Discurso no Senado Federal

DESMANDOS DO SR. RAUL JUNGMANN NA PRESIDENCIA DO IBAMA, NO QUE CONCERNE A POLITICA DE EXPLORAÇÃO DA BORRACHA.

Autor
Ernandes Amorim (S/PARTIDO - Sem Partido/RO)
Nome completo: Ernandes Santos Amorim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • DESMANDOS DO SR. RAUL JUNGMANN NA PRESIDENCIA DO IBAMA, NO QUE CONCERNE A POLITICA DE EXPLORAÇÃO DA BORRACHA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/08/1995 - Página 14081
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • CRITICA, GESTÃO, PRESIDENTE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INCOMPETENCIA, ILEGALIDADE, PORTARIA, ABANDONO, POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO, SETOR, BORRACHA, ESPECIFICAÇÃO, REAJUSTAMENTO, PREÇO.
  • INFORMAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, ORADOR, PROCURADORIA GERAL DA REPUBLICA, OPOSIÇÃO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, DENUNCIA, AÇÃO CIVIL PUBLICA, DEFESA, SERINGUEIRO, REGIÃO AMAZONICA.
  • ANALISE, DECADENCIA, SETOR, BORRACHA, MOTIVO, INEFICACIA, PREJUIZO, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, GOVERNO.

O SR. ERNANDES AMORIM (PDT-RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, 50 anos depois de haver começado a exploração da borracha no País, se se pudesse voltar no tempo, aos idos de 1945 e à década de 50, se se pudesse passar por Manaus, pela Amazônia e pela Região Norte, poder-se-ia verificar o que representou para a economia daquele período a exploração da borracha.

Em Manaus, onde, naquela época, havia uma maior civilização, existiam os grandes teatros. Manaus era uma cidade onde corria dinheiro; havia os patrões da borracha, os seringalistas. Para Manaus, deslocaram-se vários homens do Nordeste e do resto do Brasil para explorar a borracha. Naquele período áureo, Manaus ostentou, na balança de exportação, divisas e recursos para o Brasil.

Agora, com a falência desses produtores de borracha, com a falta de atenção por parte do Governo Federal, que extinguiu a SUDHEVEA, órgão que cuidava desta área. Hoje, olhando para o resto do Brasil, notamos que os estados de São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Mato Grosso e tantos outros estão produzindo borracha, que, hoje, está desvalorizada por falta de uma programação por parte do Governo, que encostou a SUDHEVEA no IBAMA para que esse Instituto administrasse esta área do Brasil, tão produtiva e tão rica.

A exploração da borracha, com o seu plantio e o seu cultivo, poderia ser uma das grandes fontes de riqueza, mas não, Srs. Senadores, esse setor está falido. E deveria estar sendo comandado por pessoas que tivessem o mínimo de competência. Não. Jogaram-no nas mãos do Diretor do IBAMA, que não dá a menor importância e que está deixando de arrecadar mais de US$200 bilhões por criar uma Portaria desativando uma lei. Isso acarreta em enorme prejuízo para a Nação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a prepotência e o descompromisso, quando não a leviandade, têm sido, infelizmente, marcas registradas de numerosas autoridades brasileiras no trato da coisa pública. Tal comportamento prevalece em muitos órgãos públicos ainda hoje, quando o País consolida sua democracia e procura reencontrar o caminho para o desenvolvimento e para a justiça social.

O exemplo mais bem acabado desse execrável comportamento, que pretendemos ver definitivamente banido da gestão dos negócios públicos, encontra-se, Srªs e Srs. Senadores, na atual administração do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, capitaneada pelo Sr. Raul Jungmann.

Liderada por esse senhor, a administração do IBAMA, com algumas exceções, não satisfeita em contrariar milhões de brasileiros com seu descaso e sua inépcia, vem tentando a qualquer custo implodir a política econômica do setor da borracha, ainda que para isso precise violentar normas legais e constitucionais.

De minha parte, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dar-me-ia por satisfeito se toda essa trapalhada do IBAMA resultasse apenas de despreparo e negligência de seus dirigentes. No entanto, dói-me admiti-lo, essa sucessão de erros e arbitrariedades, além de demonstrar prepotência e leviandade, aponta para uma bem orquestrada operação que objetiva favorecer um cartel de empresas multinacionais, em detrimento dos humildes seringueiros que tiram da produção da borracha o seu sustento.

Tal comportamento, bem orquestrado, como disse, mas nada patriótico, levou-me, na condição de representante de uma comunidade que tem na borracha uma de suas mais importantes riquezas naturais, a fazer uma representação contra o IBAMA perante o Excelentíssimo Procurador-Geral da República. Antes, porém, oficiei ao Sr. Raul Jungmann expondo, mais do que eventuais preocupações, minha insatisfação e minha discordância em relação às medidas adotadas por aquele órgão do Ministério do Meio Ambiente em relação à política setorial da borracha, especialmente aquelas que promovem a desequalização de preços entre a borracha nacional e a importada.

O Presidente do IBAMA, em ofício a mim dirigido no final do mês passado, tergiversou sobre o assunto, costurou uma série de contradições e distorceu verdades cristalinas, tentando encobrir o desinteresse do IBAMA na defesa da borracha nacional e a incompetência de sua administração para reverter um quadro de crise que afeta gravemente o setor produtivo.

Entre outras sandices, o Sr. Raul Jungmann, visivelmente melindrado, afirma que a Lei nº. 5.227/67 delegava competência ao Conselho Nacional da Borracha para fixar e homologar os preços para a borracha bruta e para a beneficiada. Alega, ainda, que após a desativação do Conselho Nacional da Borracha, e, posteriormente, a extinção da SUDHEVEA, o IBAMA, que acumulou suas atribuições, passou a elaborar os índices de reajuste com base em planilha de produção, submetidos ao Conselho Interministerial de Preços. O Sr. Raul Jungmann afirma ainda, no mesmo ofício, que o IBAMA realizou reuniões com empresários do setor na tentativa de definir o reajuste dos preços, mas teve sua tarefa dificultada ao receber três propostas com valores díspares.

Essa a versão do Sr. Raul Jungmann. Agora, os fatos.

Inicialmente, há que se reparar que a Lei nº. 5.227/67, contrariamente ao que apregoa o Presidente do IBAMA, não delegava competência ao Conselho Nacional da Borracha para fixar e homologar os preços, mas ainda delega. Isso, porque a Lei não foi revogada e nem o Conselho foi extinto, mas apenas desativado.

Além disso, há que se ressaltar a pronta providência do IBAMA mediante a disparidade de valores colhidos junto às entidades do setor para fixação do reajuste. Alega o Sr. Raul Jungmann que a Associação Nacional dos Produtores de Borracha Natural do Brasil apresentou proposta de reajuste no valor de 66,23% para a borracha bruta e 40,44% para a beneficiada. A Sociedade Rural Brasileira propôs reajuste linear de 30%; e a Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha reajuste, também linear, da ordem de 46,48%. Assim, teve dificuldades para estabelecer um índice que julgasse justo e sensato.

Diante disso, o que fez o IBAMA? Foi buscar junto ao Centro Tecnológico de Polímeros, do SENAI, no longínquo Rio Grande do Sul, que sequer produz borracha natural, a definição de parâmetros que possam embasar o reajuste dos preços.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa atitude não pode ser interpretada senão como uma afronta, por mais qualificação que tenha o Centro Tecnológico do SENAI, o que, aliás, não questionamos.

Entretanto, há no ofício outros escorregões do senhor Raul Jungmann, que se sente melindrado com as acusações de incompetência ao órgão que dirige, mas não apresenta memórias de custos ou metodologia para definição dos preços da borracha. Passaremos ao largo de todos esses equívocos, no entanto, já que minha intenção, ao assomar a esta Tribuna, era dar ciência da representação contra o IBAMA, e não perder tempo inutilmente com as evasivas e incongruências do seu Presidente.

Ao representar ao Excelentíssimo Procurador Geral da República contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, tive em mente defender os interesses de uma população humilde e sofrida, especialmente da Região Amazônica, mas também as de outras unidades federativas, que tem sido golpeada exatamente por quem deveria dar-lhe assistência. Atentei também para o fato de que, para exercer tal ação deletéria, não hesitou o IBAMA em atropelar normas legais, chegando ao ponto de desrespeitar a própria Constituição Federal.

Efetivamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entendo que o IBAMA violentou o nosso ordenamento jurídico ao descurar das disposições contidas na Lei nº. 5.227, de 18 de janeiro de 1967, que dispõe sobre a política econômica da borracha, regula sua execução e dá outras providências.

Além de ignorar completamente as atribuições que recebeu com a extinção da Superintendência do Desenvolvimento da Borracha - SUDHEVEA -, o IBAMA, ao promover a desequalização dos preços da borracha nacional e da internacional, por meio das Portarias nºs. 580/91 e 23/91, contraria frontalmente o art. 21 da Lei nº. 5.227.

Estabelece o citado artigo: É instituída a Taxa de Organização e Regulamentação do Mercado da Borracha, de natureza específica e incidente sobre as borrachas e látices vegetais e químicas nacionais e estrangeiras. O parágrafo terceiro do mesmo artigo determina que os recursos advindos dessa mesma taxa serão destinados ao custeio das despesas feitas pela Superintendência do Desenvolvimento da Borracha, no uso de suas atribuições, bem como à manutenção do Conselho Nacional da Borracha e à indenização de agentes ou delegados por serviços prestados à referida Superintendência.

O IBAMA, além de abandonar completamente a política econômica da borracha, como disse, passou a dispor dos recursos oriundos da Taxa de Organização e Regulamentação da Borracha de maneira imprópria e pouco transparente. Não se trata, Srªs e Srs. Senadores, da opinião subjetiva de um Senador da República, até porque minha atuação parlamentar não comporta atitudes dessa natureza, mas do parecer de um órgão técnico, qualificado e conceituado, que é o Tribunal de Contas da União, exarado no Processo TC-019.948/0.

Assim, formulei ao Senhor Procurador-Geral da República, na citada Representação, a conveniência de se propor Ação Direta de Inconstitucionalidade, sem prejuízo, ainda, de Denúncia, por infringência ao art. 315 do Código Penal, e de Ação Civil Pública, com esteio na Lei nº. 7.347/85.

Além de ferir o aspecto constitucional, na sua forma de administrar a política setorial da borracha, o IBAMA prejudicou os produtores nacionais de borracha e favoreceu os cartéis e oligopólios, quando lhe incumbia exatamente defender o mercado da ação nociva do grande poder econômico. Os fatos que levei ao conhecimento do Senhor Procurador-Geral da República, e que hoje trago ao conhecimento de V. Exªs, tem o respaldo do Tribunal de Contas da União. Aquela Corte determinou ao IBAMA que reveja as Portarias nºs. 580/91 e 23/91 porque elas promoveram a desequalização de preços entre as borrachas nacional e importada, em desacordo com a diretriz fixada pela Lei nº. 5.227/67.

Sendo assim, propus igualmente ao Procurador-Geral da República que a "sonegação consentida", propiciada pelas citadas Portarias, seja imediatamente impedida por meio de Medida Liminar. Ao mesmo tempo, advogo a devolução, aos cofres públicos, dos valores recolhidos a menor, estimados em 200 milhões de dólares.

Para que não reste qualquer dúvida sobre a ação perniciosa do IBAMA no que respeita à política da borracha, valho-me de trabalho, sério e profundo, elaborado pela Associação dos Produtores de Borracha Natural do Brasil e intitulado A Questão da Borracha - Filosofia da Política Econômica, Legislação, Causas da Crise e Reivindicações. Ao comentar as diretrizes da política econômica setorial, constatam os produtores que os mecanismos de equilíbrio do mercado, tais como o contingenciamento, a equalização e o estoque regulador, são hoje lamentavelmente inoperantes, por responsabilidade e consentimento do IBAMA, em razão da incompatibilidade da natureza e objetivo desse órgão, criado para administrar política do meio ambiente, e que, por essa razão, nunca se interessou pela borracha, permitindo o domínio do mercado pelo cartel de pneumáticos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o setor da borracha tem sido, historicamente, injustiçado pelas autoridades governamentais brasileiras, com reflexos diretos na colocação do produto no mercado internacional e na qualidade de vida de milhões de cidadãos brasileiros envolvidos com sua produção. Em seu estudo intitulado Análise das Causas que Levaram à Crise da Borracha Natural da Amazônia, Oscar Pardiñas Borreani, assessor da SUDHEVEA e do IBAMA, anotou:

A decadência acentuada da economia da borracha amazônica nos últimos anos foi gestada pelo comportamento perverso dos preços fundamentalmente determinados por decisões administrativas, e não por situações endógenas do mercado. A divisão da competência no controle dos preços e o bloqueio exercido sobre eles anularam os mecanismos de política setorial, levando o setor a uma situação de inviabilidade econômica e financeira. A instabilidade de preços de economia nacional e a debilidade do setor, fincada na estrutura do mercado, criaram as condições para que tal processo tivesse lugar; a crise financeira do Estado agravou a situação e, até certo ponto, impediu algumas soluções que poderiam ter atenuado os prejuízos causados".

Como se pode observar, o Estado brasileiro, sobre não promover adequadamente a política do setor, em muitos casos o prejudica. A extinção da SUDHEVEA, cuja atuação nos últimos anos já não correspondia à expectativa de moralidade e eficiência, em nada serviu ao setor, pois que suas atribuições foram assumidas pelo IBAMA, que vem desenvolvendo uma política criminosa e irresponsável, compromissada unicamente com a defesa dos interesses dos cartéis e oligopólios.

A questão da desequalização dos preços é emblemática, e suscitou estranheza, para dizer o mínimo, ao chefe do Decom/IBAMA, Dr. José Silvério Lage Martins, que solicitou esclarecimentos ao Procurador-Geral do IBAMA, Ubiracy Araújo. Não vou reproduzir, Srªs e Srs. Senadores, a troca de correspondência entre ambos, mas posso adiantar - e isso consta da Representação em tela - que a resposta do Procurador do IBAMA é uma peça indecorosa e evasiva.

Para resumir a questão, direi que a redução e a posterior extinção da Taxa de Organização e Regulamentação do Mercado da Borracha foram urdidas numa trama maquiavélica. A extinção da taxa foi, felizmente, abortada em veto presidencial no Governo Itamar Franco por não atender ao interesse público. A redução da alíquota para o insignificante índice de 5% fez a receita dessa fonte despencar de 40 milhões de dólares, em 1989, para menos de 5 milhões de dólares, em 1993.

Outro atentado contra a borracha nacional foi perpetrado no final do Governo Itamar Franco, pelo Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Winston Fritsch. Alegava o Sr. Fritsch os mesmos e velhos argumentos de que a borracha brasileira tem custo elevado e não é competitiva para a indústria.

As sandices do Sr. Fritsch sucumbiram diante de argumentos consistentes e verídicos, entre eles o de que o gasto total da indústria de pneumáticos com a borracha, nacional ou estrangeira, é da ordem de 200 milhões de dólares; e que, sendo assim, sua participação, na composição final do produto, é insignificante, variando entre quatro e seis por cento.

Ficou também devidamente comprovado o subsídio que recebe a borracha asiática comercializada no Brasil, da ordem de 68%. A borracha brasileira, portanto, é competitiva, e pode ter preço igual ou mesmo inferior ao da borracha asiática se o Governo brasileiro ajustar o ônus que recai sobre a nossa produção. Observou-se também, na ocasião, que os preços internacionais da borracha se têm elevado, como resultado da maior produção de pneumáticos - e, portanto, forte pressão de demanda -, e do interesse dos países asiáticos pela comercialização de novos produtos, de maior valor agregado.

A Amazônia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tem de 200 a 300 milhões de seringueiras que representam diretamente o sustento de 150 mil famílias. O cultivo da seringueira distribui-se por vários estados brasileiros. Além dos estados amazônicos, a seringueira é plantada ainda na Bahia, no Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, num total de 215 mil hectares, com investimentos de dois bilhões de dólares, gerando empregos e renda para um milhão de pessoas. 

Este é o setor da borracha, que para muitos de nossos dirigentes nada significa. Este é o setor que, depois de contribuir por muitos anos para manter elevada nossa pauta de exportações, e que agora, resistindo heroicamente, dá emprego, renda e sobrevivência digna a milhões de irmãos nossos, e que alguns maus brasileiros querem destruir. Este, Sr. Presidente, é o setor para o qual o IBAMA do Sr. Raul Jungmann vira as costas, porque se mostra renitente em defender seus legítimos interesses na inflamada negociação com o monopsônio que abocanha 80% do nosso mercado.

Tento, por todos esses motivos, representado contra o IBAMA, dou ciência dos fatos a este Egrégio Plenário, e aproveito para renovar minhas melhores expectativas quanto a uma decisão nobre e justa de S. Exª, o Procurador-Geral da República. Ao mesmo tempo, convoco os companheiros parlamentares, dos estados amazônicos e de todo o Brasil, a defenderem os produtores brasileiros, cujos interesses vêm sendo prejudicados por dirigentes inescrupulosos e comprometidos com o capital internacional.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/08/1995 - Página 14081