Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO MINISTRO DA SAUDE, SR. ADIB JATENE. RESPONSABILIDADES PENAIS DOS SOCIOS DA CLINICA GERIATRICA SANTA GENOVEVA PELAS MORTES ALI OCORRIDAS.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CRITICAS AO MINISTRO DA SAUDE, SR. ADIB JATENE. RESPONSABILIDADES PENAIS DOS SOCIOS DA CLINICA GERIATRICA SANTA GENOVEVA PELAS MORTES ALI OCORRIDAS.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/1996 - Página 9348
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, ADIB JATENE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), AUSENCIA, APRESENTAÇÃO, PLANO, OBJETIVO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SISTEMA NACIONAL DE SAUDE, INVESTIGAÇÃO, RESPONSABILIDADE, OCORRENCIA, MORTE, RESULTADO, IRREGULARIDADE, SERVIÇO HOSPITALAR, MUNICIPIO, CARUARU (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu não estava imaginando que numa sessão de segunda-feira tivéssemos alguma coisa a dizer, até porque não é deliberativa e há poucos parlamentares presentes. O que estou sendo forçado a falar talvez fosse interessante em dia com a Casa mais cheia. Mas não vou esperar, porque acredito que a indignação é nacional. Precisa de resposta o mais rápido possível.

Temos defendido, nós do PPS - até destoando de grande parte dos nossos companheiros de partidos de esquerda -, que é necessário, no Brasil, uma profunda reforma do Estado; por isso mesmo, participamos das discussões apresentando alternativas e, inclusive, votamos favoravelmente ao próprio Governo em algumas das reformas que aqui foram encaminhadas. Participamos de todas as discussões, apresentando alternativas também em quase todas elas: reforma na ordem econômica e agora, particularmente nesse momento, das reformas do chamado aparelho do Estado.

Este Governo é reformista, disso não tenho nenhuma dúvida. Esse seu caráter reformista tem provocado tensões na esquerda brasileira, que tem na origem, evidentemente, a perspectiva da mudança, da transformação, particularmente em sociedades como a nossa, sociedades injustas, de estruturas perversas e de um Estado que sempre foi instrumento para garantir interesses de minoria, privilégios da elite e, fundamentalmente, defender os interesses privados dos grandes grupos econômicos.

A reforma desse Estado, portanto, é uma necessidade. Discutir o mérito e participar desse processo - aí sim, é o que sempre estamos propugnando - caberiam à esquerda, apresentando as suas alternativas.

Penso que o Governo encaminhou uma série de reformas nos vários setores da ordem econômica, como já disse, e na questão do aparelho do Estado: a reforma administrativa e a reforma da previdência. O Ministro da Educação tem promovido reformas, algumas delas até interessantes, embora no primeiro momento se tenha dito que era insuficiente. No entanto, continuo defendendo que é insuficiente, apesar de já estar dando resultados interessantes, como aquela avaliação nacional para se saber o nível educacional brasileiro. Já há alguns Estados preocupados com o baixo desempenho dos alunos, de uma forma geral. Isso dá, em linhas bem maiores, o nível em que se encontra, em cada Estado brasileiro, a educação básica.

Há um fundo que valoriza o profissional da educação, tentando - particularmente para nós, nordestinos - melhorar a remuneração e o nível de aporte de recursos para a educação fundamental. Algo tem sido feito. Pode-se discordar, mas está-se discutindo a questão.

Porém, há um setor sobre o qual não se discute reforma alguma, e talvez seja aquele que mais é discutido pela sociedade, que é o setor de saúde, pelos absurdos dramáticos que estão acontecendo. Da parte do Ministro da Saúde, não se escuta nenhuma proposta de reforma, apenas solicitação de mais recursos.

Quero frisar logo, de antemão, que sou favorável à criação do imposto sobre movimentação financeira. Inclusive, apresentei proposta para que não ficasse apenas como contribuição para a saúde, embora, emergencialmente, pudesse ser da saúde por dois anos, para que ninguém confunda uma posição que aqui vou assumir. O Ministro preocupa-se apenas em discutir mais recursos e nada disse com relação à mudança de estrutura, do sistema, da reforma dessa saúde pública brasileira, que está hoje prenhe de tragédias. Não se trata apenas de Caruaru. Já há outras. Antes de Caruaru, com relação também à hemodiálise, já havia acontecido em São Paulo. Antes dessa, são inúmeras as demonstrações de que o sistema de saúde pública brasileira é podre. Podre em todos os sentidos, porque apodrece seres humanos. É podre pela corrupção que envolve todos os setores. E pouco se faz para mudar.

Tem-se falado, e alguns órgãos da Imprensa brasileira vêm sistematicamente mostrando que a fraude é a norma na questão das guias de internação hospitalares, nas autorizações de internamento hospitalar; fala-se, inclusive, de coisas absurdas, que evidentemente poderiam ser exceção num sistema que tivesse o mínimo de transparência e de seriedade: partos em homens, operações tremendamente melindrosas em que o paciente tem alta no mesmo dia. Isso, toda a imprensa brasileira denuncia. E o Ministro não muda coisa alguma. Apenas, infelizmente, autoriza que se pague e manda guardar os documentos, para que depois se estude se houve ou não fraude, num mecanismo evidentemente incompreensível para mim, porque não teria de pagar, teria de primeiro investigar.

Mas tudo isso dou por menos. O que não se pode dar por menos é o que está acontecendo a partir de Caruaru, com toda intensidade; há gente sendo tratada como gado, como objeto da pior espécie e sem qualquer respeito à dignidade humana; e por quem recebe dinheiro público para tratar dessas pessoas, daquilo que temos de mais significativo, que é a nossa saúde, pois é a nossa vida.

O episódio do Rio de Janeiro vai ser bem mais dramático, embora no seu mérito seja igual - não sei se mais dramático - ao ocorrido em Caruaru, talvez porque Caruaru seja Nordeste. Mas desde então deveria ter sido tomada uma atitude. Eu disse aqui que o que ocorreu em Caruaru poderia ter ocorrido em qualquer lugar deste País.

O serviço conveniado dos hospitais privados não merece o respeito de quem tem respeito pela vida humana, porque é um comércio e visa ao lucro e não ao atendimento, particularmente o atendimento àquilo de que o ser humano mais precisa, no momento em que se encontra totalmente fragilizado, correndo risco de saúde e de vida.

Não é por acaso que se diz que a Medicina não é uma profissão como outra qualquer: é sacerdócio, tem ética diversa porque trata daquilo que é o bem maior de cada um de nós. Pois bem! Muitos a transformaram em mercadoria, bem de comércio; visam ao lucro, está aí demonstrado. Ainda aparece cinicamente para dizer que ganha pouco quem é um dos maiores detentores de hospitais e de clínicas; chega, inclusive, a ser Presidente da Federação dos Hospitais deste País: o dono da Clínica Santa Genoveva. E o Ministro, a pedir mais recursos.

Eu não queria falar isso hoje, porque acho que o Governo, que julgo reformista, tinha que cobrar desse Ministro o mínimo de seriedade na administração da sua Pasta.

Volto a dizer que sou favorável ao imposto; portanto, não é porque voto contra que estou dizendo isso. Mas fica difícil imaginar dar recursos para esse Ministro colocar na Clínica Santa Genoveva, nas hemodiálises do tipo de Caruaru, sem que antes entendamos como funciona o sistema da fraude e também se é possível ter outro sistema de saúde, porque isso ele não quer discutir.

Imagino, Sr. Presidente, que o Presidente da República talvez devesse agir de forma um pouco assemelhada com o Governo Itamar Franco. Eram questões distintas, mas - numa clara demonstração de que havia um sistema que precisava de uma avaliação muito mais séria e mais profunda, depois da CPI do Orçamento -, nós também, junto ao Governo Itamar Franco, defendemos que se fizesse um levantamento de todas as entidades do Conselho Nacional de Serviço Social, porque muitas delas eram fantasmas, muitas delas não prestavam contas, muitas delas não tinham qualquer utilidade pública, talvez uma utilidade privada, para transferência de renda pública para o ilícito.

Não seria agora o momento de o Governo dar uma resposta à sociedade, de fazer um levantamento, uma reavaliação de todos esses convênios com o sistema privado de saúde, para sabermos se há outras clínicas de hemodiálise, não só em Caruaru, e outras clínicas de doentes terminais como a de Santa Genoveva, não só no Rio de Janeiro? Penso que não é possível que o Brasil assista, talvez daqui a algum tempo, a novo e dramático episódio como esse, em que mais de 80 pessoas morreram em dois meses, num único lugar. E pior: o dono da clínica e os responsáveis por ela ocultaram cadáveres e estão soltos! Não sabemos sequer se há processos contra eles. Por quê? Por que é dono de hospital? Por que é um homem rico? Por que é de uma federação? Não sei quem é e não me importa saber. Votei contra a continuidade das prisões especiais; se as tivéssemos mantido, e ele fosse preso, não iria ficar preso como qualquer criminoso; e talvez o seja.

Isso é uma indignidade, Sr. Presidente. O País não pode assistir a isso e não fazer nada, salvo o Ministro que, agora, depois de tanta pressão, diz que vai intervir. Essa intervenção era o mínimo que se poderia fazer desde o início, tão logo se tomasse conhecimento do fato. Essa intervenção deveria ter sido feita sem precisarmos passar por algo tão dramático, apenas com a reavaliação de todos os convênios, com vistoria, com auditagem. Se ficasse comprovada qualquer irregularidade, transformar-se-ia aquele instituto, aquela clínica, aquele hospital em bem público, de imediato, sem desapropriação, mas com intervenção, para que não deixasse de prestar o serviço; uma prestação de serviço sem fraude, sem corrupção, sem ilícito e sem indignidade como se está constatando em algumas dessas clínicas.

Será que começaríamos a ter coragem de, efetivamente, fazer a reforma do Estado brasileiro? Não apenas a reforma que atinge o servidor público, aquele de menor salário; esta se faz facilmente, não há muito problema, já que esse trabalhador o Estado nunca protegeu muito e se em algum momento o faz é de forma marginal. Mas o núcleo da proteção, o núcleo daquele que tem o Estado a seu serviço continua, infelizmente, intocado e intocável. Um deles é o sistema privado de saúde no Brasil.

Veja, Sr. Presidente, não estou propondo qualquer estatização - o que poderia até ser uma solução. Saúde não é comércio, saúde não pode estar na órbita da maximização do lucro.

Chegou o momento de o Governo afirmar seu caráter socialdemocrata que fica, cada vez mais, esmaecido e tratar do social, aquilo que muitos estão dizendo que falta ao Governo. O Governo deveria decretar uma intervenção muito concreta na questão da saúde, e exigir do Ministro, sob pena de sua demissão, que reformasse sua Pasta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/1996 - Página 9348