Discurso no Senado Federal

MARGINALIZAÇÃO DE ENORMES SEGMENTOS DA POPULAÇÃO INFANTIL E ADOLESCENTE NO BRASIL, RESSALTANDO A POBREZA, A FOME, AS DOENÇAS, O ANALFABETISMO, A VIOLENCIA PSICOLOGICA E FISICA, O USO DE DROGAS E A CORRUPÇÃO.

Autor
Flaviano Melo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Flaviano Flávio Baptista de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • MARGINALIZAÇÃO DE ENORMES SEGMENTOS DA POPULAÇÃO INFANTIL E ADOLESCENTE NO BRASIL, RESSALTANDO A POBREZA, A FOME, AS DOENÇAS, O ANALFABETISMO, A VIOLENCIA PSICOLOGICA E FISICA, O USO DE DROGAS E A CORRUPÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/1996 - Página 9065
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, AMBITO INTERNACIONAL, OBJETIVO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SITUAÇÃO, EXPLORAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, VIOLENCIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, ADOLESCENTE, COMBATE, PROSTITUIÇÃO, UTILIZAÇÃO, DROGA, MENOR, MENOR ABANDONADO, BRASIL, CONTEUDO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, CRITICA, FALTA, INICIATIVA, GOVERNO, EXECUÇÃO, CONVENIENCIA, POLITICA SOCIAL.

O SR. FLAVIANO MELO (PMDB-AC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão da criança e do adolescente que vive em situação de risco no Brasil vem sendo discutida há décadas, sem contudo ser enfrentada abertamente, resolutamente, pelas autoridades, pelas lideranças políticas, pelos meios de comunicação e pela sociedade em geral. Aliás, ao longo desse período, esse grave problema social avolumou-se - e não só em termos numéricos, como seria compreensível (embora indesejado) diante da crescente urbanização, da crise econômica e do próprio crescimento vegetativo da população.

A marginalização de enormes segmentos da população infantil, nessas últimas décadas, agravou-se também do ponto de vista qualitativo. A questão do menor, hoje, ganhou contornos explosivos, num País que já convive com mazelas sociais as mais diversas - pobreza, fome, doenças, analfabetismo, violência psicológica e física - inclusive sexual -, uso de drogas, corrupção. A coexistência de todos esses flagelos nos traz a sensação de desencanto em relação ao País do futuro, que aprendemos a amar e a admirar nos bancos escolares.

Ocorre, no entanto, Srªs e Srs. Senadores, que esse futuro risonho e promissor vem-se adiando indefinidamente. Assim, não podendo vislumbrar esse almejado futuro em curto prazo, é justo que nos preocupemos com as gerações mais novas, hoje, para que tenham melhores perspectivas amanhã.

Voltemos ao menor abandonado. As mais recentes referências a essa questão perfazem um painel desolador. O número de crianças de rua aumenta a cada dia, como vêm aumentando, também, os grupos de extermínio, os seqüestros, a prostituição infantil.

A Capital da República foi sede, no período de 16 a 20 últimos, do Seminário Internacional contra a Exploração de Crianças e Adolescentes. O evento representou etapa preparatória para o congresso mundial, sobre o mesmo tema, a realizar-se em Estocolmo, em agosto, sob os auspícios da Unicef.

As denúncias apresentadas no encontro revelam uma realidade assustadora, que é a existência de dois milhões de menores prostituídas em todo o mundo. Desse contingente, para vergonha nossa, quinhentas mil são de crianças e jovens brasileiras, conforme estimou a CPI da Prostituição Infantil, realizada há três anos por nossos colegas parlamentares da Câmara dos Deputados.

O Correio Braziliense, em recente editorial, aborda o assunto com lógica cristalina: um país que trata mal suas crianças é um país sem futuro. "A verdade, triste verdade, é que o País está entre os campeões mundiais no quesito violação dos direitos da criança e do adolescente", acusa o periódico.

A prostituição de menores é denunciada também pelo Jornal do Brasil, em edição recente. O periódico demonstra que a situação é mais alarmante nas regiões de garimpo e nas praias das grandes cidades. Nos garimpos, alguns bares afrontam a dignidade humana, oferecendo nos cardápios os "serviços" de meninas menores de idade. Nas praias, cresce assustadoramente o chamado "turismo sexual", com a existência de grandes focos em Recife, Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro.

Como se sabe, esse tipo de atividade desenvolveu-se intensamente, nas últimas décadas, no Sudeste Asiático. Seu crescimento nas metrópoles praianas brasileiras, segundo Enza Bosetti, coordenadora do Programa Infância Desfavorecida no Meio Urbano, da Comunidade Européia, decorre da implantação de leis rigorosas contra a prostituição e o narcotráfico, naquela região da Ásia. Assim, para nossa vergonha, "o turista estrangeiro que viaja em busca de sexo está preferindo vir ao Brasil, onde a impunidade é maior".

Eis aí, portanto, fatos que se relacionam e que multiplicam exponencialmente nossos sentimentos de vergonha e de humilhação: além de não contermos essa ignomínia, que é a prostituição infantil, ainda deixamos impunes os indivíduos que inescrupulosamente se aproveitam desse tipo de comércio.

O problema da prostituição infantil atinge inclusive estados pequenos, como o Acre, onde pesquisa realizada há cerca de três anos apontava a existência de 3 mil adolescentes vivendo nesta situação, sendo boa parte levada para garimpos de Rondônia.

Ao que parece, atualmente a situação está um tanto controlada. Surge, todavia, outro fato preocupante: cresce assustadoramente no Estado o número de adolescentes homossexuais que estão se prostituindo, tonando-se vítimas de todo tipo de risco, como a violência psicológica e física, além de ficarem expostos às doenças sexualmente transmissíveis.

A prostituição infantil seria suficiente para fazer qualquer cidadão brasileiro, minimamente consciente, corar de vergonha. No entanto, a questão do menor abandonado envolve outros aspectos igualmente trágicos, como a violência doméstica, a repressão policial, os grupos de extermínio, o trabalho em regime escravo ou de semi-escravidão, a pornografia, a corrupção, o cárcere privado, o uso de drogas.

Permeando esse painel desolador encontram-se as gravíssimas denúncias de seqüestro e tráfico de crianças para alegrar os lares de casais sem filhos no exterior; ou, muitíssimo pior, escabrosamente pior, para extrair-lhes algum órgão a ser utilizado em transplante. A confirmar-se essa última hipótese, cujas denúncias não tiveram ainda comprovação cabal, o caráter hediondo desses crimes chega ao paroxismo.

O problema do menor abandonado, não raro, revela aspectos inusitados, a começar pela própria designação. Na verdade, o número de menores rigorosamente abandonados, existentes no País, é muito pequeno em comparação com o número de menores que vivem pelas ruas. Pesquisa feita há um ano, em São Paulo, pela socióloga Fúlvia Rosemberg, demonstrou que a grande maioria das crianças de rua não foi abandonada pelos pais, mas vive nas ruas para conseguir algum dinheiro e ajudar no orçamento doméstico.

O Jornal do Brasil, em sua edição de 31 de março passado, cita dados da pesquisa: de 4.520 crianças que perambulavam pela cidade de São Paulo durante o dia, apenas 895 dormiam na rua. A pesquisa comprovou também a existência de muitos menores que são explorados pelos adultos, e de adolescentes pobres que, em conflito com os familiares, saíram de casa sem ter a aonde ir. Muitos desses menores, devido à sua inimputabilidade jurídico-penal, acabam sendo utilizados por traficantes de drogas e outros criminosos, que assim garantem sua própria impunidade.

Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha significado várias conquistas para o enfrentamento do problema em questão, continua séria a situação em que vive a criança brasileira, uma vez que resulta da crise econômica e do desemprego, da impunidade dos que afrontam as leis de proteção, entre outras questões.

Se, infelizmente, os pais não conseguem dar sustento, educação e melhor formação moral aos filhos, o Estado é responsável por isso. Por maior esforço que façam, as entidades que cuidam do menor infrator não conseguem ressocializá-lo. Ao contrário, o que se verifica, na maioria das vezes, são adolescentes que percorrem uma carreira de crimes.

As chances de o menor abandonado ser adotado por uma família são mínimas. A legislação brasileira que trata da adoção é das mais avançadas, em que pesem a demora dos processos e alguns excessos burocráticos. No Estado do Rio, o Juiz Siro Darlan, da Primeira Vara da Infância e da Juventude, é categórico: "Se uma paternidade biológica demora apenas nove meses, a jurídica não pode demorar mais do que isso". Para abreviar o processo de adoção, as assistentes sociais fazem um trabalho prévio, que consiste em relacionar as crianças efetivamente abandonadas por suas famílias, e, portanto, em condições de serem adotadas.

A solução para o problema do menor abandonado não virá unicamente das autoridades governamentais, embora seu empenho nesse sentido seja indispensável. A solução requer a mobilização de entidades e indivíduos os mais diversos, e da população de maneira geral.

Os meios de comunicação e as escolas também podem contribuir significativamente para minorar esse problema. Hoje, temos um grande número de publicações e numerosos programas de televisão que incentivam a violência e a promiscuidade sexual. Não precisa ser assim. A mídia deve conscientizar-se da sua força e de sua importância na solução de nossos graves problemas sociais.

Um exemplo dessa atitude aconteceu justamente com uma das novelas de maior audiência da Rede Globo de Televisão, a Explode Coração. Em sua trama, a novelista Glória Perez - acreana que muito orgulho tem proporcionado aos seus coestaduanos - conseguiu desenvolver um serviço de utilidade pública, com localização de menores desaparecidos, sem perder índices de audiência. Aliás, ocorreu justamente o contrário, já que os telespectadores compreenderam a nobreza desse gesto, aplaudiram a iniciativa e prestigiaram o programa.

Finalmente, no que tange à iniciativa pública, as responsabilidades pela assistência ao menor devem ser repartidas entre as três esferas governamentais. A construção de pequenas unidades de reeducação de menores deve ser prioridade para os municípios interioranos, permitindo que durante esse processo eles continuem tendo contato com seus familiares. E não se pode esquecer, em nenhuma das esferas, do investimento maciço em educação infantil.

A tarefa, Srªs e Srs. Senadores, é das mais árduas. No entanto, é imperioso agir rapidamente para compensar décadas de omissão do Estado e da própria sociedade no que respeita ao menor carente. Assim, e só assim, teremos uma chance de tornar realidade, ao menos para as gerações vindouras, o nosso acalentado sonho de um futuro com paz, progresso e justiça social.

Muito Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/1996 - Página 9065