Discurso no Senado Federal

DECRETO 1.860, DE 11 DE ABRIL DE 1996, SOBRE A CONCESSÃO DE INDULTOS E REDUÇÃO DE PENAS.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA.:
  • DECRETO 1.860, DE 11 DE ABRIL DE 1996, SOBRE A CONCESSÃO DE INDULTOS E REDUÇÃO DE PENAS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/1996 - Página 9266
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • DEFESA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, INDULTO, REDUÇÃO, PENA, EFEITO, MELHORIA, LOTAÇÃO, PRESIDIO, ANALISE, CRITICA, INCENTIVO, CRIME.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o ato de governar pressupõe a prática de prerrogativas regularmente inscritas na Constituição e nas leis. Por isso, há de se ter o mínimo cuidado quando, a pretexto de fazer oposição à autoridade máxima de um país, o inconformismo de uns, a ansiedade de outros e o falso saber de muitos venham a determinar a condenação desarrazoada de gesto que, em si, expressa o autorizado exercício do poder.

Observe-se que a concessão do indulto especial e condicional, de que cuida o Decreto nº 1860, de 11 de abril pretérito, insere-se entre aquelas competências privativas do Presidente da República, descritas no art. 84 da Lei Magna. Sendo ato de vontade pessoal do Chefe da Nação, não implica, nem mesmo quanto à oportunidade de sua expedição, o comprometimento de outrem que não o próprio signatário da medida.

Basta ver que, sob o comando do inciso XII do citado artigo, conceder indulto e comutar penas só depende de "audiência dos órgãos instituídos em lei", se e quando o Presidente entender necessário. No caso presente, no entanto, o Governo teve a cautela de ver aconselhada a sua decisão, pautando-se na análise técnica do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Nessa conformidade, o benefício presidencial contempla:

a) o sentenciado à pena de até seis anos de privação da liberdade, desde que seja réu primário e tenha bons antecedentes;

b) o que tenha sido anteriormente beneficiado pela atenuação da pena, se, descontados os dias correspondentes do total da condenação, restarem ainda até seis anos de prisão para cumprir;

c) O que, já tendo resgatado parte da pena, na forma estatuída pela Lei de Execução Penal, mantendo a condição de réu primário e de bons antecedentes, tenha um saldo de até seis anos de prisão a cumprir.

Os cuidados estendem-se à concessão da graça tão-somente ao condenado à pena privativa de liberdade que tenha cumprido, no mínimo, um sexto da condenação, aferido o seu bom comportamento pela autoridade responsável pela custódia, à vista de não constar, no prontuário do recluso, qualquer apontamento de falta disciplinar de natureza grave.

É relevante notar, neste ponto, que após a concessão do benefício, uma vez aceito pelo destinatário "em cerimônia solene", o indultando recebe cópia sentença concessiva lavrada pelo Presidente do Conselho Penitenciário ou pela autoridade responsável pela custódia.

Após dois anos em liberdade, e subsistindo as condições de primariedade e de bom comportamento, o Juiz de Execução, mediante pareceres do Conselho Penitenciário e do Ministério Público, formalizará a extinção da pena privativa de liberdade. Descumpridas as obrigações, ao revés, tornar-se-á sem efeito o indulto condicional, regredindo o beneficiário ao regime em que se encontrava, subtraindo-se da nova condenação o período usufruído.

Por fim, o perdão presidencial não beneficia os condenados por crime de latrocínio, de extorsão qualificada pela morte; de extorsão mediante seqüestro; de estupro simples e qualificado; de atentado violento ao pudor simples e qualificado; de epidemia com morte; de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal com morte; de homicídio cometido em ação típica de grupo de extermínio; de homicídio qualificado e genocídio, sejam tentativas, sejam consumados.

A exclusão abrange, ainda, entre outros, os condenados por crime de "colarinho branco"; de tortura e de terrorismo; pelos crimes tentados ou consumados contra a Administração Pública e contra a Administração Militar; pelos crimes definidos no Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que trata da responsabilidade dos Prefeitos e dos Vereadores.

Enquanto o indulto nos parece irretocável, sobretudo quanto ao mérito, algumas opiniões em curso procuram nele encontrar pontos censuráveis, ou reduzir-lhe a importância, a começar de, realmente, permitir a libertação de mais de dez mil presidiários, lançados às ruas "sem emprego e orientação", ameaçando aumentar "o índice de agressão à sociedade".

A esse pensamento segue-se a suposição de que o indivíduo, que tem liberdade de ação e "uma personalidade próxima da delinqüência, tenderá sempre a acreditar que vale a pena apostar na roleta da impunidade".

Além disso, "setenta por cento daqueles que saem das cadeias reincidem no crime", confirmando "a incompetência geral do sistema penitenciário". Libertar esses presidiários, "para aliviar a superlotação dos presídios, é escamotear as causas da violência, que passam por todas as mazelas sociais".

A leitura atenta da iniciativa do Chefe do Poder Executivo não autoriza essas conclusões. E, como habitualmente acontece, esse tipo de oposição a alguma coisa que se edifica, não é acompanhada de sugestão que a substitua, que lhe venha a ocupar o espaço deixado em branco, com semelhante benefício para a sociedade. É a crítica pela crítica, revestida pela marca da inutilidade e intencionalmente destrutiva.

Opinião mais serena e sábia expressa o Ministro Sepúlveda Pertence, que avalia o estado de falência do sistema penitenciário, onde há "um desrespeito sistemático aos direitos humanos garantidos pela Constituição, inclusive aos condenados". Frente às lamentáveis condições das nossas prisões, "o discurso que prega a reclusão como forma de ressocialização de criminosos ultrapassa as raias da hipocrisia tolerável", conclui o Presidente do Supremo Tribunal Federal.

É preciso ver, isso sim, que o decreto de indulto, se não resolve, minimiza o problema da superlotação dos presídios, impeditivo de que se cumpram cerca de trezentos mil mandados de prisão. A população excedente nos estabelecimentos prisionais conta-se ao redor de oitenta mil condenados, gerando condições insuportáveis de convivência, revoltas e mortes.

Parece-nos inaceitável, também, a dedução de que a medida presidencial de alguma forma venha favorecer a reincidência, ameaçando a população ordeira e prestante, porquanto beneficia apenas os condenados, até seis anos, por delitos leves e que possuam bom comportamento, excluindo da benesse os reclusos de manifesta periculosidade.

Tampouco será possível interpretar o Decreto como um estímulo à criminalidade dado que, para alguns, seria vantajoso correr o risco da transgressão porque seria amena a vida no cárcere por tão pouco tempo. Na realidade, a libertação determinada pelo Presidente da República é parte substancial do processo de reintegração do indultado ao corpo social, e somente isso, pois não há quem pretenda delinqüir e, assim, experimentar uma vivência supostamente feliz, por qualquer tempo, no inferno muitas vezes trágico das prisões.

A propósito, Evaristo de Moraes Filho, lecionando sobre as sanções privativas da liberdade, lembrou que a maior parte dos penalistas internacionais consideram a pena de prisão apenas como um instrumento a ser utilizado em casos extremos, como o de o condenado representar efetivo perigo para a comunidade, já que a reclusão é muitas vezes improdutiva e realimentadora da criminalidade, pervertendo o condenado primário e, aí sim, elevando a reincidência entre os ex-presidiários.

Vamos concluir, Sr. Presidente, esta nossa breve intervenção, consignando integral apoiamento ao Presidente Fernando Henrique Cardoso pela decisão de decretar o indulto especial e condicional, pois que não se trata apenas de um gesto magnânimo do Chefe da Nação mas também de providência correta e oportuna.

Ademais, constitui, na verdade, dentro da boa política penitenciária, excelente indutor do bom comportamento do encarcerado, a quem se acena com a perspectiva sólida de por isso vir a receber a liberdade antes mesmo do cumprimento total da sentença de prisão.

Em vista dessas e de outras fundadas razões, o Decreto 1.860/96 é, sem dúvida, instrumento que se submete, com rigor, ao império dos mandamentos e regras do Direito, enaltecendo, nas suas meritórias finalidades, a mais completa realização da Justiça.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/1996 - Página 9266