Discurso no Senado Federal

PRESSÃO SOBRE O CONGRESSO NACIONAL VISANDO CELERIDADE NA APROVAÇÃO DO NOVO CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.:
  • PRESSÃO SOBRE O CONGRESSO NACIONAL VISANDO CELERIDADE NA APROVAÇÃO DO NOVO CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/1996 - Página 8713
Assunto
Outros > CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO.
Indexação
  • ANALISE, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI, CODIGO NACIONAL DE TRANSITO.
  • NECESSIDADE, LEGISLAÇÃO, TRANSITO, REDUÇÃO, MORTE, INVALIDEZ, IMPUNIDADE, MELHORIA, PREVENÇÃO, ACIDENTE DE TRANSITO, EDUCAÇÃO, ATUALIZAÇÃO, TECNOLOGIA, TRAFEGO.
  • ANALISE, ARTIGO, PROJETO, DESCENTRALIZAÇÃO, CONTROLE, AMBITO, PREFEITURA MUNICIPAL, DEFINIÇÃO, DELITO, TRANSITO, OMISSÃO, VIGILANCIA, LIMITE DE IDADE, HABILITAÇÃO, DEFESA, ENSINO, DIREÇÃO, PROPOSTA, RESOLUÇÃO, CONSELHO NACIONAL DE TRANSITO (CONTRAN), VISTORIA, VEICULO AUTOMOTOR, INSPEÇÃO, OBJETIVO, SEGURANÇA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE.

              O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cresce em toda a sociedade a pressão em favor de que o Congresso Nacional discuta e vote o novo Código de Trânsito Brasileiro.

              Procedentemente, portanto, Deputados e Senadores têm, com renovada freqüência, ora reclamado das tribunas do Parlamento, ora transmitido apelos às Mesas Diretoras do Poder Legislativo, visando ao devido encaminhamento das numerosas e já aflitas reivindicações que, naquele sentido, aqui aportam diariamente.

              Pois, na verdade, a proposição tramita nesta Casa desde 1994 e, não obstante a sua complexa temática, no mínimo aparenta, à população, que os parlamentares não a têm estudado com a celeridade e o interesse que, de hábito, nos merece a função precípua da elaboração legislativa.

              Veja-se que o parlamentar paulista Beto Mansur, Relator do novo Código, historiando a sua tramitação na Câmara dos Deputados, consignou que a Comissão Especial, examinando o projeto com seus mais de trezentos artigos, chegou ao texto definitivo somente depois de estudar profundamente a legislação pátria e forânea, e de promover dezenas de reuniões com técnicos e outros especialistas em questões de trânsito.

              Com inteiro conhecimento do problema, acredita o Deputado que a falta "de uma lei mais rígida para o trânsito no Brasil" tem acarretado "muita impunidade e muita morte" nas ruas e estradas de todas as unidades da Federação, nelas estabelecendo um clima de terror, conseqüência que poderia ser pelo menos minimizada, caso estivesse em vigor o novo Código.

              Esclarece que informações oficiais calculam a ocorrência média de cinqüenta mil mortes no trânsito, anualmente, sendo que sessenta por cento, ou trinta mil delas, correspondem às vitimas de atropelamentos nas cidades, onde o trânsito é caótico, e nas rodovias, caracterizadas pelo péssimo estado de conservação e pela falta de sinalização e de fiscalização eficientes.

              No imenso território brasileiro, registram-se, a cada ano, setecentos mil acidentes de trânsito, deixando trezentas mil vítimas, quantidade dez vezes maior do que a alcançada nos Estados Unidos da América, causando um prejuízo estimado em quatro bilhões de dólares.

              São a principal causa da morte de jovens e crianças, da ocupação dos leitos hospitalares, da invalidez permanente e da elevação dos custos do sistema público de seguridade social. No entanto, a lei ultrapassada, ineficaz e benevolente tem ensejado a multiplicação do número de motoristas irresponsáveis, que provocam acidentes fatais e permanecem impunes.

              Em contundente depoimento, o Deputado narra que um motorista, dirigindo em altíssima velocidade, atropelou uma senhora e sua filha de colo, que atravessavam, na faixa de pedestres, uma certa rua da cidade de São Vicente, no Estado de São Paulo. Em fuga, sem ter prestado socorro às vítimas, terminou preso e autuado em flagrante.

              Apesar disso, e valendo-se da fragilidade da legislação vigente, pagou fiança irrisória, recebeu de volta a sua carteira de motorista e, de imediato, saiu dirigindo o seu automóvel, como se nada tivesse acontecido, nem mesmo a fatal tragédia que causara irresponsavelmente.

              Conclui, daí, o Deputado Beto Mansur, que dramas dessa triste espécie não se repetiriam em milhares de outras cidades brasileiras, caso estivesse em vigor o novo Código, muito mais rigoroso na oposição à violência do trânsito.

              Por isso, o projeto deve ser discutido e votado prontamente, a fim de dotar o País de uma lei moderna, que possa reduzir a níveis irrisórios a impunidade, e abrigar a população da sanha criminosa dos maus condutores de veículos.

              A nova legislação deverá contribuir, também, para a melhoria da educação no trânsito, e para que se adotem novas tecnologias, se atualizem os métodos de engenharia aplicados às ruas, avenidas e estradas de todo o País. Os veículos, hoje, desenvolvem maior velocidade com mais segurança, exigindo a modernização das vias de tráfego de grande parte das cidades.

              Outra de suas inovações contempla o que seria a descentralização do controle de trânsito, de modo a permitir que essa tarefa possa ser exercida pelas prefeituras. Como acontece hoje, na medida em que esse controle é feito pelos governos estaduais, quase nada sobra para os Municípios -- onde afinal acontece o tráfego dos veículos -- do produto da arrecadação de multas e de outras receitas do setor.

              O Projeto de Lei da Câmara nº 73, de 1994, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, produzirá mudanças de significativa importância para o aperfeiçoamento e adequação das normas especificas à realidade das ruas e estradas, sanando problemas, eliminando riscos e promovendo a segurança, assim reduzindo o número exorbitante de vítimas fatais e de inválidos.

              O Anuário da Organização Mundial de Saúde, a propósito, classifica o trânsito no Brasil como o quarto mais perigoso do mundo, e o de maior taxa de mortalidade por acidente desse tipo em todo o mundo. Números levantados pela Confederação Nacional de Transportes, a sua vez, registram 18,5 mortes para cada grupo de dez mil veículos trafegando nas rodovias nacionais. Para certificar o absurdo da proporção, compara essa taxa com a verificada nas estradas da Austrália, de 3,1; da Alemanha, de 2,8; dos Estados Unidos, de 2,6; e do Japão, de 1,8 mortes por dez mil.

              Numa outra forma de demonstração do estado crítico do trânsito no Brasil, aqui ocorrem quinze mortes a cada vinte e quatro horas, ou mais de cinqüenta mil, anualmente, como se disse, deixando trezentos mil feridos e mutilados.

              A maioria dos especialistas acredita que as medidas condensadas no projeto do novo Código venham a humanizar o trânsito, contribuindo para a redução e prevenção dos acidentes. Nesse sentido influem as disposições que visam à responsabilidade civil e criminal dos infratores, pelos prejuízos que provocarem a terceiros.

              Cuidado especial merecerá, por certo, o transporte coletivo, especialmente o destinado à condução de escolares e trabalhadores, promovendo-se no sistema educacional a obrigatoriedade das aulas de educação para o trânsito, ao lado de noções sobre a preservação do meio ambiente, submetido à poluição sonora e do ar, provocada pelos veículos.

              Como se sabe, a frota nacional de veículos automotores aumenta a cada ano. O maior número de carros, associado à tão comum desregulagem dos motores, têm contribuído para a elevação do nível de ruídos e para a produção de gases poluentes, que reduzem a qualidade de vida da população, vítima final dos problemas da audição e das doenças pulmonares.

              Deve-se registrar, a esse respeito, que o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN examina, independentemente do novo Código, proposta de resolução que objetiva disciplinar as vistorias dos veículos, sejam automóveis, utilitários, motocicletas, ônibus ou caminhões, tendo em vista a melhoria de sua movimentação nas ruas, avenidas e estradas.

              Pois, se é certa a existência dos maus motoristas, que desobedecem os regulamentos e excedem a velocidade permitida, em verdade muitos veículos trafegam com pneus sem condição de segurança, com as luzes queimadas e com defeitos mecânicos que impedem a sua movimentação em segurança.

              Assim, a resolução em estudo intenta a criação de programa de inspeção de segurança, ruídos e emissão de gases dos veículos automotores, obedecendo a normas uniformemente estabelecidas para todo o País. A vistoria, de caráter simplificado, seria realizada pelas repartições de trânsito, compreendendo sobretudo itens de segurança, funcionamento dos dispositivos de sinalização e de iluminação, e dos equipamentos obrigatórios.

              A medida, ao lado do novo Código de Trânsito Brasileiro, contribuirá, sem dúvida, para reduzir os acidentes e para a preservação do meio ambiente, dado que, hoje, as vistorias limitam-se à visualização do veículo, pois os órgãos encarregados do controle e fiscalização do tráfego, na maioria das cidades, não dispõem de condições materiais e técnicas para o desempenho de suas relevantes tarefas.

              À Comissão Especial que estuda o novo Código chegam, quase todo dia, não apenas críticas ao que seria uma indesejável lentidão no exame do tema, de evidente complexidade, conforme assinalamos. Chegam, também, contribuições valiosas, de variada origem, e depoimentos técnicos que não podem ser desprezados, adiando, conseqüentemente, a decisão final do Senado da República sobre o assunto.

              O Desembargador Geraldo Lemos Pinheiro, com a autoridade de co-autor do projeto, por exemplo, discorda "que os rachas, cavalos-de-pau, ultrapassagens pelo acostamento, empréstimos de carros a pessoas não habilitadas e outros erros do cotidiano" não sejam mais do que motivo de multas, no texto do novo Código. No seu entender, essas e outras graves irregularidades devem "ser tratadas como crimes, e punidas com todo o rigor da lei."

              Esse é também o entendimento do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que defendeu mudanças no projeto, objetivando reforçar as punições a motoristas imprudentes. "Nós temos que mudar nossa atitude de condescendência", disse o Chefe da Nação, "pois a impunidade, nessa matéria, é alentadora de novos acidentes".

         "As vítimas, na maior parte das vezes, não são as responsáveis; quem sofre não é necessariamente quem está conduzindo. É um outro carro que vem e abalroa, é um comportamento -- eu diria uma palavra dura -- criminoso. E, nesse caso, tem que ser punido, tem que haver punibilidade."

              A resposta punitiva, nesses casos, correspondendo ao nível da ameaça, ou dano, "seria a principal arma para diminuir o número de mortos e feridos do trânsito brasileiro", avalia o Desembargador Pinheiro. Observa, quanto a isso, que no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais já estão previstas as sanções para várias infrações de trânsito.

              Reforça a sua argumentação exemplificando que "o acidente de trânsito é crime culposo, como é culposa a prática de um engenheiro que faz mal os cálculos de um edifício e derruba o prédio; como é a de um médico que opera enganosamente e mata o doente."

              Conquanto o projeto não tenha acolhido essas sugestões, apresenta como novidade o fato de integrar o delito culposo, na condução de veículos, na parte específica do Código, que deve conter, num capítulo especial, todo um elenco de infrações criminais relacionadas com o trânsito. Assim, mediante a aplicação de sanções mais severas e cumulativas, espera-se inibir a direção perigosa, o comportamento agressivo ou até mesmo criminoso de certos motoristas.

              Cria-se, portanto, a alternativa de aplicação simultânea das penas de prisão, multa e perda de direitos, enquanto que, atualmente, as sanções são de um só desses tipos. Essas disposições têm sido censuradas, a partir de uma avaliação que as considera muito drásticas. Contudo, esse posicionamento não leva em conta que à penalização mais severa há de corresponder a infração de alta periculosidade, a critério do juiz.

              Para contornar eventual demora no curso do processo, que na área penal costuma demorar de dois a cinco anos, o novo Código institui método de acelerar o procedimento, com a previsão dos juizados especiais de trânsito, a serem criados com a aprovação da lei. Esses órgãos, na medida em que possam assegurar maior rapidez às sentenças, anulam uma possível impunidade do infrator, que está sempre relacionada à demora dos julgamentos.

              Outro ponto contestado relaciona-se à definição de delito de trânsito, tal como sugerida pelo Desembargador Geraldo Lemos Pinheiro, e não recepcionada pela comissão elaboradora do projeto. Pretendia-se, por exemplo, que a omissão de vigilância na guarda do veículo não fosse apenas tipificada como infração administrativa. Sendo infração criminal, enquadraria o pai ou responsável que empresta conscientemente o carro para o menor sem habilitação, e que, no caso de acidente, vem alegar à Justiça o furto das chaves ou o fato de ter sido de alguma forma enganado.

              Rejeitada, por igual, foi a proposta de se considerar como crime, independentemente de causarem vítima ou não, aquelas infrações, afinal apenadas tão-somente com multa, cometidas pelos que promovem ou participam de corridas de rua, evento marcadamente perigoso para os que dirigem e para os que assistem à "brincadeira", muitas vezes mortal.

              Esses "rachas", como são conhecidos, envolvem geralmente a participação de menores de idade, que, à luz do novo Código, poderão habilitar-se como motoristas apenas aos dezoito anos, segundo consta. Melhor seria, como propunha o Desembargador, estabelecer esse limite aos dezesseis anos, como aliás prevê iniciativa já aprovada pela Câmara dos Deputados, pois o jovem, a partir dessa idade, já está autorizado a pilotar aviões e jet skis, que são, sem dúvida, veículos muito mais perigosos do que os automóveis.

              O projeto cria a habilitação provisória, com duração de um ano, para os novos motoristas, que, demonstrando bom desempenho e não cometendo infrações graves, credenciam-se ao recebimento da carteira definitiva. Por outro lado, as multas podem chegar ao equivalente a mil e quinhentos dólares, em caso de reincidência na prática de infrações gravíssimas, como a de dirigir após ter a habilitação cassada.

              Como se requeria, a proposição é rigorosa com os infratores, estabelecendo multas de tão maior valor quanto mais grave se caracterizar a infração. Além disso, fixa um sistema de pontuação averbada no prontuário do motorista, segundo o qual o cometimento de infração grave corresponde a cinco pontos, as médias a quatro pontos e as leves a três pontos. Atingindo o limite de vinte pontos, num ano, o motorista fica sujeito à penalidade de multa extraordinária.

              A realização de cursos de direção defensiva, que antecede o exame de habilitação de motoristas, como é feito pelo DETRAN da Capital da República, passa a ser exigido nacionalmente. Esses cursos lecionam prevenção de acidentes, técnicas de defesa ante manobras de risco e primeiros socorros.

              Por fim, transfere-se para a alçada municipal os encargos de fiscalizar a circulação de veículos e de administrar os estacionamentos, delegando à autoridade estadual de trânsito as tarefas de licenciamento dos veículos e de habilitação dos motoristas.

              O novo Código de Trânsito Brasileiro resume disposições que visam, objetivamente, a tirar do País o vergonhoso título de "campeão mundial de acidentes de trânsito". Frente à apontada estatística, que debita ao Brasil a ocorrência de cinqüenta mil mortos e trezentos mil feridos do trânsito, a cada ano, e convocado a aproximar a nossa legislação específica à vigorante no Primeiro Mundo, o Senado Federal, com certeza, concluirá proximamente o exame e final aprovação do Projeto de lei da Câmara nº 73, de 1994.

              Vamos concluir, Sr. Presidente, esta nossa breve intervenção, advertindo que o terror sobre rodas, alimentado em regulamentação estabelecida há mais de três décadas, terá, em breve, o seu fim decretado, com a aprovação do novo Código de Trânsito Brasileiro.

              Esse Código, decerto, não irá nascer, por si só, com o poder mágico de solucionar, de pronto, os múltiplos problemas que nessa área atormentam o nosso País, e que há muito requerem, como vimos, o enfrentamento consciente da sociedade, no seu conjunto.

              Trata-se, apenas, do passo inicial de um longo e decisivo processo, visando, entre outros altos objetivos, a reverter a realidade cruel e ameaçadora com que nos defrontamos, de sorte a reduzir os acidentes, a assegurar a qualificação dos condutores de veículos, a humanizar o tráfego das grandes cidades, a garantir a segurança de tantos quantos se movimentam nas ruas e rodovias da Nação gigante.

              Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/1996 - Página 8713