Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ESTUDO ENCOMENDADO PELO MINISTERIO DA SAUDE, E DIVULGADO PELOS ORGÃOS DA IMPRENSA, SOBRE A MANIPULAÇÃO QUIMICA NA FABRICAÇÃO DE CIGARROS PELAS INDUSTRIAS NACIONAIS.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TABAGISMO.:
  • COMENTANDO ESTUDO ENCOMENDADO PELO MINISTERIO DA SAUDE, E DIVULGADO PELOS ORGÃOS DA IMPRENSA, SOBRE A MANIPULAÇÃO QUIMICA NA FABRICAÇÃO DE CIGARROS PELAS INDUSTRIAS NACIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1996 - Página 8968
Assunto
Outros > TABAGISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DIVULGAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, CRIME, EMPRESA DE FUMO, ADIÇÃO, AMONIA, TABACO EM FOLHA, FABRICAÇÃO, CIGARRO, PAIS, AUMENTO, VICIO, USUARIO.

              O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são mais do que conhecidos os malefícios que o fumo traz à saúde. Cada cigarro consumido representa um tempo a menos na vida do fumante, e o Ministério da Saúde tem continuamente alertado a população brasileira para as inúmeras doenças provocadas por esta fumaça assassina, entre elas o câncer pulmonar.

              Malgrado os conselhos e os avisos dos médicos, ainda existe no País uma imensa legião de fumantes, brasileiros que, pelo prazer duvidoso de uma tragada, assumem riscos inconcebíveis e se deixam enredar cada vez mais no perigoso vício. São suicidas em potencial que votam olímpico desprezo às estatísticas e que não vêem nenhuma reação deletéria no cigarro que consomem. Para eles, o cigarro perigoso é o que está nos lábios alheios.

              Não satisfeita em já ter sob seu tacão milhões e milhões de brasileiros, mantendo-os acorrentados ao vício maldito, a indústria do fumo começa a se utilizar de métodos criminosos para aumentar a dependência do fumante. Estudos recentes realizados pelo Ministério da Saúde indicam claramente que a juventude não se deixou seduzir pelo cigarro e encara até com asco aqueles que o usam nas suas proximidades. As campanhas de esclarecimento público desenvolvidas pelo Governo Federal alertando para os males provocados pelo fumo e a marginalização que vem sendo imposta ao fumante, vedando-lhe o consumo de cigarros nos aviões, restaurantes e recintos fechados assustaram a indústria da fumaça. Não tendo registrado o ingresso de fumantes jovens no contingente anteriormente açambarcado, a indústria do cigarro inventou uma tecnologia macabra para impedir que aqueles que já tivessem sido engolfados pelo vício jamais o abandonassem.

              E como a indústria do fumo está mantendo o seu exército de fumantes irreversíveis? Simplesmente, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, criando artifícios químicos para que a dependência do viciado em relação ao cigarro aumente numa proporção aterradora. O fumante atual está sendo sadicamente compelido a fumar por ele e por aqueles que se recusaram a participar do festival da fumaça.

              A indústria do cigarro está praticando um crime contra a população brasileira. As diversas empresas que operam no mercado constituíram-se num macabro cartel, aumentando seus lucros e dobrando o número de cruzes nos cemitérios.

              Em estudo encomendado pelo Ministério da Saúde e que mereceu ampla divulgação por parte de dois prestigiosos órgãos da imprensa brasileira, O GLOBO e VEJA, revela-se que o cigarro brasileiro não é mais um veneno que mata lentamente. Agora ele aniquila rapidamente a sua vítima, já que o produto passou a sofrer uma série de manipulações químicas, com o propósito de manter o usuário na total dependência. Os teores de nicotina e alcatrão utilizados na fabricação do cigarro nacional estão acima dos padrões aceitáveis em países do Primeiro Mundo e, mais grave do que isso, a indústria aumentou a presença da amônia, facilitando a absorção da nicotina e fortalecendo a dependência do viciado.

              Desgraçadamente, Sr. Presidente, Srs. e Srªs Senadoras, os efeitos nocivos desse genocídio químico irão se refletir com incidência maior sobre as classes menos favorecidas da população, aquelas que consomem os cigarros chamados populares e que são justamente os que contêm maior percentagem de substâncias assassinas. O maço de Derby K. Size, um dos mais baratos da praça, é um matador em potencial. Cada um desses cigarros, a marca mais comercializada no Brasil, tem 1,10 mg de nicotina, três vezes mais do que o nível a partir do qual se cria definitivamente a dependência.

              Os desempregados, os cidadãos de salário mínimo, os fumantes "se me dão", os desesperados que vêem imagens de grandeza numa espiral de fumaça, os desafortunados, os que passam pela vida sem jamais tê-la vivido, são esses os infelizes consumidores do veneno que o cartel do diabo está impondo à população brasileira. Para eles, não haverá hospital especializado para salvá-los das garras do câncer. Morrerão na dor.

              Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a denúncia do Ministério da Saúde contra os abusos da indústria do fumo é da maior gravidade e deve ser encarada com a seriedade que ela merece. É uma hipocrisia afirmar-se que o fumante inveterado conhece os malefícios do cigarro e se insiste em manter o vício é porque não tem nenhum apreço pela vida. Digo que é hipocrisia porque, nesse caso, o cidadão está sendo criminosamente enganado pelos seus fornecedores. Não estamos mais falando de suicídio coletivo. Falamos, sim, de assassinato em massa.

              Dessa hecatombe, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não escapam nem aqueles que nunca colocaram um cigarro na boca. O polvo assassino abraça a todos - fumantes e não fumantes - com seus tentáculos malignos. Não se trata de figura de retórica ou de violenta manifestação antitabagista. O relatório do Ministério da Saúde afirma que o consumidor do Derby leva para seu pulmão 17,10 mg de alcatrão a cada cigarro utilizado. Os fumantes passivos - aqueles que se encontram nas imediações -, recebem uma carga de 40,46 mg de alcatrão por cigarro.

              Não sou fumante e nem nunca fui, mas respeito aqueles que sentem prazer quando tragam o seu cigarro. Trata-se de uma opção de vida, ou de morte, não importa. O que necessariamente importa é que não posso me manter omisso e indiferente quando a indústria do cigarro, através da manipulação criminosa das substâncias químicas que usa em seu produto final, continue a agredir impunemente o meio ambiente e a colocar em risco a vida dos brasileiros, fumantes ou não fumantes.

              Em nome desse raciocínio, decidi elaborar projeto de lei que apresentarei no decorrer dos próximos dias ao Senado Federal, obrigando a indústria do fumo a produzir cigarros com teores de nicotina e alcatrão idênticos aos dos padrões internacionais.

Só assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conseguiremos impedir que este País seja destruído por uma cortina de fumaça.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1996 - Página 8968