Discurso no Senado Federal

SANÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DE PROJETO DE LEI QUE AUMENTA A PENA PARA ESTUPRO E VIOLENCIA SEXUAL CONTRA MENORES DE 14 ANOS. SEMINARIO CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NAS AMERICAS, REALIZADO EM BRASILIA, ENTRE OS DIAS 16 E 20 ULTIMO, NO QUAL RESULTOU A 'CARTA DE BRASILIA'.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • SANÇÃO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DE PROJETO DE LEI QUE AUMENTA A PENA PARA ESTUPRO E VIOLENCIA SEXUAL CONTRA MENORES DE 14 ANOS. SEMINARIO CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NAS AMERICAS, REALIZADO EM BRASILIA, ENTRE OS DIAS 16 E 20 ULTIMO, NO QUAL RESULTOU A 'CARTA DE BRASILIA'.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/1996 - Página 9543
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, SANÇÃO PRESIDENCIAL, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, AUMENTO, PENA, CONDENAÇÃO, ACUSADO, ESTUPRO, MENOR, PAIS.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, CAPITAL FEDERAL, SEMINARIO, OBJETIVO, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE, AMERICA LATINA, MELHORIA, DISCUSSÃO, PROBLEMA, EXPLORAÇÃO, TURISMO, SIMULTANEIDADE, PROSTITUIÇÃO, MENOR, PAIS.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como integrante da Frente Parlamentar pelo Fim da Violência, Exploração e do Turismo Sexual contra Crianças e Adolescentes, gostaria de registrar um assunto que foi manchete de vários jornais do País no dia de ontem, referente a uma lei sancionada pelo Presidente da República no último dia 5 de junho:

      "O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou ontem uma lei que modifica o Código Penal e aumenta em cinco anos a pena máxima para o estupro de menores de 14 anos. A lei acaba com a polêmica sobre a duração da pena de prisão a ser aplicada a quem cometer crime de estupro ou atentado violento ao pudor contra menores de 14. Ao sancionar esta lei, o presidente optou pela pena fixada na Lei de Crimes Hediondos, que é maior: o criminoso poderá ficar preso de nove a 15 anos."

      "A pena máxima no caso de estupro de menores subiu de dez para 15 anos. Pela lei sancionada ontem, o Código Penal estabelecerá uma pena geral para estupro, de seis a dez anos, que será acrescida de 50% (respeitando a Lei dos Crimes Hediondos) quando a vítima for menor de 14 anos, alienada ou débil mental. O mesmo ocorrerá no caso de atentado violento ao pudor."

Gostaríamos também, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de destacar aqui a realização e os resultados do Seminário contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Américas, realizado em Brasília, entre os dias 16 e 20 de abril deste ano.

Além de também tecer comentários sobre esse grave problema que aflige a sociedade brasileira e levantar alguns questionamentos em relação ao assunto, que tem sido motivo de preocupação e da mobilização de parlamentares, lideranças da sociedade civil, autoridades eclesiásticas e do Executivo -através de uma inclusão na agenda do Plano Nacional de Direitos Humanos.

(...)

A Frente Parlamentar pelo Fim da Violência, Exploração e do Turismo Sexual contra Crianças e Adolescentes, da qual fazemos parte, juntamente com outras Senadoras e inúmeros Deputados Federais, conta com a participação de Parlamentares de todos os partidos políticos, em níveis federal, estadual e municipal, e de todas as tendências.

Coordenada pela Deputada Marilú Guimarães, do Mato Grosso do Sul, a Frente tem trabalhado para implementar várias formas de ação e de estratégia, tanto em nível federal como em níveis estadual e municipal, que incluem a realização de debates - como este, promovido recentemente -, encontros, seminários, manifestações, moções e diversas atividades culturais e recreativas.

Engajada na Campanha Nacional pelo fim da exploração, da violência e do turismo sexual contra crianças e adolescentes, a Frente tem buscado reunir o esforço coletivo, o debate consistente e iniciativas concretas, para viabilizar objetivos fundamentais, dos quais destacamos alguns, como:

- trabalhar a questão da exploração sexual não centrada somente na violência, mas enfatizando o enfoque dos Direitos Humanos;

- aprofundar a discussão da violência e exploração sexual não só em nível internacional, mas, principalmente, em nível nacional;

- fazer com que todas as ações tenham como único objetivo a garantia de cidadania das crianças e adolescentes.

(...)

Nesse sentido, temos denunciado de todas as formas as várias situações que atingem nossas crianças e adolescentes, que vão da exploração e do abuso sexual no âmbito da família até a expansão do assim chamado "turismo sexual" em redes de prostituição internacional, passando pelo evidente crescimento da prostituição, da pornografia e do tráfico infantil.

É preciso destacar que também estamos atentos para as condições econômicas do País, que, pela recessão e pelo desemprego, têm contribuído sobremaneira para aprofundar a desagregação social, fomentando a ação dos agentes na escalada criminosa da exploração de menores em várias regiões do País.

É preciso ter sempre presente que por trás dos graves problemas que afligem nossas crianças e adolescentes, dentre eles, a violência e a exploração sexual, estão famílias desajustadas, atingidas pelo desemprego, muitas vezes crônico, sem alimentação, sem renda e sem esperanças.

Nesse sentido, saudamos como positivo o lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos, que busca dotar a sociedade de um conjunto de iniciativas que objetivam enfrentar problemas concretos, revisar legislações ultrapassadas e promover a igualdade entre os brasileiros.

É importante que nessa agenda oficial tenham destaque medidas como:

- a legislação que tipifica crime de exploração sexual infanto-juvenil, estabelecendo penas para o explorador e o usuário;

- a instituição de uma política nacional de estímulo à adoção, principalmente por famílias brasileiras, de crianças e adolescentes efetivamente abandonados;

- a implementação de sistemas nacionais de monitoramento e informações sobre localização e identificação de crianças e adolescentes desaparecidos;*

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senadora Emilia Fernandes?

A SRª EMILIA FERNANDES - Com muito prazer concedo-lhe o aparte, nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Senadora Emilia Fernandes, não poderia silenciar-me diante do seu pronunciamento a respeito de um tema tão importante e preocupante, qual seja, a questão social, que atinge principalmente as nossas crianças indefesas e os homens e as mulheres da terceira idade. São esses grupos etários e sociais as principais vítimas desse processo de genocídio, de "economicídio", que se lança contra o País. São importantíssimas as suas preocupações, como também o é a sugestão de reforçar-se o pressuposto, a suposição de que relações sexuais com menores de 14 anos constituem uma violência. Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal descriminalizou essas relações com crianças. Num país onde 80% dos estupros ocorrem nos domicílios, nas casas das vítimas, entre parentes, sabendo-se como é difícil a situação para uma criança, que não pode nem sequer socorrer-se de um parente, porque o próprio parente pode ter sido o autor da violência sexual contra ela, ao invés da lei ter o seu caráter intimidatório, pedagógico, agora, a interpretação da lei, a exegese, a jurisprudência do Supremo Tribunal, vem proteger aqueles que abusam de menores de 14 anos. Parece-me que esse caráter intimidador da lei deveria procurar tipificar esses crimes e a eles atribuir uma apenação ainda mais forte do que a atualmente existente, ao invés de, como foi a decisão do Supremo Tribunal, descriminalizar essas práticas, que, como V. Exª muito bem salienta, tornam-se cada vez mais freqüentes, devido ao empobrecimento, ao desemprego, à utilização de crianças entre 10 e 15 anos - são 500 mil crianças prostituídas nessa faixa etária, no País - como mercadoria, envolvidas no comércio sexual. Desse modo, as colocações de V. Exª me parecem muito oportunas, e não poderia calar-me diante disso. Quero apenas lembrar, para terminar, que nos anos 50 e 60 o fluxo de turismo sexual ocorria ao contrário, quando brasileiros iam para a Europa, a fim de lá fazer turismo sexual, numa Europa ainda empobrecida pelas conseqüências da Segunda Guerra. Mas tudo muda, realmente. O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem razão. Tudo muda. Agora se inverteu o fluxo: ao invés de irem latino-americanos fazer turismo sexual na Europa, estrangeiros vêm visitar o nosso País, principalmente as zonas pobres do Nordeste, onde, lamentavelmente, mais se desenvolveu a indústria do turismo sexual. Parabenizo V. Exª pelas sua preocupações e sugestões contidas em seu pronunciamento..

A SRª EMILIA FERNANDES - Agradeço o aparte de V. Exª. Exatamente por isso queremos crer que o Programa de Garantia dos Direitos Humanos proposto pelo Governo, apesar de ainda precisar ser implementado e ser esclarecidos em alguns pontos, é fundamental tanto para as crianças, como para as mulheres, porque na apresentação de medidas em relação às mulheres, o Programa ressalta o incentivo à "criação de abrigos para mulher vítima de violência e a proposta de regulamentar o inciso XX do art. 7º da Constituição Federal, que prevê a proteção do mercado de trabalho da mulher, por meio de incentivos específicos".

Também são decisivas as iniciativas anunciadas para valorizar, em todos os sentidos, a população negra, incluindo o fomento à produção cultural e preservação da memória, como também a garantia de educação escolar específica e diferenciada para as populações indígenas.

Ou, ainda, a implementação de programas para remover barreiras ao portador de deficiências físicas, e para garantir a participação dos portadores do HIV e suas organizações na formulação e aplicação de políticas e programas de combate e prevenção da Aids.

Entretanto, tão importante quanto tornar esta agenda pública, ou incluir nela tais temas de tamanha relevância e gravidade, é a necessária provisão dos recursos para implementar cada uma das iniciativas propostas, sem o que essas propostas não sairão do papel.

Exemplo desta realidade é o caso dos Conselhos Tutelares, criados pelo Brasil afora, a partir de uma decisão acertada, mas que corre o risco de fracassar em seus objetivos fundamentais, devido a total carência de recursos materiais para o desempenho das suas atividades.

Na maioria das cidades, especialmente do interior, temos assistido são Conselhos Tutelares praticamente impedidos de cumprir com seu papel, por falta de instalações adequadas, de pessoal, de meios de locomoção, ou seja, das mínimas condições para o seu pleno funcionamento.

Entre elogios e cobranças, para que alcance o sucesso que toda a sociedade deseja, é preciso que o Plano Nacional de Direitos Humanos conte com o devido suporte financeiro em suas várias frentes de atuação, além das decisões políticas que envolvam o Congresso Nacional e, particularmente, o Senado Federal, para as quais daremos nosso apoio total.

Mas, além disso, é decisivo, como temos afirmado nesta tribuna, enfrentar os problemas de fundo, responsáveis principais pelo desequilíbrio social, através de políticas que promovam o desenvolvimento econômico, a geração de empregos, a distribuição de renda e a igualdade social.

A cada Estado, Município ou comunidade, conhecendo suas próprias capacidades de articulação, enfim, está também reservada a tarefa de encontrar os meios de tocar na consciência e no coração de seus cidadãos para a reação de indignar-se.

E também de exigir a implementação ou agilização de políticas públicas nas áreas da saúde, de educação, de geração de empregos, de reforma agrária, de habitação, de desporto, lazer e cultura, como forma de tirar nossas crianças das ruas, das drogas, da exploração e da prostituição.

Esse sentimento, essa vontade política de enfrentar e apresentar solução para os problemas é que norteou o seminário, preparatório ao Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial, a ser realizado em Estocolmo, na Suécia, entre 27 e 31 de agosto deste ano, e que resultou na "Carta de Brasília", da qual destacamos as principais resoluções, já antecipadamente solicitando, diante da importância desse documento, a sua inclusão na íntegra nos Anais do Senado Federal:

"- Priorização da definição ou redefinição de políticas públicas no âmbito da exploração sexual, que garanta recursos financeiros e humanos apropriados para a sua implementação, ..."

- Formulação de estratégias de mobilização social para despertar e criar a consciência pública de forma que todos os membros da sociedade assumam o compromisso de ..."

- Criação de uma rede de serviços integrados de caráter político e social, no âmbito da exploração sexual, para a prevenção, proteção/defesa e atendimento às crianças e aos adolescentes ..."

- Adoção e implementação, por todos os países, de leis protetoras e punitivas, inclusive seguindo o princípio da extraterritorialidade da lei, para eliminar a prática de exploração sexual, baseadas na Convenção dos Direitos da Criança, ..."

- Adoção, pelos meios de comunicação - imprensa, rádio, televisão, indústria publicitária e cinematográfica - de um compromisso ético no trato das questões relativas à criança e adolescente ..."

- Subscrição, pelos governos dos países americanos, das estratégias internacionais e regionais, daquelas a serem definidas no Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial da Criança.

Portanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao finalizar, gostaria de destacar que, no Brasil, trabalhar para assegurar o reconhecimento do valor intrínseco da criança como pessoa humana em condições peculiares de desenvolvimento físico, mental e afetivo, é também lutar para colocar em prática os direitos contidos no caput do extraordinário art. 227 da Constituição Federal.

Diz ele:

      "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Na mesma direção, também os arts. 5º e 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil junto à ONU em 1990, que, em seu art. 34, dispõe com clareza que:

      "Os Estados que fazem parte da Convenção se engajam à proteção de crianças contra todas as formas de exploração e violência sexual."

É por isso que, neste momento, todos estão sendo chamados a dar sua parcela de contribuição para dar um fim a esta mórbida, covarde, hedionda e criminosa forma de exploração e opressão dos seres humanos, que é o abuso e a violência sexual contra crianças e adolescentes.

No Brasil, e em qualquer parte do mundo.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/1996 - Página 9543