Discurso no Senado Federal

CONVOCANDO O EMPRESARIADO NACIONAL PARA A LUTA EM PROL DA PRESERVAÇÃO E DA MANUTENÇÃO DA CINEMATECA NACIONAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • CONVOCANDO O EMPRESARIADO NACIONAL PARA A LUTA EM PROL DA PRESERVAÇÃO E DA MANUTENÇÃO DA CINEMATECA NACIONAL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/01/1996 - Página 884
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • DEFESA, EMPENHO, CLASSE EMPRESARIAL, APOIO, PRESERVAÇÃO, RECUPERAÇÃO, MANUTENÇÃO, CINEMATECA, BRASIL.

         O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como construir uma sociedade estável, sem que se preserve a memória nacional? Como edificar-se uma nação sadia, um País grande e próspero, sem que se tenha o registro dos caminhos percorridos, sem que se respeite a memória nacional?

         A História de um povo é sua principal referência, pois nenhuma nação prospera e cresce sem ter muito claros os caminhos que percorreu. Nenhuma nação pode escolher os seus rumos se não sabe de onde veio. Conhecer os caminhos percorrido é, com certeza, condição para que se estabeleçam os novos caminhos a percorrer.

         Tudo isso, que parece tão óbvio e tão prosaico ao entendimento de qualquer um, não parece, infelizmente, tão óbvio aos responsáveis pelos destinos da cultura nacional, que estão deixando morrer a Cinemateca Nacional, um dos mais ricos acervos de imagem em movimento de todo o continente.

         Até parece que este País tem medo da História!

         Uma atitude inexplicável para qualquer administrador competente, pois o que sabemos é que a História, ou a preservação do fato histórico, tem ocupado uma importante parte da preocupação e exigido investimentos cada vez maiores por parte dos mais importantes países do chamado Primeiro Mundo.

         Entretanto, entre nós, o descaso com um patrimônio daquele quilate nos remete diretamente aos tempos sombrios da Ditadura, quando a própria História era vista com enorme suspeição. Como se o passado histórico e a sua interpretação pudessem ameaçar os alicerces do edifício em que se sustentava o Poder!

         Já se disse até que houve, naqueles tempos sombrios, quem pretendesse eliminar dos currículos escolares essa janela que nos abre o passado, mas que tão bem explica o presente. Seja como for, o que sabemos com certeza é que muitas daquelas atitudes reconhecem a força que tem a História, na determinação do futuro de uma nação.

         Para alguns, quem sabe, o ideal teria sido tirar do jovem brasileiro de então os referenciais de tempo e lugar para, em nome da eficácia e do bom desempenho tecnológico, povoar de monstros a cultura e a ciência nacionais ao lançar no mercado de trabalho profissionais capazes de desenvolver complicados cálculos matemáticos e inacreditáveis esquemas técnicos, mas incapazes de entender o que se passa ao seu redor, indivíduos castrados em sua capacidade de julgar e interpretar o mundo que os cerca.

         Os museus continuam sendo, em todo o mundo, o melhor critério para se aferir a qualidade de vida, a saúde cultural, e econômica de um povo. Povos insignificantes não têm museus. Povos pequenos tem pequenos museus ou tratam mal o pouco que conseguiram organizar. Povos desimportantes são povos sem História. Sem o registro, sem organização e sem documentos, os monumentos históricos não resistem, ou simplesmente não existem. Povos irresponsáveis deixam que se perca a memória de sua própria existência enquanto povo.

         São povos irresponsáveis !

         Por isso são povos insignificantes, pequenos e desimportantes!

         Um País sem memória corre o risco de promover a proliferação de tal tipo de aberração, pois sem História nenhum povo é povo.

         Sem memória o tempo se reduz a uma categoria abstrata, a alguma coisa que apenas passa, sem deixar vestígios, sem nada acrescentar.

         Por desleixo, incompetência ou mera falta de sensibilidade, estamos hoje às vésperas de ver realizado o sonho tenebroso daqueles falsos educadores do passado, ao deixar que se perca o registro dos últimos cem anos da nossa História.

         Por incúria, desinformação ou falta de capacidade gerencial, estamos deixando que se perca todo o acervo da Cinemateca Nacional, uma das mais maiores, mais ricas e mais importantes do continente.

         Ao deixar que se deteriore o precioso acervo da Cinemateca Nacional, o Brasil corre o sério risco de perder uma importantíssima parte da memória nacional.

         Ao permitir que que se perca o acervo magnífico da Cinemateca Nacional, estamos condenando ao empobrecimento cultural a formação das gerações futuras, pois ali estão sendo destruídos, pela falta de recursos e de mão-de-obra especializada, cerca de cem mil rolos de filme que guardam o registro vivo dos últimos cem anos da vida nacional.

         É uma parte importante do patrimônio cultural do País que corre o risco de desaparecer, não só porque nos falta uma política efetiva de apoio à Cultura, mas também porque nos falta uma definição clara em defesa dos bens de cultura de um povo que, apesar de economicamente pobre, dispõe de um rico manancial de cultura que alguns tecnocratas teimam em ignorar.

         Mais do que os cem mil rolos de filme que ali deveriam estar guardados e preservados, conserva-se ali o desenrolar de um filme monumental onde se conta a História dos anos recentes de um País que, mesmo marginal, não tem por que permanecer indefinidamente na periferia do fatos, não merece continuar indefinidamente a reboque dos acontecimentos, vendo cada vez mais o seu destino ser traçado e definido fora de suas fronteiras, longe dos seus interesses, mesmo quando isso se faz em nome de princípios hoje indiscutidos, como o da liberdade de mercado entre as nações ou da interdependência dos povos.

         Mais do que os cem mil rolos de filme ali arquivados, guardam-se ali não apenas os fatos vivos do passado mas as sementes de um futuro melhor para o nosso povo.

         Se deixarmos que se perca o acervo da Cinemateca Nacional estaremos deixando que se perca também, junto com o registro dos principais fatos de nossa História recente, os quase cinqüenta anos de trabalho dos que construíram no Brasil a maior cinemateca da América do Sul, reconhecida internacionalmente, repito, como o mais importante acervo de imagens em movimento (cinema e televisão) disponível neste lado de baixo do continente americano.

         Para que não se permita que isto aconteça é que lançamos daqui um apelo ao Sr. Ministro da Cultura, sugerindo-lhe que ponha a Cinemateca Nacional como uma de suas prioridades, não apenas pela reconhecida importância que ela tem, mas também pela precariedade do material que ali se guarda e que não pode mais esperar por tempos melhores para ser mantido.

         Há quem afirme que bastariam meros quinhentos mil reais para a construção de instalações adequadas capazes de garantir a conservação dos filmes ali arquivados.

         Recuperar as instalações, equipar convenientemente o acervo ali guardado, não parece ser tarefa tão dispendiosa nem tão difícil. Difícil parece ser, na verdade, mudar-se a mentalidade imediatista e tacanha, da maioria dos nossos administradores.

         Queremos uma solução definitiva e duradoura para o problema, pois os paliativos já se confirmaram inoperantes.

         Existe uma urgência que exige um tratamento imediato sob pena de nos tornamos cúmplices de um verdadeiro atentado ao patrimônio da cultura do País.

         É preciso, Sr. Ministro Weffort, que salvemos a Cinemateca Nacional.

         É preciso que isso se faça agora, que se tomem providências imediatas, antes que o mofo, a umidade, a falta de equipamentos e de pessoal inviabilize definitivamente qualquer ação futura.

         É preciso ainda despertar a consciência cívica do empresário brasileiro para lembrar-lhe de suas responsabilidades também para com o patrimônio cultural do nosso povo.

         Nesse sentido, faço daqui uma convocação ao empresariado nacional para que também se engaje nesta luta que, mais que a luta de um punhado de anônimos abnegados amantes do Cinema, defensores da cultura, é a luta de um País que precisa de mecanismos inteligentes de preservação de sua memória coletiva para que se possa transformar naquele País, próspero e poderoso, que é o Pais dos sonhos de todos nós.

         Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/01/1996 - Página 884