Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A RESPEITO DA MEDIDA PROVISORIA 1.079/95, QUE DISPÕE SOBRE MEDIDAS COMPLEMENTARES AO PLANO REAL, TRATANDO DA LIVRE NEGOCIAÇÃO SALARIAL.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • COMENTARIOS A RESPEITO DA MEDIDA PROVISORIA 1.079/95, QUE DISPÕE SOBRE MEDIDAS COMPLEMENTARES AO PLANO REAL, TRATANDO DA LIVRE NEGOCIAÇÃO SALARIAL.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DCN2 de 03/08/1995 - Página 12709
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ESTABELECIMENTO, DESINDEXAÇÃO, SALARIO, INCOERENCIA, ORIENTAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, TRATAMENTO, LIVRE NEGOCIAÇÃO, EMPREGADOR, EMPREGADO, RESULTADO, FALTA, VIABILIDADE, NEGOCIAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, AUDIENCIA, RAIMUNDO BRITO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), OBJETIVO, SOLUÇÃO, IMPASSE, GOVERNO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), VIABILIDADE, READMISSÃO, PETROLEIRO, OCORRENCIA, DEMISSÃO, EPOCA, GREVE, CATEGORIA PROFISSIONAL.
  • COMENTARIO, VONTADE, ORADOR, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO, INFRAESTRUTURA, SOLICITAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, JOEL RENNO, PRESIDENTE, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), ESCLARECIMENTOS, ASSUNTO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JANIO DE FREITAS, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMPROVAÇÃO, CONHECIMENTO, EMPRESA ESTATAL, ACORDO, ESTABELECIMENTO, ANTERIORIDADE, GREVE, CATEGORIA PROFISSIONAL, PETROLEIRO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última sessão do primeiro semestre, antes do recesso, tive oportunidade de fazer um pronunciamento analisando a medida provisória do Governo que tratava da desindexação. Critiquei particularmente dois artigos da referida medida provisória: o que previa o desconto, por ocasião da data base, das antecipações e dos aumentos concedidos aos trabalhadores ao longo do ano; e o artigo que previa que o pagamento de ganho de produtividade só poderia ser efetuado por empresas através de índices objetivos.

Naquela ocasião, senadores da base governista contestaram a minha interpretação. Defendi que esses dois artigos eram inconstitucionais, no que diz respeito à questão da produtividade, já que a Constituição prevê a existência de acordos ou convenções coletivas, e convenção coletiva feita por meio de federações, abrangendo, portanto, um setor da atividade econômica.

Como a medida provisória só previa o pagamento de ganho de produtividade calculado por empresas, no nosso entendimento, estávamos entrando em choque com a Constituição.

Felizmente, durante o recesso, o Supremo Tribunal Federal pôde analisar particularmente esses dois aspectos e os considerou inconstitucionais. Louvo a iniciativa do Governo, que, na reedição da medida provisória, modificou esses dois itens. Esperamos que essa questão não represente simplesmente o "bode que foi retirado da sala"; o Governo deve estar sensível a essa questão para que o aprimoramento da análise da medida provisória da desindexação possa ser objetivamente feito pelo Congresso Nacional.

Continuamos a criticar alguns pontos, na medida em que, a nosso ver, a medida provisória só desindexa a parte relativa a salários. Particularmente na questão do setor financeiro, em diversos contratos, continuam a existir cláusulas de reajuste devido à inflação passada.

Todavia, entendemos que, na discussão da livre negociação, é fundamental que o Governo dê o exemplo. Gostaria até de relembrar aqui uma música de autoria de Rui Guerra e Chico Buarque, que faz parte da trilha sonora da peça Calabar e que diz que há uma grande diferença entre intenção e gesto. Nesse aspecto, estamos verificando uma diferença de tratamento entre a intenção propalada pelo Governo e as suas ações.

Já tive oportunidade de afirmar, neste plenário, que uma das poucas coisas boas que o então presidente Fernando Collor de Mello legou a esta Nação foi a instituição dos contratos de gestão com as empresas estatais. O primeiro foi assinado com a Companhia Vale do Rio Doce, em 1992, e o segundo com a PETROBRÁS, em 1994. Esses contratos possibilitariam uma maior autonomia para essas empresas discutirem com os seus funcionários, estabelecendo metas e garantindo produtividade e eficiência para as empresas estatais. O que nos surpreende é que o Governo Federal, na orientação que tem dado às empresas estatais no processo de negociação com os seus trabalhadores, na prática, abole a livre negociação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um documento do Governo intitulado Orientações Governamentais às Administrações por Ocasião da Data Base, que vem sendo utilizado como referência na negociação dos dissídios coletivos das empresas estatais e que foi utilizado in totum na discussão do acordo coletivo da Companhia Vale do Rio Doce, efetuado no mês de julho, na prática, acaba com a negociação com os empregados.

Vejamos alguns exemplos das orientações do Governo às empresas estatais: a empresa não poderá acordar nenhuma cláusula que disponha sobre eventual abono salarial, antecipação da data base, bem como antecipação de reajuste a qualquer título; não poderão ser concedidos aumentos reais, tais como promoções generalizadas por atividade etc; não incluir cláusula que disponha sobre compromisso de alteração ou revisão de planos de cargos e salários; não criar nem ampliar qualquer vantagem ou benefício em adição aos já existentes; não autorizar acréscimo aos percentuais já praticados para a remuneração de horas extras, adicional noturno, adicional de risco etc.; não autorizar alteração de percentual de participação do empregado nos diversos benefícios concedidos pela empresa; não admitir cláusula que estabeleça obrigação por parte da empresa quanto ao reconhecimento e/ou a possibilidade de negociação de passivo trabalhista; não acordar cláusula que, de alguma maneira, possa garantir a estabilidade no emprego; não acordar cláusula que assegure ao empregado prioridade na realização de concurso interno, readaptação funcional, ascensão funcional, readmissão de anistiado ou o que esteja em desacordo com os dispositivos legais; não acordar cláusulas que constituam obrigação de cessão de dirigentes sindicais com ônus para a empresa, de cessão de espaço físico próprio para o desenvolvimento de atividades sindicais, de cessão com ônus de dirigentes sindicais para a participação em congressos, encontros e convenções, bem como para outros afastamentos em função de atividades sindicais; não acordar cláusula para estudo de qualquer trabalho com participação de comissão paritária; não poderá constar de acordo cláusula que estabeleça isonomia com relação a qualquer benefício, tabela salarial e/ou outra vantagem concedida por outra empresa estatal; não poderá constar do acordo cláusula que estabeleça obrigação de reabertura de negociações salariais por qualquer motivo.

Ora, qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento sobre a pauta de reivindicação das campanhas salariais dos trabalhadores das empresas estatais sabe muito bem que essa pauta versa principalmente sobre esses pontos. E o que é pior: o Governo, na sua medida provisória, criou a figura do mediador - segundo ele, para incentivar a livre negociação, para impedir a sobrecarga de ações no Ministério do Trabalho. Nas diretrizes gerais, que são dadas para as empresas estatais negociarem, diz o seguinte:

      "A empresa deverá rever todas as cláusulas do acordo anterior atualizando-os quanto à pertinência e ao conteúdo, elaborando uma "pauta patronal", como parte do planejamento negocial."

Adiante diz o seguinte:

      "Caso não seja possível acordar todas as cláusulas, a empresa deverá imediatamente instaurar o dissídio coletivo, contestando, em juízo, todas as cláusulas."

A orientação do Governo para as empresas estatais é exatamente no sentido contrário ao da livre negociação coletiva. Preocupa-me sobremaneira essa orientação que, como já disse, foi aplicada, in totum, na Companhia Vale do Rio Doce e que, possivelmente, venha a ser aplicada na negociação da PETROBRÁS.

Ontem, eu, o Senador Eduardo Suplicy, o Deputado Luciano Zica, do PT de São Paulo, tivemos uma audiência com o Ministro das Minas e Energia, Dr. Raimundo Brito, e expressamos as nossas preocupações quanto ao clima de tensão que ainda existe na PETROBRÁS. Clima de tensão esse que, com certeza, está prejudicando o bom desempenho da empresa e é decorrente, naturalmente, daquela greve.

É perfeitamente natural, toda vez que existem demissões numa empresa decorrente de um movimento grevista, que a reintegração desses demitidos passe a fazer parte da pauta de reivindicações por ocasião da data base.

Os petroleiros têm data base no mês de setembro e já devem estar iniciando as negociações. Se, realmente, a orientação do Governo também for essa, preocupa-nos profundamente o grau a que poderá chegar esse processo de negociação.

Depois, não venham novamente colocar a culpa nos trabalhadores, considerando-os intransigentes, até porque já existe um fato novo.

Os Srs. Senadores acompanharam todo o processo de discussão por ocasião daquela greve dos petroleiros, e toda a argumentação da PETROBRÁS para contestá-la foi no sentido de negar a existência de um acordo firmado pelo Governo anterior - na gestão do Presidente Itamar Franco e do Ministro Delcídio Gomes - e a própria PETROBRÁS.

A argumentação colocada pela empresa, durante todo o tempo, era a de que quem assinou o acordo em nome da PETROBRÁS não teria poder para isso.

No último sábado, a Folha de S. Paulo, através de matéria assinada pelo jornalista Jânio de Freitas, apresentou documentos que comprovam o conhecimento da Administração da PETROBRÁS e do Dr. Joel Rennó, então Presidente - coincidentemente o atual -, sobre o acordo que tinha com relação àquelas cláusulas.

Pretendo apresentar um requerimento na Comissão de Infra-Estrutura, solicitando a presença do Dr. Joel Rennó, Presidente da PETROBRÁS, para que explique e se justifique em relação àquela matéria da Folha de S. Paulo, já que os documentos apresentados pelo jornalista Jânio de Freitas jogam por terra toda a argumentação apresentada pelo Governo, demonstrando, inclusive, que, se tivesse efetivamente havido o cumprimento do acordo feito pelo Governo anterior e pela PETROBRÁS, ter-se-ia evitado uma greve, que, com certeza, trouxe prejuízo para os trabalhadores e para o conjunto da Nação brasileira.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo, com muita honra, o aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senador José Eduardo, gostaria de me solidarizar com o pronunciamento brilhante que faz nesta tarde, nesta Casa, dizendo o seguinte: seria o momento - diante das denúncias e dos documentos que foram apresentados, aliás, falamos sobre isso durante a greve -, de o Governo rever as demissões que foram feitas, em face das greves. Seria um momento de grande justiça o Governo rever as demissões que aconteceram e cumprir o acordo que foi assinado. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

Foi exatamente com esse objetivo que tivemos ontem essa audiência com o Ministro das Minas e Energia, Dr. Raimundo Brito*, que nos recebeu muito bem, de maneira muito educada.

Naturalmente, tivemos um debate interessante, mas não houve nenhuma conclusão desta audiência.

Esperamos, efetivamente, que nesse processo de negociação que já se inicia para a assinatura do acordo com o Presidente da PETROBRÁS, ocorra uma negociação que não seja seguida por essa orientação draconiana do Governo, que, na prática, acaba com a negociação, e esperamos que esse processo de reintegração dos demitidos da PETROBRÁS possa ser garantido nesse acordo, até para distensionar todo o clima que estamos sentindo na PETROBRÁS. Vimos isso na unidade de Sergipe, tivemos informação de que esse clima é o mesmo nas diversas unidades.

Para concluir, Sr. Presidente, mais uma vez recoloco a discussão do tema da livre negociação nos seus verdadeiros termos: em primeiro lugar. Em primeiro lugar, o movimento sindical, organizado, moderno, combativo, não quer a continuidade da tutela do Estado sobre ele. Inclusive, já existem diversos projetos de Parlamentares do nosso e de outros Partidos que visam exatamente retirar, esse sim, o entulho autoritário, a herança varguista que deve ser retirada do Brasil, ou seja, os resquícios da Carta del Lavoro que ainda estão na nossa Constituição. Temos que ter o princípio de que a livre negociação pressupõe garantia mínima de defesa daqueles que não têm possibilidade de negociação, não têm capacidade de pressão junto ao Governo, e isso significa uma garantia de reposição mínima de inflação, já que partimos do princípio de que não se negocia a inflação; é preciso repô-la, e, a partir desse patamar, aí sim, se estabelece um processo de negociação coletiva livre e moderna, a exemplo de outros países do mundo e que, infelizmente, ainda não temos no Brasil. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 03/08/1995 - Página 12709