é o caso de Itália, França e Canadá, seus membros são julgados, em crimes ocorridos no exercício de suas funções policiais, por juízes e tribunais comuns.

Encareço, então, aos nobres Pares o empenho na aprovação dessa matéria. É lamentável o equívoco de se manterem inquéritos, processos e julgamentos policiais a cargo da Justiça Militar.

Na oportunidade em que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso estará apresentando ao Congresso Nacional esse plano nacional dos direitos humanos, cujo conteúdo contempla a reformulação das Polícias Militares, é de todo fundamental que aproveitemos o referido projeto como forma de contribuição para o avanço do processo democrático em nosso País. Que não haja outro compromisso, outro viés que não aquele da democracia plena na função da Polícia Militar e no julgamento no caso do extrapolamento.

Assim fazemos porque acreditamos que o Poder Público reúne todas as condições para dar segurança ao cidadão. A sociedade civil, desarmada, espera que as nossas polícias, as nossas Forças Armadas estejam, nas suas funções, voltadas para a nossa segurança, com responsabilidade e garantia da qualidade do exercício da profissão.

Não poderíamos deixar de contribuir não apenas com o projeto do Deputado Hélio Bicudo, mas também com essa reforma feita pelo Presidente da República, que é de garantir direito social e direito humano, que são extremamente importantes.

Juntamente a este meu pronunciamento, gostaria ainda de ressaltar a necessidade de termos no Senado Federal uma comissão de direitos humanos. Tive oportunidade de perseguir essa idéia na Câmara dos Deputados, onde foi instalada essa comissão, por meio do projeto aprovado do Deputado Nilmário Miranda, que é do meu Partido. Posso afirmar, Sr. Presidente, que a comissão tem feito um trabalho relevante na Câmara dos Deputados.

Sabemos que, nos congressos internacionais, existem Comissões de Direitos Humanos. O Congresso do Brasil estava um tanto quanto diferente dos outros, mas, agora, já temos a referida comissão na Câmara dos Deputados.

Tenho aqui um pedido; a princípio seria um projeto, mas fui aconselhada, na medida em que estamos tratando do novo Regimento da Casa, a apenas sugerir que o Regimento absorvesse mais uma comissão, que seria a Comissão de Direitos Humanos. Espero que ela seja instalada também no Senado Federal, ainda que acoplada a uma outra, porque sabemos das dificuldades para a sua criação. Ela requer não apenas pessoal, mas tempo hábil para tratar de assuntos que verdadeiramente tomarão conta do debate nacional, das reivindicações e inclusive dos acordos feitos pelo Brasil na questão dos direitos humanos.

Portanto, fica aqui um pedido de apoiamento a V. Exªs, para que a Comissão de Direitos Humanos seja instalada também no Senado Federal.

Eu não poderia concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem antes dirigir-me à figura da minha Companheira de Partido, a Senadora Marina Silva. Relutei em fazê-lo por S. Exª pertencer ao meu Partido. Mas já houve manifestação do Senador Eduardo Suplicy e de outros Senadores pelo prêmio recebido pela nossa Senadora. Portanto, entendi que eu também deveria prestar essa homenagem à minha Companheira e acredito que esta Casa, que já se manifestou, endossa as minhas palavras neste momento.

O Prêmio Ambientalista Goldman de 1996 para a América Latina e Caribe, entregue em São Francisco, Califórnia, em cerimônia realizada em 22 de abril, coube à brasileira, cidadã e Senadora Marina Silva, juntamente com outros nomeados, que acreditamos serem, como a nossa Senadora, dignos de receber esse prêmio - é a segunda vez que um brasileiro o recebe.

A Senadora Marina Silva foi indicada para concorrer a essa premiação por sua luta em defesa das populações da Amazônia, especialmente os seringueiros. Todos conhecemos e admiramos a sua trajetória de luta. Suas palavras sinceras e dignas nos emocionam. Quantas lições aprendo quando a Senadora Marina Silva ocupa a tribuna! É fraterna nas divergências e posiciona-se com muita solidariedade em vários temas aqui abordados. Como Professora de História, S. Exª tem contribuído, nos debates, para o resgate da verdadeira história das etnias do povo brasileiro. Seus pronunciamentos têm trazido, para esta Casa, elevada que é, cada vez mais prestígio e consideração por parte da sociedade.

Essa Companheira, que tanto tem defendido políticas ambientais e sociais para os povos da floresta, merecia de mim esta manifestação em plenário. Eu não podia ficar calada, Sr. Presidente, Srs. Senadores, na medida em que alguns dos meus Pares já se manifestaram a respeito, e porque tenho em S. Exª uma grande amiga e companheira. Muitas vezes a consultei aqui, neste plenário, antes de tomar uma decisão de recuo ou de avanço. S. Exª tem sustentado os seus princípios e os princípios do Partido dos Trabalhadores de forma equilibrada e com muita solidez, e merece o meu carinho particular e especial.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/05/1996 - Página 7796