Discurso no Senado Federal

ENCAMINHANDO A MESA REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO DA COMITIVA PRESIDENCIAL A FRANÇA. REDUÇÃO DE VERBAS PUBLICAS NOS PROGRAMAS SOCIAIS. ELEVADO INDICE DE DESEMPREGO NO PAIS. PAPEL INDISPENSAVEL DA IMPRENSA BRASILEIRA. RAZÕES DA AUSENCIA DE S. EXA. AS VOTAÇÕES DO PROER E DO EMPRESTIMO DA UNIÃO AO BANESPA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXECUTIVO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. POLITICA SOCIAL. BANCOS.:
  • ENCAMINHANDO A MESA REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO DA COMITIVA PRESIDENCIAL A FRANÇA. REDUÇÃO DE VERBAS PUBLICAS NOS PROGRAMAS SOCIAIS. ELEVADO INDICE DE DESEMPREGO NO PAIS. PAPEL INDISPENSAVEL DA IMPRENSA BRASILEIRA. RAZÕES DA AUSENCIA DE S. EXA. AS VOTAÇÕES DO PROER E DO EMPRESTIMO DA UNIÃO AO BANESPA.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/1996 - Página 9341
Assunto
Outros > EXECUTIVO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES. POLITICA SOCIAL. BANCOS.
Indexação
  • ENCAMINHAMENTO, MESA DIRETORA, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, COMPOSIÇÃO, GRUPO, ACOMPANHAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • ANALISE, CRITICA, REDUÇÃO, VERBA, DESTINAÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL, CRIANÇA, PROGRAMA, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, INVESTIGAÇÃO, FRAUDE, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, ORADOR, AUSENCIA, PLENARIO, OPORTUNIDADE, VOTAÇÃO, EMPRESTIMO, UNIÃO FEDERAL, DESTINAÇÃO, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), DISCORDANCIA, NEGOCIAÇÃO, MOTIVO, PREJUIZO, SOCIEDADE, BRASIL, SIMULTANEIDADE, FAVORECIMENTO, BANQUEIRO.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de sugerir aos diretores e donos dos jornais deste País que fizessem distribuir aos seus leitores um comprimido de calmante dentro de cada número de jornal. Sem isso os leitores vão ficando calejados, vão ficando anestesiados em sua capacidade de se extasiarem, de se revoltarem diante de um quadro que vai-se formando a cada dia com a mais dantesca crueldade. Às vezes, pensa-se que o que é preciso fazer com este País já não é passá-lo a limpo, mas recolocá-lo de cabeça para cima.

Estou encaminhando à Mesa um requerimento em que peço informações a respeito da composição da comitiva dessa grande "embaixada" que acompanhou em sua "derradeira", mas certamente não última viagem, o Senhor Presidente da República e a sua entourage, até - só poderia ser, como quase sempre acontece - Paris, a meca dos intelectuais, dos que apreciam as boas comidas, dos que vão atrás de perfumes e de gravatas Hèrmes. Sei lá.

De modo que é preciso que saibamos quantos "parentes e aderentes" compuseram essa fantástica comitiva. É preciso que saibamos quanto foi gasto nessa viagem tão bem acolhida pelos franceses. Os jornais da França disseram que o Brasil havia sido muito pródigo com a companhia estatal de eletricidade francesa que comprou nossa Light. Obviamente, o nosso Presidente, além de outros motivos, tem mais este para ser bem recebido no País amigo.

Enquanto isso, oitenta e oito velhinhos, companheiros meus da terceira idade, morrem na câmara de tortura, em plena Cidade do Rio de Janeiro.

Este é realmente o País dos confrontos. Os jornais noticiam que este Governo da extinta socialdemocracia, mas ainda sobrevivente no País, que prometeu tudo pelo social, anuncia seus programas de governo, mas que vale uma proposta eleitoral.

O Sr. Bresser Pereira disse - e não me sai da memória a sua imagem falando no plenário da Câmara - que existem dois programas: um, para ganhar votos; e outro, para ser executado. E querem que os políticos não se desmoralizem, se representantes da classe política, como o Sr. Bresser Pereira, declaram, da tribuna da Câmara dos Deputados, que o programa para ganhar votos é um, e o programa para ser lançado contra o povo, depois da posse, é outro.

Esta socialdemocracia brasileira, que tantas esperanças despertou no eleitorado, acaba de ser acusada, não por mim, um petista, mas pelo Tribunal de Contas da União, de ter reduzido em 82.7% os gastos com a assistência a crianças, entre 1994 e 1995. Isso significa que mais crianças vão se somar às 500 mil prostitutas entre 10 e 15 anos de idade, não há dúvida alguma, porque o Governo reduziu em 82.7% as despesas com o amparo à infância.

E não apenas isto, programas para a geração de emprego e renda caíram 40,95%; e apoio à educação e ao ensino básico, 19,98%. Isso consta do relatório do Tribunal de Contas da União. Portanto, não deveria ser objeto de qualquer dúvida. Dúvida, sim, tenho eu a respeito de alguns dados que o nosso sorridente Presidente anuncia e voltou a anunciar na França.

Na Europa, onde o desemprego se encontra em alguns países, como na Espanha, em 22%, dizer que no Brasil o desemprego é grande, é de 5%, e que vai aumentar para 6%, não é fazer uma declaração derrotista. Existe um sentido de auto-elogio a este Governo, que vai conseguir, no ano que vem, 6% apenas de desemprego.

Diante dos números a que os europeus estão acostumados, não é uma derrota, é uma vitória sobre o desemprego. Seria, se fosse verdade. Mas não é. Não é por quê? Porque um País onde 52% da força de trabalho se encontra no mercado informal não pode ter suas estatísticas de desemprego comparadas com a Inglaterra ou com a França, porque, nesses países, esse percentual que se encontra no submundo, no emprego informal, é muito menor que o nosso.

O IBGE não consegue apurar devidamente quantos daqueles 40% que não têm carteira assinada, quantos daqueles 52% que se encontram no mercado informal compõem realmente o número dos nossos desempregados no Brasil. Mas o IBGE confessa que, nos últimos dez anos, cerca de dois milhões de brasileiros saíram do Brasil e não voltaram.

Não há, portanto, condições de sobrevida, entenderam muitos brasileiros. E procuram a Austrália, os Estados Unidos, a França, procuram qualquer país do mundo onde possam trabalhar. Foram expulsos da terra, eles ou seus pais, foram expulsos do trabalho na cidade e agora são expulsos do País. Ame-o ou deixe-o! Não oferecem alternativa para dois milhões de brasileiros. Deixaram-nos, infelizmente. E, tendo nos deixado, aliviaram as estatísticas do desemprego nacional.

Não estão mais aqui, em Governador Valadares, ou em outras cidades que se transformaram em centros de emigração deste País, procurando emprego, incomodando, fazendo passeatas em Brasília, protestando por seu direito de trabalhar, assegurado pela Constituição, mas desassistido pela realidade.

É evidente que não podemos e não temos tempo para traçar aqui sequer uma parte desse quadro dantesco em que se transformou nosso País. Nossa consciência já está com calos formados, os calos da insensibilidade que fazem com que deixemos de nos identificar, de nos solidarizar com o sofrimento do próximo. Por isso, jocosamente sugeri que os jornais distribuíssem um comprimido de calmante aos seus leitores.

Hoje, estive pensando: o próximo é tão importante e a nossa sociedade o fez tão distante. Quando no Pólo Norte, naquele deserto de gelo, dentro de um iglu, chega um visitante, é tão grande a alegria de ver um próximo, é tão rei e soberano o próximo que bate à porta de um iglu, à procura de um pouco de calor, que o dono do iglu oferece a sua mulher, algo quente e confortável, como retribuição pela vinda do próximo. Como vale o próximo naquelas situações! E o nosso próximo, hoje, vale tão pouco.

Como é que nossos eleitores vão nos reconduzir para estas duas Casas se os jornais noticiam - Folha de S. Paulo, primeira página -: "mapa das emendas eleitoreiras é levantado pela Folha"; e mostra que há 2.214 obras inacabadas, custeadas pelo Orçamento. E ainda assim continuamos a iniciar novas obras e a plantar novas pedras fundamentais sobre o esqueleto dessas obras inacabadas, dessa dissipação devastadora.

O clientelismo já torrou R$15 bilhões. E se há, aqui, algum político que se propõe ou se submete, em troca de favores, à venda de seus votos, é óbvio que - como disse o Senador Pedro Simon, e fazendo um paralelo com S. Exª -, se há um corrupto, existe um corruptor.

Portanto, é preciso que enxerguemos claramente quem está corrompendo o Legislativo brasileiro. Seguramente, não são mais as empreiteiras, que estão em baixa, mas existe algum poder superior, bem próximo de nós. E sabemos qual é esse poder. Muitas vezes, grupos de Senadores, de Deputados ou de representantes do povo se deixam fotografar ou filmar em sua alegre passeata à procura de audiências nem sempre abertas, claras, transparentes.

O fato de existir o clientelismo, o toma-lá-dá-cá, essas formas de corrupção, isso tudo não quer dizer que devamos silenciar a imprensa, que, neste País, presta um serviço fantasticamente positivo, indispensável e insubstituível.

A imprensa investigatória se transformou na nossa consciência coletiva. Se a nossa consciência, se o nosso superego, se a nossa censura moral não se formou e não soube introjetar o conteúdo social de que deve estar imbuída, à altura de nos transformar em uma nação de homens verticais, é evidente que uma imprensa, exercendo esse papel de censura, numa sociedade em que a censura anda em tão baixo nível, é indispensável. É justamente por isso que a imprensa, ao ser indispensável, ao exercer essa função social de primacial importância, não deve incorrer no abuso de, levianamente, acusar alguns políticos, alguns legisladores, alguns Deputados ou Senadores de estarem praticando atos imorais, atos de corrupção, atos de subserviência indébita.

Acusar colegas nossos de estarem arranjando, no seu apartamento, uma porcaria de uma banheira ou um banco que teria custado R$800,00 ou R$900,00, como aconteceu com a figura impoluta e inatacável do Senador Jefferson Péres, cuja fotografia foi estampada em primeira página de jornal, é um ato que deve merecer crítica.

Portanto, para que a imprensa possa exercer essa sua função superior, ela deve investigar com muita cautela; investigar, por exemplo, como fez quando acusou a existência de fraudes no nosso sistema financeiro.

Como explicaremos aos nossos eleitores que o Proer, que aprovamos aqui, já está pegando cerca de R$40 bilhões para repassar aos banqueiros que se dizem falidos, banqueiros que lesaram o País, banqueiros que praticaram fraudes?

O Banco Central encaminhou à Procuradoria-Geral processos contra não apenas dois, mas todos os diretores do Banco Nacional, incluindo todos os Magalhães Pinto, inclusive D. Ana Lúcia Magalhães Pinto, nora do Presidente da República. Agora, não são mais R$4,6 bilhões que o Proer passa para esse banco, mas R$6,7 bilhões só para o Nacional.

Há poucos dias, ausentei-me do plenário. Por quê? Porque a situação está tão séria, que, algumas vezes, não há opção de escolha: é escolher entre o desastre, o péssimo ou o pior ainda.

No caso do Banespa, ou daríamos R$7,5 bilhões como empréstimo ao Governo de São Paulo para salvar o Banespa ou, se não o fizéssemos, depois de quatro ou cinco dias, o Proer entregaria não R$7,5 bilhões, mas os R$18 bilhões inteiros de que o Banespa necessita.

Ficamos entre o absurdo de entregar R$7,5 bilhões para o Governo de São Paulo - que agora já diz que não quer só essa importância, porque precisa de mais R$3 bilhões, pelo menos - ou de esperarmos mais alguns dias para vermos aprovado aqui o Proer, que transformaria um banquinho qualquer no dono do Banespa, por meio da injeção de R$18 bilhões.

Diante do péssimo ou do pior ainda, em qual dos dois poderíamos votar? Em nenhum dos dois, obviamente! Nenhum dos dois merece o nosso voto; nem o empréstimo para São Paulo, nem o socorro ao Proer.

Portanto, diante dessa situação, a ausência não é vergonha para mim. Ausentei-me. Poderia ter também me abstido da votação, mas ausentei-me para explicar porque deixei de votar, porque não compareci àquela sessão. Entre o péssimo e o pior ainda para a sociedade brasileira, parto e abro a porta vergonhosa da ausência. Mas não me abaixo para passar por essa porta, porque sei que, ao escolhê-la, estava escolhendo o menos mau dos caminhos que essa loucura brasileira nos oferece; escolhas tão limitadas, tão pobres, tão desumanas, que acabamos compartilhando, querendo ou não, não apenas os descaminhos do Governo, mas também a censura e as críticas da sociedade.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/1996 - Página 9341