Pronunciamento de Ney Suassuna em 21/05/1996
Discurso no Senado Federal
PREOCUPAÇÕES DE S.EXA. COM A QUESTÃO FUNDIARIA E A QUEBRA DO ESTADO DE DIREITO NO PAIS.
- Autor
- Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Ney Robinson Suassuna
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA AGRARIA.:
- PREOCUPAÇÕES DE S.EXA. COM A QUESTÃO FUNDIARIA E A QUEBRA DO ESTADO DE DIREITO NO PAIS.
- Aparteantes
- Antonio Carlos Valadares, Gilvam Borges, Romero Jucá.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/05/1996 - Página 8416
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA.
- Indexação
-
- DEFESA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, SIMULTANEIDADE, MANUTENÇÃO, PROPRIEDADE PARTICULAR, PRESERVAÇÃO, ESTADO DE DIREITO, PAIS.
O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um dos maiores países do mundo. Tem 20% das terras agricultáveis do mundo, e, no entanto, nós, que temos tantas terras devolutas, tantas terras agricultáveis, estamos vivendo um grave problema fundiário.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sou um dos que desejam que a reforma agrária seja realizada no mais breve espaço de tempo possível, a fim que todos aqueles que precisam, que vivem da agricultura, que sabem plantar, sabem cultivar a terra, tenham seu pedaço de terra para produzir. Isso, em um país como o nosso, é inadmissível que não ocorra.
Portanto, desta tribuna, apelo ao Poder Executivo no sentido de que faça todas as gestões necessárias, para que a reforma agrária ocorra o mais rápido possível e no menor espaço de tempo.
Gostaria também de fazer uma outra consideração: no Brasil vigora o Estado de Direito, e, num país capitalista democrático, a propriedade tem que ser preservada. É claro que essa propriedade não pode estar acima do bem e do mal. Se a propriedade, por exemplo, não está tendo uso social, ela deve ser taxada e orientada para a produção. É óbvio que quem tem terra e não a está usando tem que pagar um imposto mais caro, para que, assim, se sinta obrigado a produzir ou a vendê-la para que outro o faça; e se deixar de pagar os impostos, terá a terra leiloada pelo Governo e, conseqüentemente, distribuída para aqueles que querem produzir.
Isso, entretanto, não vem acontecendo em nosso País. Estamos vendo invasões, invasões e invasões. Um movimento organizou-se, o Movimento dos Sem-Terra; a causa é justa, mas a forma não é correta. Inicialmente - perdoem-me o meu jeitão paraibano - era apenas um desejo. Desse desejo saiu um vermezinho, uma minhoquinha que se transformou, pela pressão, em lagartixa, que depois virou cobra e que hoje é quase um jacaré.
Estou aqui extrapolando para o futuro: uma estrutura de poder está sendo montada no Brasil. Ouvi, muitas e muitas vezes, algumas pessoas afirmarem, inclusive, generais, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que muitos participantes desse movimento fizeram treinamento na Nicarágua. Pergunto: será que se fosse dada terra a todos aqueles que a desejam, àqueles que estão nos acampamentos, essa estrutura de poder que está sendo montada deixaria de existir, ou, imediatamente, derivaria para o movimento dos sem-teto, dos sem-emprego e por aí afora?
Observo, entretanto, que pessoas que praticaram a quebra do Estado de Direito são recebidos pelas autoridades como heróis. Não sou contra. Aliás, comecei meu pronunciamento afirmando que é preciso se fazer a reforma agrária já. Mas o Governo não pode ser refém de ninguém, o Governo não pode agir como se fosse, por exemplo, o Chefe de Polícia do Pará. Os que lá cumpriram mal a sua missão têm que ser responsabilizados, mas não podem pelas abelhas de São Pedro pagar todas as abelhas de São Paulo.
Tenho andado muito preocupado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com o futuro. Cada vez mais teremos pressão, e o Governo, refém, cada vez mais cederá? Temos que fazer a reforma agrária, sim, mas a reforma agrária que o Brasil precisa, não a que uns poucos querem. O Estado de Direito precisa ser mantido. A reforma agrária deve ser executada.
O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. NEY SUASSUNA - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Romero Jucá - Senador Ney Suassuna, solicito esse aparte talvez para apimentar um pouco mais a discussão, porque essa questão é gravíssima, e tanto o Governo quanto os segmentos políticos que estão de certa forma apoiando o movimento dos sem-terra estão, no meu entender, com um enfoque errado. A reforma agrária é fundamental para o País, mas na ótica da necessidade de produção de alimentos e de democratização dos meios de produção. Temos que discutir reforma agrária e a propriedade da terra no Brasil não porque alguém faz um movimento e se diz "sem-terra", porque senão vamos ter daqui a pouco os sem-teto, os sem-emprego, os sem-mulher, os sem-filho, e o Governo terá que arrumar um filho para o indivíduo. Na verdade, sempre existirão segmentos que não são atendidos em toda as suas aspirações. Discutir a doação de terra aos sem-terra porque eles não a têm é uma ótica errada. Penso que vamos conseguir assentar pessoas em terras devolutas, porque o Brasil precisa produzir alimentos e gerar empregos. E qual a forma de gerar emprego no campo? Dar terra para as pessoas trabalharem. Qual a forma de gerar emprego na cidade? Investir em indústria, na formação do turismo, em bens e serviços, enfim, dando condições de absorver esse povo todo que está querendo sobreviver. Vejo um erro formal nessa conceituação, no momento em que um segmento de pessoas invade um terreno, invade uma fazenda do Governo ou invade uma propriedade privada e o Governo é obrigado a desapropriar aquela propriedade, porque aquelas pessoas não têm terra. E, assim, na hora em que invadirem um apartamento, terão que desapropriar o apartamento porque as pessoas não têm teto? Na hora em que invadirem uma indústria vão ter que desapropriá-la, porque as pessoas são os sem-indústria? Entendo que essa não é a ótica. Comungo com a preocupação de V. Exª de que o Governo tem que ter uma posição séria sobre a questão. Somos contra a violência, mas somos também contra a quebra do Estado de Direito. A necessidade e a urgência não dão a ninguém o direito de quebrar leis, senão vamos ficar sob o império da bagunça. Faço essas colocações até para apimentar a discussão e dizer que estou solidário com as suas colocações. Agora, no meu entender, o Governo e os movimentos políticos incorrem num erro grave, que é a falta de discussão sobre os meios de produção, porque não adianta dar terra a quem está invadindo, porque depois quem está invadindo vai vender, como acontece no Acre, em Roraima, no Pará, e em todo o canto, porque a terra sem ser vista como um meio de produção é apenas um bem a mais a ser negociado para colocar alguns trocados no bolso de pessoas que estão morrendo de fome.
O SR. NEY SUASSUNA - Agradeço a V. Exª pelas colocações que fez. Comungo também da preocupação de V. Exª de que tem que se dar terra, mas junto os meios de produção. Se não houver saúde, não houver escolas, não houver meios de comunicação e transportes, para levar e trazer produtos, não adianta nada. Por exemplo, assentar pessoas em uma fazenda no interior do Amazonas, sem que haja condições de escoamento da produção, não adianta nada. É preciso haver uma infra-estrutura. As coisas têm que ser mais bem pensadas.
As preocupações que trago aqui, hoje, são variadas. Estou preocupado, por exemplo, com a quebra do Estado de Direito, inclusive com o fato de as autoridades estarem recebendo pessoas que, em outra situação qualquer, seriam consideradas marginais. Estou preocupado com o crescimento do poder desse grupo que cada vez mais se consolida. Estou preocupado com a demora da reforma agrária. Entendo que medidas sérias têm que ser adotadas. E tem que haver rapidez no encontro das soluções. Temos que distribuir as terras devolutas para aqueles que - como falei no início - sabem produzir e que têm condições de fazê-lo.
O Sr. Antonio Carlos Valadares - Concede-me V. Exª um aparte, Senador?
O SR. NEY SUASSUNA - Com muita satisfação, Senador Antonio Carlos Valadares.
O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª enfoca um problema da maior atualidade. A reforma agrária já foi objeto de muitas campanhas políticas, tanto das mais recentes quanto das mais remotas. Todos os candidatos, não só no plano do Executivo, mas também no plano do Legislativo, prometiam uma reforma agrária a mais avançada e rápida possível. Lamentavelmente, as desapropriações são retardadas muitas vezes pela forma vagarosa como age a Justiça neste grande território nacional. As questões agrárias e os problemas sociais freqüentemente são colocados de lado, e priorizam-se as pressões políticas ou as pressões dos poderosos, donos das terras improdutivas. Quero crer que o Governo está vivendo dias de muita dificuldade e também de muita hesitação. E quem sabe se, por causa da falta da reforma agrária e da falta de uma providência efetiva nesse setor em todos os recantos do Brasil, as pesquisas estejam apontando um índice de impopularidade do Governo inconcebível, mesmo porque não há justificativa para que o Presidente da República, um democrata - todos conhecemos e avaliamos seu passado e sua luta pela democracia no Brasil -, esteja com um índice de popularidade tão baixo em setores como o da reforma agrária, da saúde, da segurança pública, do transporte. Algo de errado está acontecendo neste Governo. Apesar de sermos um senador que faz oposição - mas uma oposição construtiva -, gostaríamos que o Governo Federal estivesse vivendo menos dificuldades. É verdade que as negociações com o Congresso Nacional são muito penosas - não só penosas mas também constrangedoras - a ponto de o Governo se ver obrigado a ceder a práticas que ele próprio, na campanha, dizia que baniria das decisões políticas nacionais: o fisiologismo e o corporativismo. Então, Senador Ney Suassuna, eu gostaria de lamentar que uma Nação como a nossa, um país continental, ainda não tenha resolvido os problemas da reforma agrária, apesar da paciência do povo brasileiro. Porque o povo brasileiro é, acima de tudo, paciente, desprendido, com grande espírito de renúncia, tanto que revolução armada aqui não existe, o que existe mesmo é quartelada. O povo brasileiro tem índole pacifista. Então, é o melhor país do mundo para se fazer reforma agrária. Não vai haver guerra alguma: o que vai haver, na realidade, é a perda de privilégios que o povo está a reclamar em todos os recantos deste País. Muito obrigado a V. Exª.
O SR. NEY SUASSUNA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Antonio Carlos Valadares. Diria mesmo que talvez o que esteja faltando ao Governo seja a clareza. Quando chego no meu Estado da Paraíba, vejo os fazendeiros intranqüilos, insatisfeitos; por outro lado, os que não têm terra ou estão em acampamentos também estão insatisfeitos. Então, o Governo não agradou nem a gregos nem a troianos. Talvez seja essa indefinição permanente, essa pouca clareza que tenha trazido esta insatisfação do público. Enquanto os fazendeiros estão insatisfeitos vendo o Estado de Direito sendo quebrado, por outro lado, os outros também estão, vendo que não progride a reforma. Isso não é bom para ninguém.
Estou vindo à tribuna, hoje, exatamente para dizer das minhas preocupações, principalmente quando leio, na Folha de S. Paulo, declaração de um cidadão de que "se fosse na Fazenda Macaxeira seria diferente, porque lá tínhamos mil homens e armas." Fico preocupado quando vejo o País, que atravessou uma fase difícil - todos sabemos como foi difícil - sem a democracia, passar de novo por uma situação em que grupos, de um lado e de outro, se armem para entrar num conflito. Isso é preocupante. Precisamos fazer uma reforma administrativa séria, urgente, rápida, mas precisamos preservar o Estado de Direito.
Não fico feliz vendo o meu Governo, o Governo em que votei, agindo por emoção e, pior, sob coação.
O Sr. Gilvam Borges - V. Exª me concede um aparte, nobre Senador?
O SR. NEY SUASSUNA - Pois não, Senador, com satisfação.
O Sr. Gilvam Borges - O assunto que V. Exª traz hoje a esta Casa é realmente uma matéria de preocupação nacional. O Governo tem que despertar no sentido de direcionar investimentos para uma política que previna o fenômeno do êxodo rural que está ocorrendo, o surgimento de grandes favelas nas grandes metrópoles e até megalópoles. As nossas cidades estão inchando. O conceito de reforma agrária seria uma rediscussão no que se refere a investimentos para que os trabalhadores do campo tenham condições de produção, escoamento, assistência médica, eletrificação rural. Com uma política a esse nível, já poderíamos considerar como uma reforma agrária. Temos, contudo, nobre Senador Ney Suassuna, que concordar que a preocupação de V. Exª se justifica. A partir do momento em que existe ameaça de quebra do Estado de Direito, isso pode se tornar uma avalanche, na medida em que o próprio Judiciário não tem controle, que as próprias leis que fazemos aqui no Congresso Nacional não têm efeito. Por outro lado, nós assimilamos as articulações políticas feitas pelos partidos e entidades, que tentam, através desses meios, fazer pressão para que o Governo tome algumas posições em áreas devolutas e em áreas improdutivas. Mas o direito da propriedade privada é justamente a base da democracia em todos os sentidos. Não só em relação à terra, aos bens, ao conhecimento intelectual. V. Exª, que recentemente foi relator de uma matéria importante, sabe que toda produção humana tem que ter as suas gratificações e o seu prêmio. Esse é o princípio básico do sistema democrático entre pobres e ricos, entre os que têm e os que não têm, entre os que detêm os meios de produção e os que não os detêm. A verdade, nobre Senador Ney Suassuna, é que esse é um assunto palpitante. Quando V. Exª vem chamar a atenção do Governo para essa matéria, isso realmente procede. Eu mesmo já estive abordando esse assunto. Parabenizo V. Exª pelo alto grau de responsabilidade patriótica em tentar chamar a atenção das autoridades. Outro ponto: o Ministério da Reforma Agrária foi criado, principalmente em função de seu nome, para fins de marketing e repercussão em termos de mídia. O que temos que fazer é aparelhar melhor e injetar recursos na instituição que já temos para a reforma agrária: o Incra. Temos que fortalecê-lo, remodelá-lo, dar-lhe mais condições de operar. Esse negócio de Ministério de Reforma Agrária já é uma coisa muito velha, já caiu. Esses movimentos que estão aí são resquícios ideológicos, essa é a grande realidade. Não adianta fugir disso. O aparte do nobre Senador Romero Jucá procede, porque, a partir do momento em que as lideranças políticas e as instituições que fazem a política para movimentar os interesses de determinados segmentos disserem: "Bem, agora as instituições vão se organizar politicamente para defender o Movimento dos Sem-Teto - que já existe -, o dos pés-descalços, o dos sem-homem, o dos sem-mulher." De repente, isso pode acontecer, porque a nossa sociedade é muito farta e rica, e há vários movimentos sociais com condições de fazer isso. Acho que o que deve funcionar é a lei. O sustentáculo, o mourão, a garantia de um país democrático, de um sistema, de um regime democrático, é o funcionamento da lei. Que essa lei sirva ao Presidente da República, que é a mais alta autoridade, e ao homem mais humilde. Esse é o princípio básico. Vou dizer algo aqui que, às vezes, algum parlamentar diz, nobre Senador Ney Suassuna: no confronto do sul do Pará colocaram, de um lado, policiais totalmente despreparados, mal-orientados, e, de outro, todo um grupo com pedras nas mãos, com armas de fogo, com foices, estimulado, fomentado para o confronto. A partir daí, quando a vida está ameaçada tanto de um lado como de outro, é como se estourasse uma boiada. Começaram, de um lado e de outro - sendo os dois, de uma certa forma, responsabilidade do Estado -, a dar lá e tomar cá. Quer dizer, foi uma covardia o que ocorreu no sul do Pará, mas há de se convir que a manchete dos jornais, em que se diz que o ex-Senador e atual Governador do Estado do Pará "mandou prender os policiais", isso é coisa para a mídia. Aquele lado deveria ser apurado de outra forma. Agradeço o aparte e congratulo-me com V. Exª, pela sua preocupação. A lei é o fundamental. Parabéns, nobre Senador Ney Suassuna.
O SR. NEY SUASSUNA - Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Levy Dias) - Senador Ney Suassuna, o tempo de V. Exª está esgotado.
O SR. NEY SUASSUNA - Concluo, Sr. Presidente. Entristece-me ver que a reforma agrária não está sendo feita como deveria e que há trabalhador sem terra dela precisando para trabalhar. Isso me entristece.
Atemoriza-me ver uma estrutura de poder sendo criada e cada vez mais fortalecida, inclusive quebrando o Estado de Direito, o que é outro temor.
Apavora-me ver o Governo refém e todos os Governadores com medo de utilizar o instrumento que se tem de ordem, que é a polícia. Ontem, em jornal do Rio de Janeiro, alguém denunciava um ponto de tóxico, e o policial respondeu para a parte que o interpelou: "Não vamos lá, porque lá estão armados". Vejam a que ponto estamos chegando.
Então, são preocupações que trago hoje à tribuna, porque quero que o Governo Fernando Henrique Cardoso dê certo. Votei nesse Governo. Sou de um partido que o apóia, portanto, me preocupo em ver que não estamos agradando nem aos fazendeiros, os que são proprietários da terra, nem tampouco aos que pretendem ter terras. Com isso, o índice de popularidade vai abaixo. Isso é ruim para todos nós. Muito obrigado.