Pronunciamento de Romeu Tuma em 28/05/1996
Discurso no Senado Federal
PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. EM SIMPOSIO REALIZADO NO ULTIMO DIA 31, NA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA, ACERCA DA MODERNIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE TRANSPLANTES.
- Autor
- Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
- Nome completo: Romeu Tuma
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
SAUDE.:
- PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. EM SIMPOSIO REALIZADO NO ULTIMO DIA 31, NA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA, ACERCA DA MODERNIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO SOBRE TRANSPLANTES.
- Publicação
- Publicação no DSF de 29/05/1996 - Página 8993
- Assunto
- Outros > SAUDE.
- Indexação
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- COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SIMPOSIO, ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA (EPM), RELAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.
- ADVERTENCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO, POSSIBILIDADE, INTERFERENCIA, LIBERDADE, CIDADÃO, DECISÃO, DOAÇÃO, ORGÃOS.
O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das áreas mais sensíveis da Medicina em nosso País é, sem sombra de dúvida, a dos transplantes. Trago de meu Estado notícias que acredito oportunas, neste momento em que o Congresso brasileiro busca definir regras para a doação e extirpação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de transplante.
Lembro que, nesta Casa, discutem-se os projetos da Senadora Benedita da Silva, do Senador Darcy Ribeiro e do Relator Lúcio Alcântara, que apresenta um substitutivo.
Tive a honra de participar, no dia 13 do corrente mês, na Escola Paulista de Medicina, de expressivo simpósio promovido e organizado pelo Núcleo de Estudos Estratégicos em Saúde daquela faculdade, que enobrece a Universidade Federal de São Paulo por integrá-la. Na presença do Magnífico Reitor da UNIFESP, Professor Doutor Hélio Egydio Nogueira, coube-me falar sobre "Aspectos Legislativos", no âmbito de um tema geral que era a "Modernização da Legislação sobre Transplantes de Órgãos". Os "Aspectos Éticos" foram analisados pelo Professor Doutor Gabriel Oselka, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e os "Transplantes de órgãos no Estado de São Paulo", pela Doutora Maria Cecília Corrêa, que representava o ilustre Secretário Estadual da Saúde, Doutor José da Silva Guedes. Seguiram-se uma mesa-redonda e debates, dos quais participaram também os professores doutores Rubens Belfort Júnior, Chefe do Departamento de Oftalmologia daquela Escola; José Osmar Medina Pestana, Diretor-Clínico do Hospital São Paulo; Alfredo Inácio Fiorelli, Coordenador da Central de Transplante da Secretaria de Estado de Saúde do Estado de São Paulo; e Ênio Buffolo, Chefe da Disciplina de Cirurgia Cardiovascular da Escola Paulista.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois de delinear um panorama do que está em andamento no Congresso Nacional relativamente ao assunto, fiquei surpreso com as palavras dos demais participantes, merecidamente reconhecidos como autoridades no assunto, que foram unânimes em afirmar que a legislação vigente atende às necessidades legais e éticas na área dos transplantes. E também unânimes em considerar que a atual realidade brasileira não combina com uma mudança legal que transforme os brasileiros em doadores natos. Isto é, que transforme todos nós em doadores até manifestação individual em contrário. Acreditam que isso constituiria uma inversão na ordem natural das coisas, violando princípios morais e éticos e trazendo mais entraves que incentivos à admirável atividade de salvar vidas humanas através de transplantes de órgãos e tecidos.
Alguns desses especialistas excetuam desse entendimento a doação de córneas, que pode ser feita horas após o óbito, como acontece, por exemplo, em alguns estados norte-americanos, onde, independentemente de autorização familiar, todas as autópsias realizadas em tempo competente envolvem a retirada de córneas, juntamente com os órgãos necessários à perícia médico-legal ou aos exames anatomopatológicos. Finalmente, aqueles médicos apontam outro rumo como o correto nas atuais circunstâncias, ou seja: o Poder Público deve concentrar esforços para implementar uma infra-estrutura condizente com as necessidades nacionais de meios para realizar mais transplantes e não apenas aumentar as doações, pois estas já existem em potencial adequado. O que não existe são recursos técnicos - equipamentos, meios de transporte, instalações e pessoal quantitativamente à altura das possibilidades de coleta e aproveitamento dos órgãos e tecidos disponíveis.
Segundo o Coordenador da Central de Transplante da Secretaria de Estado de Saúde, São Paulo poderia dispor já, com a atual legislação, de três mil doadores por ano, número mais que condizente com as atuais necessidades nacionais. Ele e os demais especialistas revelaram as gritantes deficiências de que se ressente o setor para, em boas condições técnicas e em tempo hábil, suscitar a doação, retirar os órgãos doados e levá-los até o receptor.
Essa é a realidade. De nada adiantaria somente aumentar o número de doadores, sendo que deficiências e empecilhos continuariam a existir, dificultando e tornando inseguro o aproveitamento dos órgãos e tecidos doados.
Sr. Presidente, é isto o que agride a Constituição, pois, no seu art. 199, § 4º, diz a nossa Carta Magna:
"A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização." (Grifo nosso)
Relativamente ao transplante de córnea, hoje considerado como cirurgia mais fácil que a de catarata, ressaltou-se que, para aprimorar a legislação, dever-se-ia, sim, permitir a coleta por pessoal não médico, mas qualificado para esse mister, como os auxiliares de autópsia, os paramédicos e outras atividades afins. Isto, aliado a um efetivo serviço de contato com as famílias para lhes mostrar a importância e a facilidade da doação, resolveria de vez o problema.
Hoje, o maior manancial de córneas doadas no Brasil está localizado nas proximidades da cidade de São Paulo, graças especialmente ao abnegado trabalho de um economista, o Sr. Pascoal Martinez Munhoz, digno Presidente do Banco de Olhos de Sorocaba, dirigido com tanto sucesso, que se construiu um hospital oftalmológico como seu anexo. Esse banco de olhos, sozinho, é capaz de suprir todos os centros de transplante credenciados no País, simplesmente porque, dotado de boa estrutura, tanto para o contato com as famílias dos doadores, como para a retirada e rápido aproveitamento das córneas, funciona em um necrotério e não em um hospital. Lá não há filas de receptores à espera de transplante. O Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina, além de outros importantes centros médico-hospitalares do País, serve-se dele e pode, no momento, oferecer uma perspectiva de transplante a qualquer necessitado, no Hospital São Paulo, com o prazo máximo de um mês a um mês e meio. Na opinião dos especialistas, é o padrão de funcionamento do Banco de Olhos de Sorocaba um dos exemplos concretos a serem analisados e seguidos.
Do ponto de vista ético e prático, o Prof. Dr. Gabriel Oselka trouxe a maior contribuição àquele simpósio. Demonstrou que, em países social e economicamente mais desenvolvidos, onde foi adotado o princípio do doador nato, produziram-se efeitos inesperados e indesejados, além de se haver acirrado a polêmica em torno do direito de cada um dispor do próprio corpo. Se esses países apresentam excelentes níveis de transplantes é porque centralizam esforços no aprimoramento das organizações operacionais no setor e não porque tentaram, de uma forma ou de outra, tornar a doação compulsiva.
Como os demais debatedores e palestrantes, o Prof. Gabriel Oselka reconheceu que todos os projetos de lei em andamento nesta Casa com vistas aos transplantes são frutos de boas intenções. Mas acentuou que, se for adotado o princípio do doador nato, os médicos enfrentarão problemas éticos e, portanto, de consciência. Isto poderá acontecer, por exemplo, quando se defrontarem com a resistência de uma família à retirada dos órgãos de um ente querido, infenso à doação e que, por qualquer motivo, não haja inserido essa negativa num documento de porte pessoal.
A questão de doar ou não é de foro íntimo e sobre a decisão não podem pairar dúvidas. Ela diz respeito tão-somente ao pensamento e às convicções de cada cidadão. É estritamente pessoal. Está relacionada diretamente com a liberdade individual e o direito de cada um dispor do seu próprio corpo, com a liberdade e o direito de alguém dispor de algo que só a si pertence e que, para a maioria, constitui a exteriorização de alguma coisa sublime e sagrada.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os aspectos que acabo de expor foram os que mais se destacaram naquele simpósio. Creio que merecem toda a nossa atenção, pois estamos a um passo de decidir sobre profundas modificações na disciplina legal de assunto dos mais polêmicos e melindrosos. A necessidade de tomarmos o máximo cuidado é diretamente proporcional ao fato de que, a par de torná-la mais precisa e abrangente, incorremos no risco de criar na lei um princípio que poderá violentar conceitos éticos, morais e mesmo religiosos de nosso povo. Na melhor das hipóteses, essa inovação poderia gerar letras jurídicas mortas. Pior ainda: poderíamos disseminar medo, gerar pânico, o que em nada contribuiria para facilitar os transplantes.
Era o que me cumpria dizer, após presenciar as manifestações de tantos luminares da ciência médica e sentir-me contagiado pelo ambiente acadêmico, numa das faculdades que mais engrandecem a medicina brasileira.
Muito obrigado.