Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA LIGHT.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA LIGHT.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/1996 - Página 8480
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, FORMA, EXECUÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, SETOR, ENERGIA ELETRICA, PAIS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aconteceu hoje, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, o maior leilão já realizado no país, sem dúvida o "grande negócio" deste final de século, em toda a América Latina: a venda da Light.

Envolvida em grandes polêmicas, desde a contestação do preço estipulado pelo BNDES até ações judiciais, as dúvidas, os avanços e recuos no processo de privatização da Light acabaram afastando a grande maioria dos pequenos aplicadores.

Ainda que dinheiro não falte, circulam atualmente no mundo investimentos da ordem de 3 trilhões de dólares (no Brasil apenas nos Fundos temos 60 bilhões de dólares), claro está que as críticas e as controvérsias que se criaram faziam parte de uma encenação com um único objetivo: fazer despencar o preço da empresa, para que ela se torne mais "palatável" ao voraz apetite dos grandes capitais. Tanto é assim que o controle da empresa foi negociado em tempo recorde: 14 minutos. Bem diz o ditado "quem desdenha quer comprar". O setor de energia elétrica é considerado, ao lado do mercado das telecomunicações, o grande "filé" para o século 21.

O Governo vendeu, pelo preço mínimo, 51% das ações da empresa por 2 bilhões, 216 milhões de reais. De um total de 629 mil lotes, 568 mil foram vendidos. Desse total 62,7% ficaram com a estatal francesa, Eletricité de France, e 34% com as empresas norte-americanas Houston Industries e ASE Virgínia. Um negócio da China porque somente o patrimônio líquido da empresa é de 3 bilhões de reais. Faturando ao ano algo em torno de 2 bilhões de reais, seu lucro, somente entre os meses de janeiro a março de 1996, foi de 62 milhões de reais. Fica explícito que o controle acionário da Light foi vendido por um preço simbólico.

Para a compra da Light, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Brazil International e a Transcon/Amurada poderiam usar 100% de moedas podres no leilão. Afirmou que a União tem o dever de aceitar os títulos públicos, negociados no mercado com elevados percentuais de deságio, devendo recebê-los pelo valor original no leilão. Isto porque em pagamento realizado a essas empresas, no governo passado, a União utilizou esses títulos e comprometeu-se em aceitá-los no programa de desestatização. Compromisso esse formalizado e homologado judicialmente. A grande questão que permanece envolta em certo mistério, é que não se sabe exatamente o volume de títulos existentes no mercado, com essa cláusula de compromisso, e tampouco nas mãos de quem estão eles. A partir do mérito que deverá em breve ser julgado, provavelmente favorável, a empresa estatal francesa poderá recorrer para pagar 100% da dívida em moedas podres. No mundo dos negócios, quem não vai querer utilizar, na compra de uma empresa altamente rentável como a Light, títulos que passa de mão em mão e que o próprio governo deseja se desfazer?

Apesar de o patrimônio público brasileiro estar sendo "vendido" em sucessivos leilões, não houve retorno algum à população que é a legítima dona desse patrimônio. Como representante dos interesses maiores do Estado do Rio de Janeiro, como pessoa pública e cidadã brasileira, quero deixar registrado nos Anais desta Casa um veemente repúdio à política de "doação" do patrimônio público ao controle do capital internacional, descomprometido com os destinos do nosso País.

Reflito, com o coração transpassado por uma angústia indizível, as sábias palavras de advertência do imortal Rui Barbosa, com as quais desejo finalizar meu pronunciamento:

"Não busquemos o caminho de volta à situação colonial. Acautelemo-nos das invasões econômicas. Vigiemo-nos das potências absorventes. Tenhamos sentido dos ventos. O Brasil é a mais cobiçável das presas! E, oferecida como está, incauta, inerte a todas as ambições, tem de sobejo, com que fartar duas ou três das nações mais formidáveis".

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/1996 - Página 8480