Discurso no Senado Federal

PREMENCIA DE ANALISE DETIDA E CRITERIOSA, PELO SENADO FEDERAL, DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO SOBRE A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • PREMENCIA DE ANALISE DETIDA E CRITERIOSA, PELO SENADO FEDERAL, DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO SOBRE A REFORMA DA PREVIDENCIA SOCIAL.
Aparteantes
Ademir Andrade, José Eduardo Dutra, Pedro Simon, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/1996 - Página 8776
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, PREJUIZO, MODERNIZAÇÃO, ESTADO.
  • CRITICA, GOVERNO, AUSENCIA, ARTICULAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, SITUAÇÃO, QUANTIDADE, PARTIDO POLITICO, FORMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, ADVERSARIO, GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, PREJUIZO, REFORMA CONSTITUCIONAL, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, SETOR, AUSENCIA, PLANEJAMENTO, FUTURO, ESTADO.
  • APOIO, PROJETO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, AUTORIA, EDUARDO JORGE, DEPUTADO FEDERAL, ATENÇÃO, RESPONSABILIDADE, SENADO.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o episódio ocorrido, ontem, na Câmara dos Deputados, deixou a todos apreensivos e, sobretudo, trouxe para o Senado uma grave responsabilidade.

Cabe ao Senado fazer uma profunda reflexão, uma análise detida e criteriosa e cabe ao Senado tentar recuperar, no Projeto de Emenda Constitucional da Reforma da Previdência, aquilo que ele possa ter de higidez, de base e de sustentação financeira.

Do ponto de vista das intenções, dos objetivos do Governo, o que ocorreu ontem foi um verdadeiro fracasso, uma derrota retumbante não do Presidente Fernando Henrique nem do Líder Benito Gama ou do Ministro Luiz Carlos Santos. A derrota foi do projeto de modernização do Estado brasileiro que está em curso no País e que é pretendida pelo Governo Fernando Henrique.

Mas percebe-se, claramente, que, na Câmara dos Deputados, há a cada passo e com cada projeto uma enorme dificuldade, um emaranhado complicadíssimo de conceitos e de idéias desarmoniosamente articuladas que sempre resultam no pior. Estamos diante de uma geração de deputados incompetentes? Estamos diante de uma legislatura fraca, débil, incompetente e incapaz? Evidentemente, não. Os Deputados desta Legislatura são tão competentes, capacitados e qualificados intelectual e politicamente, e até do ponto de vista ético, quanto qualquer outra Legislatura que vivemos, e até aquelas que não chegamos a testemunhar nesta Casa. Mas, claramente, se percebe que há uma decomposição política manifesta, visível e transparente a cada processo de negociação.

Ao invés de unir, as idéias na Câmara têm servido para dividir. E isso, naturalmente, leva neste momento a uma reflexão que eu gostaria de trazer ao Plenário do Senado, aos Srs. Senadores: é possível funcionar, de maneira estável e eficiente, um regime presidencialista multipartidário, pulverizado da forma como está na Câmara dos Deputados, quando o maior Partido tem menos de um quinto da Casa?

Este é um processo de permanente defasagem, de permanente confusão, de permanente entropia política. Presidencialismo com uma estrutura multipartidária resulta quase sempre no caos das decisões e da vida parlamentar. Ninguém vai supor, por exemplo, que o Líder Luiz Carlos Santos ficou incompetente de uma hora para outra. Todos sabem da sua qualificação, da sua competência, da sua enorme capacidade de articular, de unir, de somar forças e promover decisões. O fato de agregar-se o Deputado Benito Gama à condição de Líder do Governo piorou, veio atrapalhar ainda mais as coisas? Claro que não! Todo mundo reconhece no Deputado Benito um dos Parlamentares mais competentes e mais inteligentes da sua geração.

O que está realmente visível, no meu entendimento, e que, logo ali, daqui a alguns meses, levará o Presidente Fernando Henrique a uma séria reflexão é que o seu Governo não é um Governo revolucionário, não é um Governo ditatorial, não é o primeiro Governo eleito após o regime militar, mas seguramente é o grande marco de mudanças institucionais, administrativas e políticas do País, após esse longo período que a Nação viveu depois do ano de 1964.

Este é um momento crucial, quando os caminhos realmente se cruzam. Este é um momento basilar das mudanças. Este não é um Governo comum, corriqueiro, de tocar com a barriga, de levar as coisas para a frente. Este é um Governo de profundas transformações, de profundas reviravoltas conceituais, do ponto de vista até do conceito de Estado, do modelo de Estado, da visão e do papel do Estado perante a sociedade, perante a população.

Isso é quase que revolucionário, mas uma revolução que não pode ser feita nem com armas, nem com metralhadoras, nem com exércitos na rua. É uma revolução que não pode ser feita com a barganha, com o clientelismo, com a prática fisiológica mais degradante, com a troca de favores, com a obtenção de vantagens, com o jogo de pressões mais mesquinho, que muitas vezes caracteriza a vida parlamentar.

Creio que o Presidente Fernando Henrique Cardoso será levado a uma reflexão inevitavelmente. Talvez o Presidente suponha que para o Governo é bom ter quatro ou cinco Partidos, que lhe dão 200, 300, 400 Deputados, com o apoio eventual e flexível, com o apoio dinâmico, porque ora é sólido como maioria, ora é rarefeito, esvaziado. Mas, com isso, o senhor Fernando Henrique poderia, supondo, jogar com essas forças e manter uma relativa estabilidade ao longo de certo tempo. Ledo engano.

O que faz um governo presidencialista ser eficaz é ter um partido centralmente articulado, coordenador das ações políticas parlamentares. Não é criar o ministro da ação política, o ministro da coordenação política, não é ter um homem-tarefa que ocupa o lugar do presidente nas discussões, nas articulações, nas combinações parlamentares. É ter um partido que possa fazer o papel de centro catalisador das negociações no Parlamento, um partido que seja, sobretudo, majoritário. Se não isso, pelo menos que seja um partido que tenha uma expressão significativa em termos proporcionais no Congresso.

Digo isso sem manifestar nenhum ato de vontade, nenhum efeito volitivo, ou seja, não estou desejando nem pedindo que isso aconteça. Mas as reformas que o Presidente Fernando Henrique deseja e que precisam ser implantadas no País, como a reforma tributária, a reforma da Previdência, a reforma administrativa, a reforma da educação, não se viabilizam com este modelo pulverizado, multidispersivo de Partidos que existe hoje na Câmara. Nem a reeleição do Presidente, nem a mudança do modelo institucional, nada, na minha opinião, ocorrerá, se não houver uma profunda reflexão sobre o status partidário hoje vigente no Congresso Nacional.

Não quero avançar além deste ponto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Quero tocar apenas no limiar da questão e sugerir, quem sabe, ao Presidente, ao Ministro da Coordenção Política, ao Líder do Governo, às Lideranças do Governo, que esta não é uma questão menor e esta não é uma questão que pode deixar de ser pensada.

A esquerda brasileira, ontem, demonstrou uma coisa interessante: ela não se vê como classe dirigente. Quando, nos primeiros momentos da minha formação política, comecei a entender o processo político, a dialética das relações de classe, pesou profundamente na minha formação a leitura de Gramsci. Gramsci dizia que os operários, os trabalhadores, as lideranças sindicais só atingem um estágio superior da sua luta política quando passam da mentalidade de classe dominada para classe dirigente. E Gramsci fazia uma clara distinção entre o que é classe dominante e o que é classe dirigente. A classe dominante é aquela que ocupa o espaço de poder - econômico, institucional, político - como exercício de uma supremacia humana. A classe dirigente é aquela que ocupa, por via democrática, por vontade popular, o comando, a direção, a coordenação de um grupo, de uma sociedade, de uma nação.

Mas a esquerda brasileira só vê uma dicotomia na sua frente. Ela só aceita ser classe dominada; ela não aceita, não quer, repudia o papel institucional digno, previsto por Gramsci, de que é classe dirigente. Ela não é poder, ela pode não ser Governo, pode não deter os meios de produção, mas ela é classe dirigente, sim, quando ocupa os sindicatos, os Partidos políticos, o Congresso Nacional e, portanto, tem que agir no conceito "gramsciano" de classe dirigente e tem que dirigir o Estado não na mera ação reivindicatória dos grupos, das corporações e dos interesses que se possam expressar no seio da sociedade.

O Sr. Romero Jucá - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Ouço V. Exª com todo prazer e com toda honra.

O Sr. Romero Jucá - Senador José Fogaça, V. Exª trata de uma questão extremamente importante e eu diria até fundamental no momento e na conjuntura política que estamos vivendo. V. Exª, com muito brilhantismo e com muita capacidade, em rápidas palavras - porque esse seria um tema de uma aula, de uma exposição bastante detalhada -, trata e fere a questão específica da articulação, da composição e do encaminhamento da questão do espectro político do Governo. Isso tem sido objeto de preocupação. Depois das votações na Câmara dos Deputados, depois da condução e da tentativa de rearrumação política na linha de tratamento dessa questão pelo Governo, o que vimos, como V. Exª bem disse, foi a deterioração desse processo de votação em votação. Estamos preocupados e temos discutido a matéria no âmbito do PFL, porque entendemos que o Governo não pode apenas ser um aglomerado de idéias e de linhas políticas distintas, que é a forma como a questão está-se encaminhando. A eventual aprovação de qualquer emenda constitucional não pode ensejar ao Governo a quebra da sua espinha dorsal. Entendo - e temos também discutido isso - que o papel do Senado será muito importante a partir de agora. Talvez até mais importante para recompor exatamente essa questão da condução política para sinalizar, para indicar, na ação, que tipo de articulação, que tipo de proposição é preciso fazer. Estou ouvindo o discurso de V. Exª com muita atenção e concordo também com as suas colocações sobre a atuação dos segmentos e dos Partidos mais de esquerda nesse aspecto político. Só espero que o Presidente reflita rapidamente sobre esse quadro; não daqui a quatro ou cinco meses, como disse V. Exª, porque entendo que será tarde. Temos um patrimônio social a resgatar, principalmente um patrimônio político, e a condução política a preservar, nessa questão encaminhada pelo Presidente. Espero sinceramente que esses últimos fatos, que o discurso e as análises brilhantes de V. Exª, levem o Governo a uma rápida reorganização desse seu pensamento, no sentido de tornar mais forte e duradouro esse encaminhamento político que queremos. Meus parabéns pela sua análise.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador Romero Jucá.

De fato, Sr. Presidente, a mim preocupa, nesse momento, como vinha frisando, exatamente esse comportamento de boa parcela da esquerda brasileira.

Quando se propõe uma reforma da Previdência, não se está propondo uma reforma que vise a ações de Governo, mas está-se propondo uma reforma do Estado em si, institucionalmente. Não depende da eventualidade, não depende da circunstância de um governo, mas é algo que se projeta para o futuro.

Quando se defendem privilégios que podem ser chamados de conquistas, quando se vota favoravelmente certas posições que os setores interessados defendem legitimamente - é do seu interesse defendê-las, é do seu direito reivindicá-las -, quem tem o papel dirigente tem que pensar de forma abrangente, complexa, ampla, e não pequena, setorial e particularista.

É preciso sempre pensar se algum tipo de vantagem que tenho hoje, de algum ganho, de alguma situação, poderá ser mantida daqui a 10 anos para as pessoas que se aposentarem daqui a 20; se essas vantagens, se esses ganhos poderão ser mantidos para meus filhos, para os meus netos. O fato de eu tê-las hoje garante que eles a terão amanhã? Ou o fato de eu tê-las hoje impede que eles possam ter as mesmas vantagens, ganhos e privilégios amanhã? Se quero manter algo hoje que irá destruir a possibilidade das novas gerações, dos nossos filhos, dos nossos netos, sou um traidor do futuro; serei um traidor do futuro se destruir o futuro.

Portanto, não se trata de um gesto para o presente, para efeitos imediatos, mas se trata de pensarmos, de forma abrangente, como uma classe dirigente e democrática deve pensar, ou seja, o Estado brasileiro precisa ser poderoso, extremamente poderoso. Não quero o Estado fraco e pequeno que os liberais e a Direita defendem, o chamado Estado mínimo, não, não! Quero um Estado pequeno e poderoso, mas muito poderoso! Pequeno porque ele terá eficiência, produtividade, eficácia de ação, dinamismo de ação e custará pouco; enxuto, organizado, eficiente. Mas será extremamente poderoso por contar com muitos recursos produtivos para investir em favor da população. Estado mínimo, não! Estado pequeno e fraco, não! Estado enxuto, organizado, eficiente e poderoso, contando com recursos.

Não posso entender quem defende um Estado grande, fraco, impotente, incapaz, ineficiente; portanto, um Estado que não produz distribuição de renda, ao contrário, só produz concentração de renda.

Imaginar que emprego ou que aposentadoria é sempre algo legítimo? Não! No setor público, quando isso vem em prejuízo da população, quando um emprego público é improdutivo, ele está causando danos a pessoas que estão fora do âmbito do Estado, porque não estão surgindo empregos, porque obras não estão sendo realizadas e pessoas não estão sendo ocupadas. Estão sendo marginalizados aqueles que não têm o privilégio de entrar na máquina pública.

De ontem para hoje fiz essa reflexão e quis trazê-la aos meus Colegas do Senado.

De fato, não conheço país do mundo que faça uma sustentação articulada em multipartidarismo parlamentar. Não há regime presidencialista no Planeta que tenha conseguido fazer isso, nem historicamente, nem hoje na presente sessão da história em que vivemos, porque, nesse sistema, há uma grande tendência para a irresponsabilidade. Os Deputados que votaram contra, mesmo sendo do Partido do Governo, sabem que, neste regime, se o Presidente vai mal, o Deputado vai bem. Não há problema. É no Parlamentarismo que esta situação se inverte: se o Governo vai mal, o Deputado também vai mal, porque ele pode perder o mandato pela dissolução do Congresso.

Creio, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que estamos sendo empurrados. E não é o que o Presidente quer. Percebo que o Presidente supõe, ou imagina, que essa para ele é uma situação paradisíaca politicamente. É o melhor dos mundos, ou seja, é um mundo onde o Congresso está dividido e onde Sua Excelência sobrepaira, chamando aqui e ali, jogando com as figuras representativas do Poder político Parlamentar ao seu bel-prazer, segundo seu interesse circunstancial, segundo seu interesse em cada votação e em cada momento. Mas não é assim. Creio que o Presidente Fernando Henrique Cardoso vai inevitavelmente ser empurrado contra a parede para fazer essa reflexão.

O Sr. Ademir Andrade - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com muito prazer.

O Sr. Ademir Andrade - Considero extremamente correto o que V. Exª diz neste seu pronunciamento. Trata-se de reflexão e análise correta inclusive sobre o posicionamento da Oposição. Não posso crer que uma Oposição responsável, consciente dos seus deveres, festeje as vitórias que obteve ontem. Se analisarmos friamente, é evidente que a Oposição não votou corretamente. Por quê? Porque desejar que o funcionalismo público se aposente aos 55 e 50 anos de idade é atitude correta do Governo; tirar o privilégio da aposentadoria especial aos professores universitários deste País é atitude correta do Governo; pensar no futuro, pensar que o sistema previdenciário tem que se manter, por si só, é atitude correta do Governo. Fico a me perguntar por que a Oposição comportou-se daquela forma? Por que festejou - e o fez - algo que evidentemente é errado, é ruim, como a manutenção de um privilégio inaceitável? Será que também o Governo não está agindo mal na forma de conduzir a luta política? Será que no que se refere a muitos pontos, nós, da Oposição, não poderíamos estar, somados, dialogando com o Governo? Em relação a tantos temas, não poderíamos estar ao lado do Governo, contrários aos posicionamentos errados que combatemos nesta Casa? Talvez, nobre Senador José Fogaça, a ação - equivocada, a meu ver - da Oposição não se tenha dado apenas em cima da razão mas, de certa forma, em cima da opressão, do rolo compressor, da falta de diálogo que tem havido de maneira geral com o Poder Executivo.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Sem dúvida, eu não diria que se trata de falta de diálogo, mas de um diálogo muito mal conduzido. O diálogo existiu, porque todos assistimos, durante meses, ao espetáculo triste e até depressivo da negociação da emenda da Previdência com o primeiro Relator. Depois, as coisas andaram um pouco, mas a verdade é que aquilo foi-se deprimindo, porque o processo era mal conduzido.

Não se trata de um problema de coordenação política, da existência de um competente líder, de um competente Deputado; não se trata de sobrecarregar, ou não, o Presidente; de ter, ou não, alguém que possa falar em seu nome. Não é isso! Há algo que está faltando nesse processo de negociação: exatamente um centro político, um eixo gravitacional de acordos, que sempre caracterizou o Congresso Nacional.

V. Exª evidentemente continua com o aparte.

O Sr. Ademir Andrade - Esse processo, Senador José Fogaça, foi iniciado com a CUT, foi elogiado por nós e pelo PPS. Evidentemente, houve algumas críticas, porque o contato foi estabelecido diretamente com as classes sindicais, sem envolvimento da classe política, principalmente da Oposição. O diálogo aconteceu com as Centrais Sindicais; não houve diálogo com os Partidos de Oposição. Isso fez falta, porque, a meu ver, em muitos momentos poderíamos ter estado juntos ao Presidente da República. Sua Excelência deveria ter buscado o apoio da população para não ter que ceder em determinados pontos, como, por exemplo, a criação da CPI dos Bancos. No nosso entendimento, o Presidente cometeu um erro ao não desejar a instalação da CPI dos Bancos. Agora mesmo - só para citar um fato - o Presidente faz uma cerimônia no Congresso Nacional para a entrega de terras do Exército para a reforma agrária. Para esse ato, foram convocados os representes do meu Estado. Os três jornais do Pará hoje citam que foram convidados o Senador Jader Barbalho, o Senador Coutinho Jorge e que o Senador Ademir Andrade não consta da lista de convidados. Não estou reclamando; e jamais trocaria meu voto por coisa desse tipo, mas entendo só enxergar a política dessa forma é uma visão caolha também. E isso é atitude da assessoria do Presidente da República. Sou um Senador, tive 500 mil votos no Pará, fui eleito exatamente como foram os outros Senadores, luto pelos interesses do meu Estado. Sendo assim, o mínimo que o Governo poderia fazer era ter a gentileza de convidar igualmente os três Senadores do Pará. Mas não o fez. Convidou apenas os dois, porque sou da Oposição. Penso que há intransigência, há raiva, há algo ruim de parte do Governo. Evidentemente, não concordo com a forma de agir da Oposição, oponho-me a alguns pontos, mas essa intransigência, essa forma vaidosa, essa forma superior e até pessoal do Presidente da República de tratar as questões faz com que haja reações como aquela que houve esta semana na Câmara dos Deputados. Isso é lamentável, pois o Governo, no que tange a diversos assuntos - repito -, poderia estar conosco. Parabenizo V. Exª pela reflexão que faz, pelo pronunciamento, pela análise absolutamente correta desta situação, mediante a qual pôde ressalvar que, em grande parte, a culpa do que está ocorrendo é da má condução do diálogo, pelo próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, Senador Ademir Andrade, sem dúvida não poderia concordar mais do que já concordo com V. Exª. Quem deve procurar situações que viabilizem o diálogo é quem está no Poder. Quem está na Oposição não pode fazê-lo sob pena de ser carimbado de...

O Sr. Pedro Simon - Oferecido.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - O Senador Pedro Simon usa uma expressão própria do Rio Grande do Sul: oferecido.

O adesismo realmente viria como natural rótulo para aqueles que procurassem o Governo para ajudá-lo, sendo da Oposição. O processo eleitoral define os papéis no Congresso Nacional. Acho, por exemplo, que é papel extremamente salutar da Oposição o fato de pedir a criação da CPI dos Bancos, lutar por ela. Isso é algo essencial ao papel da Oposição. Agora, não me parece que seja papel da Oposição criar problemas na votação de mudanças institucionais importantes, problemas que prejudicam o Governo e o País. Isso é incompreensível e é inaceitável.

Tenho visto, Senador Ademir Andrade, que Lideranças como V. Exª e outras tantas, que têm grande tradição na esquerda brasileira, não só têm discutido a questão das essenciais reformas ao País, como têm produzido propostas. Concordo em que o Governo tem sido bastante arrogante em relação a esse tratamento, ou seja, ele não desce do pedestal para buscar aquele centro, aquele eixo político sobre o qual se deve assentar com uma maioria sólida para agir. Não estou fazendo aqui nenhuma restrição partidária, nem pela direita e nem pela esquerda; estou dizendo que, se não há um eixo político consistente, não há ação eficaz do Governo no Congresso Nacional.

O Sr. Pedro Simon - Permite V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Concedo o aparte ao nobre Senador Pedro Simon, com muito prazer.

O Sr. Pedro Simon - Em primeiro lugar, cumprimento V. Exª pela oportunidade e pela objetividade de seu pronunciamento. Seria muito bom se o Governo, nesse momento, ouvisse um pronunciamento como o de V. Exª, na serenidade e na competência que caracterizam sua forma de agir. V. Exª é uma das pessoas que, obrigatoriamente, tinha que ser mais ocupado, mais procurado. V. Exª, nesta Casa, é um exemplo. Dos projetos mais difíceis, dos mais complicados, dos mais complexos, V. Exª foi o Relator. No entanto, V. Exª teve a competência de, praticamente, conseguir quase a unanimidade da Casa, uma unanimidade que V. Exª foi buscar debatendo, discutindo, ouvindo, reunindo um grupo, reunindo outro grupo, fazendo aquilo que realmente é o nosso trabalho e é a nossa responsabilidade. Em casos quase impossíveis, V. Exª conseguiu esse entendimento, fazendo com que opostos se encontrassem em torno de uma média que fosse aquela que pudesse passar, que fosse aceita pelo conjunto. Lá, acontece o contrário. Disse bem o nobre Líder do Partido Socialista: o Governo foi lá e buscou a CUT, buscou o Vicentinho - no que está certo. Acho que foi um momento altamente positivo e salientei isso da tribuna. Um fato altamente positivo, o Governo ter ido procurar o Vicentinho para com ele discutir. Mas agiu errado no momento em que procurou o Vicentinho e esqueceu a classe política, dando a entender que iria fazer um acordo diretamente com as bases, diretamente com a CUT, diretamente com os trabalhadores; e não ocorreu. Teria sido altamente positivo se o Presidente tivesse chamado o Vicentinho e as Lideranças do Congresso Nacional, e teria feito ali - e não vou falar a palavra pacto, pois está quase totalmente desmoralizada - um entendimento em torno daquela matéria. Teria sido altamente positivo. Não o fez. Usou o Vicentinho e o que aconteceu? Não defendo a classe política, porque em matéria dessa natureza e desse conteúdo temos a obrigação de votar no que está certo. Quer dizer, um eventual erro do Governo não desculpa a Oposição, porque o voto tem que ser de consciência, naquilo que deve ser. Nessas matérias - tem razão V. Exª - não é o Sr. Fernando Henrique que está em jogo. Podemos discutir a maneira de votar um projeto de interesse do Governo, mas aqui há o interesse da sociedade e, fazendo até justiça, nem repercutirá no Governo do Sr. Fernando Henrique, porque, se a reforma da Previdência der certo, repercutirá lá adiante, e não sobrará nada. É o tipo do projeto no qual temos que reconhecer o mérito do Sr. Fernando Henrique, porque não é um projeto de repercussão e resposta para o seu Governo. Sua Excelência está semeando para um outro que vier depois começar a colher. Mas, de qualquer maneira, houve um equívoco e, então, o que o Presidente fez? Partiu para um outro extremo. Nomeou um Ministro político, que acho que está correto, para fazer a coordenação, que também está correto, mas partiram para aquilo que chamam... Nunca me esqueço de que, quando ganharam a primeira vitória na Previdência, ganharam os profissionais. Somos os profissionais semeadores de uma grande vitória. E foi uma grande e ridícula derrota, porque feriu o campo da ética. As promessas, as vantagens, a Bancada daqui, a bancada de lá... E eu dizia: - Mas inflacionaram, pois recém-votaram uma primeira emenda da Previdência, e ainda faltam 300 destaques, e depois tem que ter a segunda votação; e depois vai para o Senado, a esse preço, como terminará? E terminou como terminou ontem. Há um lado positivo, Senador - por isso, a importância do seu pronunciamento -: o Presidente vir agora e dizer que terminou essa fase de chantagem, de troca-troca. Não sei, Senador, se não foi positivo para o Governo. Temos que ver o outro lado da questão. O Governo estava entrando por um lado - perdoe-me a sinceridade - que estava horrível: a Bancada de Minas com a empresa não sei de onde; a Bancada do Acre com não sei o quê; a Bancada não sei de onde com não sei mais o quê. Estava ficando horrível! Penso que, com relação a esse lado, foi positivo. O Governo vem agora e diz que vai bater de frente. Está usando uma expressão que não estou gostando. Ontem gostei quando o representante do Governo, seu porta-voz, foi para a televisão e disse: votaram errado, mantendo os privilégios. O Governo não vai comprar votos, o Governo não vai fazer barganha. Está correto! Mas não precisa usar também essa expressão. V. Exª se lembra, nós do PMDB do Rio Grande do Sul protestávamos quando o Geisel falava: "Os inimigos"; "Os traidores serão tratados a pão e água"; "Planalto ameaça tratar como inimigos todos os aliados que votarem contra". Acho que não precisa cair nesse outro lado, com essa expressão "inimigos". Acho que o Governo agirá com seriedade, como deveria ter agido desde o início, vai debater, discutir, cobrar votos, dizer à Nação quem votou e como votou. Não precisa chamar de "inimigo" quem é contra o Governo. Nessa questão, vamos nos respeitar reciprocamente. Mas o pronunciamento de V. Exª tem essa importância e esse significado, numa hora e num momento em que o Governo deve aprender. Aprender o quê? Que deve tratar a questão com a seriedade que merece. É difícil, Senador Fogaça. V. Exª está-se referindo a outro aspecto que é muito importante. Vou até pedir-lhe para aprofundar-me neste aparte em meio minuto, porque V. Exª aborda tema que diz respeito à base do Governo e diz que é preciso encontrar um denominador, uma análise, um caminho. Concordo com V. Exª quando diz que a base do Governo é muito heterogênea, ela é exageradamente heterogênea. Não seria ruim se o Governo fizesse um entendimento em torno dessa heterogeneidade. Se tirarmos o PT, o PDT e sei lá mais qual, tudo mais é Governo: PMDB, PSDB, o Partido do Maluf. O Ministro da Reforma Agrária é comunista. Todos estão no Governo. Tudo bem estarem todos no Governo. Isso é um mérito. Mas o Governo tinha que promover um grande entendimento, fazer uma média do pensamento. Estão todos com o Governo, mas em cima do quê? Os que são comunistas continuam comunistas. Os que são de direita continuam de direita. Mas nós, nesse momento, nessa hora, vamos fazer um entendimento em cima do quê? Está faltando o Presidente da República dizer em cima do que será feito o entendimento. A cada momento, a cada hora, a cada projeto, há uma iniciativa, há uma idéia, há uma tomada de posição. O Governo, o senhor Fernando Henrique tem que dizer, por exemplo: eu, Presidente Fernando Henrique, nessa hora, nesse momento em que fiz o entendimento com o PFL e agora trouxe o Sr. Maluf para o Governo, há também o PMDB, há essa gente, quero fazer um entendimento em cima disso que está aqui. Quem quer fica, quem não quer não fica. Agora, entendimento em cima do quê? Na verdade, vemos, por exemplo, que o Governo baixou a medida provisória relativa ao Proer; há o negócio do Banespa; há também o negócio do Banco Econômico. Isso é o que tem que ser discutido. Hoje é um dia de festa para o Governo e não sei se V. Exª concorda comigo. O acordo feito com o Ministro do Exército sobre as terras para se fazer reforma agrária é uma questão que há 50 anos estava para ser resolvida e nunca se conseguia. Por isso, hoje é um dia de festa. Palmas para o Ministro do Exército! Palmas para o Governo! Lamento que o Presidente da República não tenha convidado o Senador Líder do Partido Socialista, o que considero uma grosseria. Tenho certeza de que o Presidente Fernando Henrique não participou disso. Mas isso é um ato vulgar, pois S. Exª, o Líder, tinha que ter sido convidado. E era para ele estar lá e estar felicitando. Eu gostaria de ter sido convidado, porque até participei disso quando era Líder do Governo do Sr. Itamar Franco. O Ministro que está fazendo o acordo é o mesmo do Governo anterior. Quando se debateu essa matéria, ele participou das discussões. Então, hoje deveria ser um dia de grande festa, um dia em que todos deveriam estar sendo convidados, porque o Governo lavrou um grande intento. Mas V. Exª tem razão. Qual é o entendimento? Qual é a forma? Quais são os projetos? Quero cumprimentá-lo, Senador José Fogaça - e digo do fundo do coração, até porque lhe conheço -, V. Exª é o tipo de pessoa que talvez tenhamos dificuldades em encontrar aqui no Congresso, uma pessoa que deveria ser mais utilizada, pela sua idéia, pelo seu pensamento, para buscar esse entendimento, que é necessário. Queremos dar um passo, mas o Governo tem que nos chamar para isso. Meus cumprimentos a V. Exª, Senador José Fogaça.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Muito obrigado, Senador Pedro Simon, V. Exª é generoso, muito mais pela nossa amizade do que propriamente pelo meu merecimento.

Mas, de qualquer maneira, posso dizer com tranqüilidade que V. Exª toca num ponto, fere o ponto mais sensível de tudo o que eu vinha expondo.

A coordenação política do Governo vai muito além da criação do cargo de Ministro político. Não é a criação de um cargo, que possa eventualmente ter uma sala no Palácio do Planalto, que possa eventualmente reunir Lideranças, que vai produzir esse eixo, esse centro de gravitação política no Congresso ao qual nos referimos.

Pergunto a V. Exª, Senador Pedro Simon, e a todos os Senadores, neste momento: essa tal de Bancada ruralista surgiria se esse centro de gravitação política, se esse eixo político existisse? É evidente que não. A Bancada ruralista, a Bancada de Minas Gerais, como V. Exª citou, pedindo os recursos a serem compensados ou indenizados a uma empresa determinada, essas chamadas bancadas marginais, que se produzem ficticiamente em torno de interesses setoriais, corporativos ou regionais, são subprodutos dessa cultura diversionista e pulverizada, de um Parlamento desarticulado, em que o Partido do Governo - perdoem-me, mas não é problema de competência ou incompetência pessoal deste ou daquele - não está conseguindo produzir esse eixo de catalisação política que precisa ser feito. V. Exª se referiu a projetos, idéias, propostas, caminhos, e esse caminho é em torno de alguma coisa um pouco mais organizada, mais orgânica e não tão dispersiva, pulverizada, etérea, como é hoje na Câmara dos Deputados.

O Sr. Pedro Simon - Desculpe-me, Senador José Fogaça. Permite-me V. Exª mais uma intervenção?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Pois não, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Senador José Fogaça, nós dois conhecemos o Governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto. S. Exª criou uma frente, composta pelo PMDB, PSDB e PPB, por gente heterogênea. Na Pasta da Saúde, está um homem altamente sério e competente, mas do PFL. Na dos Transportes, está uma pessoa altamente séria e competente, mas do PPB. S. Exª fez um Governo heterogêneo. Porém, no Rio Grande do Sul, pode-se dizer o que quiser, pode-se gostar ou não do Governo, pode-se gostar ou não do Governador Antônio Britto, mas quem dá a orientação, quem traça a diretriz é S. Exª. Disso, ninguém tem dúvida. Vai-se ao Rio Grande do Sul e fala-se com quem quiser, empresário, trabalhador, líder partidário, todo mundo sabe o que S. Exª quer. S. Exª tem o plano, as idéias, as propostas e traça a diretriz. Ouve todo mundo, discute, debate, ouve os Secretários, mas tem comando, e sabe-se o que S. Exª quer. Está na luta pelo Mercosul, na luta pelo desenvolvimento do Rio Grande do Sul, no debate pela agricultura, na defesa das teses, no programa das pessoas que se demitiram - quinze mil. O PMDB pode ter ciumeira, mas é S. Exª quem traça a diretriz do Governo do Rio Grande do Sul, que tem praticamente as mesmas forças do Governo Federal: o PFL está lá como está aqui; o PPB está lá como está aqui. Qual a diferença entre lá e aqui? A diferença é que lá existe um comando que se chama Dr. Antônio Britto, que ouve todo mundo, mas é quem dá a linha, e sabe-se o que S. Exª quer, pois se manifesta, não esconde nada. Sabe-se que no Governo do Rio Grande do Sul vota-se a favor ou contra, mas objetivos e propostas o Governo tem. Perdoe-me a sinceridade, mas penso que falta ao Governo do Senhor Fernando Henrique um estilo como o que o Governador Antônio Britto está mostrando ter no Rio Grande do Sul.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Senador Pedro Simon, não sei de ninguém que tenha ocupado a Presidência com mais convicções do que o Presidente Fernando Henrique, que sabe o que quer. Temos a sorte de ter um Presidente que enxerga muito claramente os problemas do País e sabe o que quer. Nesse ponto, reconheço no Presidente...

O Sr. Pedro Simon - Concordo com V. Exª. Sua Excelência sabe o que quer; o diabo é que nós não sabemos o que Sua Excelência quer.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - A figura do Presidente tem que ser preservada e ela é, possivelmente, o pólo norteador de todo o pensamento político do Governo. Não diria que ao Presidente Fernando Henrique Cardoso faltem comando, direção, determinação de rumos; quanto a isso, estou tranqüilo; temos um Presidente que sabe o que quer, que traça diretrizes, que estabelece os seus rumos e que comanda. O que não vejo é uma resposta parlamentar eficiente a isso.

O Presidente sabe o que quer, mas, talvez, não cuida tão bem da estruturação de uma atividade articulada no Congresso, como deveria cuidar, e o resultado será sempre uma defasagem, uma grande perda de elementos no processo de votação dessas emendas constitucionais.

Não sentimos tanto isso nas emendas econômicas porque eram emendas conceituais, que diziam "sim" ou "não" ao monopólio das telecomunicações; eram mudanças simples, até simplistas, e meramente conceituais.

Porém, nas mudanças complexas, que atingem fundo a estrutura do Estado brasileiro, se esse eixo de gravitação política não existir, não tenho nenhuma dúvida de que as reformas fracassarão.

O Sr. José Eduardo Dutra - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Tem V. Exª o aparte e, desde logo, agradeço-lhe.

O Sr. José Eduardo Dutra - Senador José Fogaça, primeiro, gostaria de registrar a minha satisfação por estar presente nesta sessão de hoje do Senado Federal. Tivemos um debate importante por ocasião do pronunciamento do Senador Geraldo Melo sobre reforma agrária, e estamos tendo agora a oportunidade, mediante o pronunciamento de V. Exª, de entrarmos nessa discussão da Previdência. A História deu ao Senado uma oportunidade ímpar para discutir a questão da Previdência. Inclusive, lamento que esta sessão esteja tão esvaziada. Vou sugerir ao Presidente José Sarney que marque uma sessão de sexta-feira, colocando um ponto de pauta qualquer, somente para aparecerem os nomes no placar eletrônico, obrigando os Senadores a estarem presentes para debatermos a questão da Previdência. Lembro-me de que, à época da discussão da emenda do petróleo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando fiz uma intervenção, V. Exª disse: "Se a posição da esquerda na Câmara tivesse sido essa, a história seria profundamente diferente". Como, agora, o Governo quer que o Senado modifique as decisões da Câmara, talvez tenhamos a oportunidade de fazer uma discussão aprofundada nesta Casa. Os sinais que temos visto por parte do Governo não são muito saudáveis; pelo menos, parece que a intenção é simplesmente o Governo utilizar-se da maioria confortável que tem no Senado para restaurar o relatório Michel Temer e, depois, modificar o Regimento na Câmara e aprovar a reforma. Se for nessa direção, estaremos mal. Estaremos abrindo mão de discutir aprofundadamente essa questão. Comungo com V. Exª em relação às preocupações com o comportamento da esquerda, da Oposição, na Câmara, com respeito àqueles três pontos que retiram alguns privilégios de categorias. No entanto, vemos arrogância no Governo com relação ao relatório Michel Temer, que tinha alguns absurdos que a Oposição tentou derrubar. Por exemplo: nenhum mortal pode acumular aposentadorias, mas os parlamentares podem. Havia a votação de um destaque da Oposição que o Governo ganhou, e isso não foi apresentado como se o Congresso tivesse mantido privilégios. Além desse, existem n outros pontos, como aposentadorias especiais para representantes da OAB na Magistratura, etc. Há quase que um consenso, até na base do Governo, que inclui até o próprio Ministro da Previdência Social, segundo o qual o melhor projeto em tramitação na Câmara é o do Deputado Eduardo Jorge, estabelecendo um sistema único da Previdência.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Com o que concordo, plenamente.

O Sr. José Eduardo Dutra - Esse sistema único abrange militares, civis, servidores públicos, iniciativa privada, até o teto de dez salários mínimos; a partir daí, quem quiser ou puder, contribui para a previdência complementar, pública ou privada. No entanto, o Governo não se dispôs, até o momento, a discutir com a sociedade esse projeto. Qual é a diferença? O projeto do Deputado Eduardo Jorge estabelece uma reforma radical da Previdência, mas estabelece um processo de transição mais longo, para poder contornar os famosos direitos adquiridos. Recuso-me, inclusive, a utilizar essa questão de direitos adquiridos. Os advogados de esquerda, pelo fato de serem advogados, gostam muito de dizer que a lei não pode ir contra o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. Recuso-me a utilizar-me disso, até porque quem introduziu esses conceitos foi o Direito burguês. Quem tem mais direitos adquiridos, ao longo do tempo, é a classe dominante.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Principalmente o que foi criado pelo instituto da propriedade.

O Sr. José Eduardo Dutra - Exatamente. Por isso recuso-me a entrar nessa discussão; mas, concretamente, ela existe, e o sistema judiciário funciona com base nisso. Então, temos que encontrar uma fórmula para fazer uma reforma radical da Previdência que contorne esses problemas. E a solução, para mim, é quanto à discussão do tempo de transição. Nós temos essa oportunidade. Inclusive, neste momento, temos aqui cinco Senadores, os quais incluo nesse chamado campo democrático, que estão dispostos a discutir o assunto com seriedade. Temos a oportunidade, o Senado Federal tem a oportunidade da discussão, inclusive de chamar as centrais sindicais para debater, estabelecer um processo de discussão maduro que aponte para o futuro, que modifique a Previdência, que acabe com os privilégios, que estabeleça um sistema de previdência que atenda aos interesses da sociedade, sem também entrar na discussão da Previdência simplesmente pelo problema do caixa, porque a Previdência também inclui um Conselho de Solidariedade Social. O projeto, tal como está, prejudica o trabalhador da iniciativa privada ao substituir tempo de serviço por tempo de contribuição. Concordo em discutir tempo de contribuição, mas estabelecendo diferenças entre rendas, como propõe o projeto do Deputado Eduardo Jorge. E temos no Senado um projeto do Senador Roberto Freire nessa mesma linha. Na próxima terça-feira, pretendo apresentar ao Senado o projeto do Deputado Eduardo Jorge, a fim de que ele também possa ser incluído na discussão. Espero, sinceramente, que o Senado não perca essa oportunidade. Temos feito oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso, mas discordamos daqueles que procuram igualá-lo, por exemplo, ao Governo Fernando Collor de Mello. Há, entre os dois, uma diferença radical, profunda. O Governo tem essa oportunidade, bem como o Senado da República também a tem. Espero que não a desperdicemos. Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA - Obrigado, Senador José Eduardo Dutra. Creio que estamos diante de um momento realmente importante para o Senado, um momento histórico, como disse V. Exª. É a oportunidade de o Senado provar o seu valor e a sua importância institucional, para que a sociedade entenda para que serve o Senado. Nós aqui sempre protestamos contra o prato feito que vem da Câmara, contra a atitude homologatória que nos cabe e que, muitas vezes, nos é taticamente reservada nas votações de determinados projetos que são empurrados para o fim do ano ou para o fim da Sessão Legislativa, exatamente para que o Senado não tenha possibilidade de mudar, nem de negociar, nem de discutir a questão.

Agora é possível que se comprove, claramente, que o Senado tem um papel - e a Câmara tem essas tendências muitas vezes dispersivas e contraditórias - importante a desempenhar.

Também quero dizer a V. Exª que sou um dos adeptos do projeto do Deputado Eduardo Jorge, por dois motivos: ele não só reafirma o sistema, viabilizando-o, como cria algo que é o papel da Previdência no mundo inteiro - e talvez seja este o mais importante papel da Previdência -, que é o da alavancagem dos investimentos produtivos do País. Aquela parte acima dos dez salários tem uma destinação, nos fundos de pensão, que serve para o incremento das atividades produtivas de forma extremamente desenvolvida e dinâmica.

Hoje estamos vendo as condições precárias que existem no Brasil, o papel que os fundos de pensão têm, por exemplo, nas privatizações; papel esse, no meu modo de entender, muito tímido, mal usado pelo Poder Público, mal encaminhado, tendo sido usado sempre como coisa destinada a servir a interesses específicos e não ao interesse público. Um projeto como esse, apesar das dificuldades políticas, tenho certeza de que traria aquilo que o Governo Fernando Henrique quer, que é abrir possibilidades de formação de poupança.

O Projeto Eduardo Jorge traz exatamente a possibilidade de o sistema capitalista nacional ter autonomia e maior independência em relação a capitais externos. Qualquer país do mundo que queira se desenvolver hoje, sem a necessidade dos capitais voláteis, do capital financeiro que chega e vai embora, quem quiser hoje formar poupança interna tem que ter um sistema previdenciário dessa natureza, porque esse é um sistema que forma poupança própria e alavanca os investimentos.

Infelizmente, o diálogo havido foi extremamente mal conduzido, foi doentio. Foi patológico aquele diálogo em torno da primeira proposta de emenda constitucional. A entrada do Vicentinho, que poderia ser algo positivo, transformou-se em algo extremamente negativo. Eu nunca vi um encaminhamento tão mal feito. Não estou culpando ninguém, mas a presença da CUT, que só tem a servir positivamente numa negociação, acabou produzindo danos. Eu nunca vi uma coisa dessas. A boa vontade do Vicentinho, a sua visão como líder sindicalista, tipicamente gramsciano, que entra no processo para servir ao interesse público e não à sua categoria. E a coisa deu em nada. Não dá para entender.

Creio que ao Senado cabe, agora, um papel importante; mostrar que ele é muito mais do que uma Casa revisora. Ele é capaz, também, de criar propostas inovadoras e, quem sabe, encaminhar as reformas para um destino que todo o País deseja.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/1996 - Página 8776