Discurso no Senado Federal

QUESTIONANDO OS BENEFICIOS SOCIAIS E ECONOMICOS DO PLANO REAL, PROPALADOS PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • QUESTIONANDO OS BENEFICIOS SOCIAIS E ECONOMICOS DO PLANO REAL, PROPALADOS PELO GOVERNO FEDERAL.
Aparteantes
José Eduardo Dutra, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/1996 - Página 8658
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA, GOVERNO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, BRASIL.
  • QUESTIONAMENTO, PROJETO, BANCOS, POVO, RECOMENDAÇÃO, PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, FINANCIAMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ORADOR, ENDEREÇAMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), SOLICITAÇÃO, DETALHAMENTO, EMPRESTIMO, COMPANHIA SIDERURGICA NACIONAL, AUSENCIA, PRIORIDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • QUESTIONAMENTO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT), CRITICA, AUSENCIA, EQUIDADE, EMPRESTIMO, GOVERNO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Ernandes Amorim, Srªs e Srs. Senadores, penso que seria importante fazermos uma reflexão no sentido de sabermos em que ponto a política desenvolvida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, através dos seus diversos instrumentos, vem contribuindo para melhorar ou piorar a distribuição da renda e da riqueza.

Ocupamos o galardão - que não nos honra - de campeões mundiais da desigualdade econômica e social.

O relatório de 1995, do Banco Mundial, detecta o Brasil como aquele onde os 10% mais ricos detêm 51,3% da renda nacional e os 40% mais pobres apenas 7%. Nenhum país existe onde 10% dos mais ricos detêm mais; e nenhum país existe onde 40% dos mais pobres detêm menos que isso. Seria o caso de darmos urgência a medidas que viessem a compatibilizar a estabilidade de preços, o crescimento da economia, o crescimento das oportunidades de emprego, a melhoria da distribuição da renda e o ataque frontal à miséria.

Há uma notícia, publicada hoje no jornal Folha de S. Paulo, cujo título é "´Banco do Povo` sai da gaveta do governo", segundo a qual o "Banco do Povo" começará a funcionar no segundo semestre. Será um banco financiado pelo BNDES, majoritariamente, e pelos Estados e Municípios. Queremos conhecer mais profundamente o projeto do "Banco do Povo", que a equipe econômica do BNDES, inclusive com a recomendação feita pela Presidente do Conselho do Comunidade Solidária, Ruth Cardoso, realizou.

Informa, ainda, o jornal Folha de S.Paulo:

      "Para começar a fazer os empréstimos, já no próximo semestre, o fundo deve começar com um capital de R$30 milhões.

      O banco vai emprestar dinheiro a quem dificilmente teria acesso ao sistema financeiro. Não serão exigidas garantias. Ele vai se espelhar em três experiências básicas: o Banco Gramem, de Bangladesh, os bancos criados em países andinos, como a Bolívia e o Chile, e o Banco do Povo do DF (Distrito Federal)".

Esse último do Governo Cristovam Buarque. Aqui deveria estar também o banco, em Porto Alegre, do Prefeito Tarso Genro, que tem comportamento nessa mesma direção.

Diz a notícia de Rui Nogueira, no jornal Folha de S. Paulo, que o Programa Comunidade Solidária vinha pressionando pela urgência na criação do banco para atender a suas metas de geração de empregos e de capacitação de mão-de-obra.

Ora, eu gostaria, Sr. Presidente, de comparar essa notícia da criação do Banco do Povo, com capital de R$30 milhões, reservados pelo BNDES, com outra, qual seja, que o BNDES emprestou para a Companhia Siderúrgica Nacional R$184 milhões - recursos que fazem parte de um empréstimo bem maior, porque essa companhia pediu empréstimos ao BNDES de R$1,1 bilhão para os próximos cinco anos, tendo sido a primeira etapa dos empréstimos assinada em setembro último. Menos de duas semanas antes de gastar R$160 milhões na compra de ações da Light em leilão promovido pelo BNDES, este libera R$184 milhões para a Companhia Siderúrgica Nacional, que está hoje sob o controle de proprietários privados.

É de conhecimento público que para se adquirir a Companhia Siderúrgica Nacional os proprietários privados obtiveram formas de financiamento pelo BNDES. Temos ressaltado que muitas das empresas estatais têm sido adquiridas utilizando-se títulos governamentais denominados moedas podres, que levam em conta grande deságio. Nesse caso, especificamente, gostaria de fazer a seguinte reflexão:

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Vou pedir ao Senador Lauro Campos para refletir sobre a seguinte comparação que colocarei a seguir: Imagino que o Governo deveria estar preocupado com a distribuição de renda e de riqueza, de patrimônio dos brasileiros e tem instrumentos para isso. Ora, o Governo, de um lado, diz que vai criar o Banco do Povo para emprestar recursos em pequena escala para a população. Muito bem, isso pode ser positivo. Por outro lado, lemos notícia de que a principal agência financeira para empréstimos de médio e longo prazo liberou, há duas semanas, para a Companhia Siderúrgica Nacional, R$184 milhões - não tenho a precisão aqui, estou tentando obter -, e imagino que esse empréstimo tenha sido realizado a taxa de juros de longo prazo, com período de carência, como tipicamente são feitos os empréstimos pelo BNDES.

Vou dar entrada hoje em requerimento de informações pedindo o detalhamento dos termos do empréstimo do BNDES para a Companhia Siderúrgica Nacional. Sabemos que o BNDES empresta a taxas de juros de longo prazo, que, hoje, estão menor do que 20% ao ano - variam em torno de 17%, 18%, 19%. Como as taxas de juros no mercado estão variando, vou citar números, Senador Lauro Campos, para enriquecer sua reflexão.

O Estado de S.Paulo Informa traz alguns dados. Para empréstimo pessoal, os juros, que têm tido ligeira redução, estão atualmente da seguinte forma: a menor taxa para empréstimo pessoal é da Caixa Econômica Federal, 5% ao mês; a maior, 8,5%, do Banco Itaú; 6,79% é a média para empréstimos pessoais no mercado. Para consumo direto ao consumidor, a menor taxa oferecida pelo Itaú é de 5,5% ao mês; a maior, 8,10%, do Banespa; a média é 6,63%. A taxa do cheque especial, a menor é a do Banco do Brasil, 8,20%; a maior, 14,30%, ao mês, do Unibanco; média de 10,41% ao mês. Se formos considerar a modalidade cheque especial, essa taxa média de 10,41%, anualizada, corresponderia a 228,17%. O dado concreto é que o BNDES emprestou R$184 milhões para quem já tem razoável patrimônio, possibilitando a aquisição do controle acionário da CSN, com recursos um tanto subsidiados, a taxa de 18% ao ano.

Com muita honra, concedo o aparte ao nobre Senador Lauro Campos, porque me preocupa essa disparidade que está acontecendo. Gostaria de saber se alguma luz amarela está piscando para a direção do BNDES, para os Ministros do Planejamento e da Fazenda, para o Presidente Fernando Henrique que, na sua despedida do Senado Federal, em dezembro de 1994, falou de seu compromisso com o resgate da justiça em nosso País.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador Eduardo Suplicy, realmente, de algum tempo para cá, passei a duvidar até mesmo da minha mediocridade; minha pouca inteligência não é capaz de acompanhar os passos mágicos desses gênios que aí estão. Entre outras coisas, parece ter deixado mais sombra do que luz na sociedade brasileira o leilão da Light, que, como mostram V. Exªs, foi adquirida, em parte, pela Companhia Siderúrgica Nacional, por meio do empréstimo de R$184 milhões feito pelo BNDES; também o Bndespar, que é o próprio BNDES, compra uma parte significativa das ações da Light. Ou seja, os inteligentíssimos gênios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social vendem e compram ao mesmo tempo. Além disso, gostaria de colocar como contribuição ao discurso de V. Exª que nada mudou - parece - significativamente nos últimos 16 anos neste País. Afirmo isso porque, indagado pela Folha de S.Paulo se era a favor ou contra a privatização, o então Presidente João Baptista de Figueiredo respondeu o seguinte: "Não, não sou contra a privatização. Sou contra a doação das empresas estatais. Vendidas assim, na realidade, estão sendo doadas para grupos que conseguem empréstimos e, depois de três ou quatro meses, vão atrás do Delfim Netto a fim de lhe pedir dinheiro do BNDES para gerir as empresas estatais que eles ganharam". Não é preciso dizer mais nada; V. Exª acaba de mostrar que a Companhia Siderúrgica Nacional consegue um pacote de empréstimos em nove segmentos e agora consegue esse dinheiro às vésperas do leilão, que, naturalmente, foi canalizado para sustentar o leilão da Light, que eles próprios temiam não poder ser levado adiante se não fosse a presença dos vendedores como compradores e dos compradores como financiados pelo BNDES. Parabenizo V. Exª, porque é importantíssimo o seu pronunciamento, que mostra a completa falta de mudança real nos procedimentos de privatização ou de doação de empresas que se verificam no Brasil. Sabemos que, dos cerca de 15 bilhões de patrimônio alienado, apenas 2,4 bilhões foram recebidos até hoje em moeda real, ou seja, 20 vezes menos do que se gasta com o Proer. Ainda se afirma que a quantia de R$1 milhão, proveniente da venda da Light, destinar-se-ia ao pagamento da dívida externa, dívida essa que já se encontra por volta de 130 bilhões. Portanto, esse "milhãozinho" não será suficiente para pagar os juros de uma semana sequer dessa fantástica dívida pública que estamos acumulando. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos.

V. Exª detecta muito bem o comportamento esdrúxulo do Governo, que está contribuindo, com empréstimos a taxas muito mais baixas, com aqueles que estão adquirindo o patrimônio da população.

O Governo não parece ter critérios de eqüidade, não parece ter em vista objetivos que deveriam ser prioritários para o País, como o de alcançarmos uma sociedade caracterizada pela eqüidade, pela justiça.

O Sr. José Eduardo Dutra - V. Exª me concede um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador José Eduardo Dutra.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador Eduardo Suplicy, quero apenas registrar um outro comportamento do Executivo que considero esdrúxulo em relação a esse programa de privatização. As autoridades econômicas têm reiterado que o Brasil está entrando na modernidade e que modernidade significa o afastamento do Estado de toda e qualquer atividade econômica, no sentido de investir nas áreas que lhe são atribuídas: educação, saúde, etc. Engraçado é que essa modernidade, no que se refere ao afastamento do Estado de qualquer atividade econômica, só vale para o Brasil, porque a Light foi vendida para uma estatal francesa; aliás, seguindo o mesmo caminho da Argentina, que vendeu sua empresa de telecomunicações para um consórcio entre as estatais espanhola e francesa. Aí argumentam que as estatais na França têm uma legislação diferente, que lhes dão mais agilidade, mais capacidade de competição. Então, por que não copiar dos franceses essa legislação relativa às estatais, que lhes daria maior agilidade e capacidade de competição? No entanto, faz-se o discurso de que o Estado é que se deve afastar. Enquanto isso, o Estado e as empresas estatais de outros países vêm e compram estatais do Brasil. Inclusive, um dos possíveis compradores da Companhia Vale do Rio Doce é a Nippon Steel, empresa japonesa, que, por acaso, também é estatal. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - V. Exª registra com muita propriedade a incongruência do Governo ao dizer que está promovendo a privatização da Light quando, na verdade, vende o controle da mesma principalmente para uma empresa estatal francesa.

Seria o caso de se refletir por que razão a empresa estatal francesa funciona melhor, para visualizarmos a possibilidade de a empresa, aqui, no Brasil, administrar bem a Light. Considerei estranha também a observação do Ministro José Serra, segundo a qual agora a Light será administrada por quem entende de eletricidade.

Ora, será então que os administradores atuais da Light, designados seja pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, que é a base de sustentação do Governo Fernando Henrique Cardoso, seja pela Eletrobrás, não sabem administrar empresa de eletricidade? Isso me parece extremamente estranho!

Sr. Presidente, fico pensando qual será o caminho. Os diretores da CSN afirmam que não usaram o dinheiro do BNDES propriamente para essa compra do controle acionário da Light. Mas uma vez que o dinheiro entrou, há duas semanas, no caixa da Companhia Siderúrgica Nacional, e sendo R$184 milhões, mais do que os R$160 milhões que foram usados no leilão - como informa o Senador Jefferson Péres, dinheiro não tem carimbo -, obviamente que aqueles recursos viabilizaram a participação da CSN na compra da Light.

Desta tribuna, meu propósito é chamar a atenção das autoridades. Será que, com procedimentos dessa natureza, o Governo conseguirá melhorar a distribuição de renda e de riqueza? Meu diagnóstico é o de que, através de procedimentos como esse, o patrimônio do País está se concentrando ainda mais nas mãos de quem já detém grande parte dele.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/1996 - Página 8658