Discurso no Senado Federal

PROTESTOS DE S.EXª QUANTO A TOTAL FALTA DE TRANSPARENCIA COM QUE TEM SIDO CONDUZIDO O PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO - PROER. DISCUSSÃO SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • PROTESTOS DE S.EXª QUANTO A TOTAL FALTA DE TRANSPARENCIA COM QUE TEM SIDO CONDUZIDO O PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO - PROER. DISCUSSÃO SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1996 - Página 8966
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FALTA, INFORMAÇÃO, SOCIEDADE, FORMA, LIBERAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).
  • DEFESA, IMPORTANCIA, REGULAMENTAÇÃO, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. GILBERTO MIRANDA (pmdb-am) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos meses, tem-se assistido a uma sangria inaudita de recursos públicos, que migram em direção ao sistema financeiro nacional sob os auspícios do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro, o famoso PROER. Em perfeita sintonia com a estação do ano em que nos encontramos, vários bilhões de reais rodopiam em redemoinhos desvairados, como folhas secas animadas pelo vento outonal. Lamentavelmente, não se sabe, ao certo, quantas são essas folhas nem para onde se destinam. Tudo está envolto numa aura de mistério e de desinformação, que mais combinaria com o outono das regiões temperadas, em que são comuns dias escuros, de céu cinzento; não com o firmamento límpido e leve de Brasília, que clama por claridade.

Quero criticar, neste discurso, não a existência de um programa de auxílio à reestruturação dos bancos, tal qual o PROER, mas sim a falta total de transparência com que tem sido conduzido até o momento.

Não resta dúvida de que algo como o PROER se fazia necessário, desde o instante em que a superinflação foi debelada em nosso País. Sabe-se que o sistema financeiro, juntamente com nosso Governo de receitas indexadas, era o grande sócio da inflação. Enquanto o setor produtivo da economia ia para o brejo, atolado pela inflação alta, os bancos prosperavam, entre outras razões, por conta dos recursos do floating: dinheiro dos depósitos à vista dos correntistas, cujo valor real, sendo corroído pela inflação, era apropriado pelos bancos, que o emprestavam a juros. Lucro alto, fácil e garantido.

Diminuídas as taxas inflacionárias para patamares mais civilizados, era natural que os bancos se ressentissem da falta de alguns bilhões de dólares que anualmente lhes eram carreados pelo processo descrito. Certamente, causou espécie a fragilidade de alguns bancos cuja má administração era encoberta pelas receitas inflacionárias. Isso sem falar nas falcatruas em que outros se vinham envolvendo há anos e que a estabilidade monetária ajudou a detectar. Além do mais, há graves suspeitas que pairam sobre a área de fiscalização do Banco Central e sobre o comportamento de autoridades do primeiro escalão do Governo.

Mas fato é que nenhum país do mundo permite que grandes bancos quebrem, por medo de que um problema localizado evolua para uma crise de confiança no sistema bancário, o que, por sua vez, teria o efeito de paralisar o sistema de pagamentos da economia, acarretando prejuízos incalculáveis para as empresas e para a sociedade em geral.

Portanto, se perguntado a respeito da necessidade de ajuda a bancos de grande porte com problemas patrimoniais ou de liquidez, eu responderia que sim, decerto não há como cometer a irresponsabilidade de deixar o setor financeiro a sua própria sorte quando se corre o perigo do desencadeamento de uma crise de confiança sistêmica.

Entretanto, -- e este é o ponto que quero defender, -- não se pode torrar bilhões e bilhões de reais nesse processo sem qualquer controle da sociedade e das instituições políticas dela representativas. Devemos todos ter pleno conhecimento de onde está sendo empregado cada centavo desses recursos, com que finalidade, em quais condições. A democracia, Senhor Presidente, exige transparência nas ações dos agentes públicos, controle social sobre os atos de governo, não menos quando estão envolvidos dezenas de bilhões de reais do contribuinte. Caso se agreguem às despesas com o PROER o dinheiro já gasto com os bancos estaduais e com o Banco do Brasil, alguns calculam 20 bilhões, outros 30, não se sabe ao certo.

Digo que os recursos que formam o PROER são dinheiro do contribuinte, porque verdadeiramente o são. O Governo, para tornar o PROER mais palatável aos olhos da Nação, tem divulgado a versão segundo a qual o PROER seria formado por dinheiro do depósito compulsório dos bancos comerciais junto ao Banco Central e, portanto, por ativos do próprio sistema financeiro privado.

Nada mais longe da realidade. Pois os empréstimos do PROER são operações ativas do Banco Central que implicam expansão da base monetária e que não diminuem em nada os direitos dos bancos comerciais contra o Banco Central em relação aos recursos recolhidos como depósito compulsório. Ou seja, não há relação entre o dinheiro do PROER e os depósitos compulsórios. Como se diz por aí, uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. Os empréstimos do PROER, eventualmente, até podem ser recuperados no futuro, caso os bancos mutuários honrem seus compromissos com o Banco Central, mas sobre o dinheiro do PROER constituir recursos públicos não resta a menor dúvida.

Todas as incertezas que pairam sobre a condução do PROER, Senhor Presidente, poderiam ter sido dissipadas caso a CPI dos Bancos tivesse sido efetivamente instalada. Lamentavelmente, tal comissão foi bombardeada pelos aliados do Governo, que a temiam. A meu ver, não se justificavam os receios dos governistas no sentido de que a CPI pudesse redundar em instabilidade grave do sistema financeiro nacional.

Pois quem tem força para barrar uma investigação parlamentar apoiada pela maioria da população brasileira, como mostram algumas pesquisas de opinião pública, naturalmente também teria força para colocar, na presidência e na relatoria da natimorta CPI, pessoas de sua confiança e de discernimento suficiente para conduzir a comissão de forma responsável. É assim pena que o Governo tenha optado pela obscuridade.

No Japão, cujas receitas anuais do Governo Central equivalem a todo o PIB brasileiro, a ajuda governamental de 6 bilhões de dólares aos bancos que operam no mercado imobiliário provocou uma virtual paralisação do Poder Legislativo, inconformado com a sangria de dinheiro público. No Brasil, país muito mais pobre em recursos, destinar 20 ou 30 bilhões de dólares aos bancos, de forma pouco transparente, parece não ser muito grave.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos ainda de avançar muito se quisermos dotar o Brasil de um sistema financeiro sólido, confiável, eficiente e responsável. O Banco Central, naturalmente, tem um papel fundamental a cumprir nesse quadro que queremos alcançar, devendo ser apropriadamente reformulado na sua institucionalidade. As iniciativas, as idéias e os projetos para a regulamentação do artigo 192 da Constituição, que trata do sistema financeiro, constituem o primeiro passo nessa direção.

Há projetos, em circulação no Congresso, de autoria do PMDB, de deputados do PT, do deputado Francisco Dornelles com a colaboração do ex-deputado César Maia, do deputado Antônio Kandir. Enfim, a discussão sobre a regulamentação do sistema financeiro já está madura para uma decisão do Congresso a esse respeito.

Por exemplo, há de se aperfeiçoar o sistema de fiscalização governamental das instituições financeiras. Essas devem ser tratadas como entidades semipúblicas, uma vez que sua má gestão inevitavelmente acaba por provocar gastos do dinheiro do contribuinte em sua capitalização, como demonstram os fatos recentes.

Seria outrossim conveniente que o Banco Central pudesse caminhar em direção a maior independência, gozando seu presidente e seus diretores de mandatos fixos, para que a entidade estivesse a salvo de pressões políticas espúrias. Todavia, uma maior independência do banco teria de ser precedida de uma verdadeira limpeza no cipoal de leis, decretos, portarias e resoluções do Conselho Monetário Nacional que permitem ao Banco Central imiscuir-se nos mais variados setores da vida econômica nacional. Até em sorteios e em consórcios o Banco Central se mete, o que não é papel digno da autoridade monetária.

Num novo estatuto para o BACEN, essa entidade teria de ser responsável apenas pelas taxas de juros e pela base monetária, talvez a fiscalização bancária, caso se julgasse necessário, e nada mais. Em outras palavras, função do Banco Central: condução da política monetária com o objetivo de preservar o poder aquisitivo da moeda nacional. Ponto.

Finalmente, gostaria de reiterar que não concordo e não compactuo com a falta de transparência envolvida na liberação dos recursos do PROER. Como disse e repito, são dezenas de bilhões de dólares. Não há como não pensar que o Governo está sendo irresponsável e perdulário. Não temos elementos claros o suficiente para formar juízo diverso.

Estão aí as sérias dificuldades experimentadas por setores da indústria nacional em face da maior concorrência estrangeira. Esta aí o desemprego em alta, a exigir recursos para realocação de mão-de-obra. Esta aí a Saúde mendigando um famigerado imposto do cheque para ver se consegue arrecadar mais 3 bilhões de reais este ano. Enquanto isso, o Governo promove um festival de mais de 20 bilhões de reais, com o dinheiro do contribuinte, para destiná-los a bancos falidos e incompetentes, de uma maneira totalmente nebulosa.

Como diria Hamlet, há algo de podre no reino da Dinamarca.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1996 - Página 8966