Discurso no Senado Federal

VINTE ANOS DA EMBRAPA NO CENTRO-OESTE BRASILEIRO PARA POSSIBILITAR A FLEXIBILIZAÇÃO COM A AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES E INSTITUIÇÕES DE ENSINO.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • VINTE ANOS DA EMBRAPA NO CENTRO-OESTE BRASILEIRO PARA POSSIBILITAR A FLEXIBILIZAÇÃO COM A AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES E INSTITUIÇÕES DE ENSINO.
Aparteantes
Josaphat Marinho, José Fogaça, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/1996 - Página 9549
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), REGIÃO CENTRO OESTE, ANALISE, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, SOLO, CERRADO, SIMULTANEIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO, GRÃO, REGIÃO, RESULTADO, PESQUISA CIENTIFICA, REALIZAÇÃO, TECNICO, BRASIL, COOPERAÇÃO CULTURAL, COOPERAÇÃO CIENTIFICA, UNIVERSIDADE, PAIS.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de fazer referência ao tema que me traz à tribuna, eu gostaria de registrar, com o respeito que o Senador Roberto Requião merece - S. Exª já foi Governador de Estado, e, no exercício do Executivo, conheceu as dificuldades de se implementar ações - que não concordo com as adjetivações do ilustre Senador. Entretanto, no que diz respeito às questões objetivas das estações aduaneiras de interior, estou de acordo com V. Exª no sentido de que é preciso que elas sejam implantadas rapidamente.

Na semana passada, o Presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto regulamentando as estações aduaneiras de interior, e espero que rapidamente possa criar os cargos a que se refere o Senador Roberto Requião, para que essas áreas sejam implementadas, e, entre elas, o Porto Seco de Brasília, que também depende dessas providências para escoação da produção aqui no Centro-Oeste brasileiro.

Mas, Sr. Presidente, o que me traz à tribuna é o fato de a Embrapa ter completado, nessa semana, vinte anos de trabalho no Centro-Oeste brasileiro. E a Embrapa através do CPAC - Centro de Pesquisas Agropecuárias do Cerrado -, nesses 20 anos, é a verdade, mudou o mapa econômico e produtivo do Centro-Oeste brasileiro.

Os cerrados no Brasil ocupam 207 milhões de hectares, basicamente em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Tocantins e Distrito Federal. E atualmente o cerrado brasileiro produz 41% de toda a soja do território nacional; 28% da produção de café, o que é uma grande novidade; 23% da produção de milho; 20% da produção de feijão; 20% da produção de algodão; 19% da produção de arroz; 10% da produção de mandioca; 10% da produção de cana-de-açúcar e 40% do rebanho bovino nacional.

Esse cerrado, que há 30 anos era absolutamente improdutivo, passou a ser ocupado produtivamente, depois da década de 50, com a construção de Brasília, período em que nós, brasileiros, partimos com a construção de estradas, com a construção das usinas hidrelétricas, principalmente Três Marias, e com a construção de Brasília a conquistar o nosso próprio território.

Não é demais afirmar, uma vez mais, que, antes de Brasília, antes das estradas e das usinas hidrelétricas, o Brasil era um país tipicamente litorâneo a nível demográfico e a nível econômico.

Passamos 450 anos ocupando uma estreita faixa de terra no litoral brasileiro, de norte a sul, até que essas decisões macroeconômicas pudessem facilitar aos brasileiros a conquista do nosso próprio território.

Mas o mais importante foi o que ocorreu nesses últimos vinte anos. Em 1970, apenas para ter-se uma idéia, a Região Centro-Oeste brasileira, quer dizer, os cerrados brasileiros produziram 5 milhões de toneladas de grãos em 5 milhões de hectares. Em 1990, produziram 20 milhões de toneladas de grãos em 10 milhões de hectares. Isso significa o quádruplo da produção e o dobro da produtividade, vez que multiplicou-se por quatro a produção de grãos aqui no cerrado, aumentando-se a área cultivada apenas em duas vezes.

Hoje, a área cultivada no cerrado é de 47 milhões de hectares; o potencial para a produção é de 136 milhões de hectares, onde podem ser produzidos 350 milhões de toneladas de alimentos.

Por essa razão, Sr. Presidente, Srs. Senadores, os especialistas, os estudiosos apontam o cerrado brasileiro como a última área agricultável do mundo, com grandes condições de produtividade, de uma expansão demográfica racional, de uso do solo não predatório, com preservação do meio ambiente. E é por isso que todos nós, que conhecemos a região Centro-Oeste, temos que, em primeiro lugar, parabenizar a Embrapa, parabenizar seus técnicos, pesquisadores, funcionários e dirigentes, particularmente os do CPAC, pelo trabalho que desenvolveram nesses vinte anos.

Na verdade, somente com a tecnologia disponível, desenvolvida já pela Embrapa, seria possível aumentar a produtividade da área, sem aumento da área explorada, e elevar a produção para 100 milhões de toneladas de alimentos.

Ora, se podemos, sem aumento da área agricultável, passar a produzir 100 milhões de toneladas de alimentos e com o aumento dessa área chegar a trezentos e cinqüenta milhões de toneladas de alimentos, é claro que esses números, por si sós, demonstram o grande potencial do Centro-Oeste brasileiro.

Em decorrência das pesquisas desenvolvidas pela Embrapa, com tecnologia inteiramente nacional, com técnicos brasileiros, foi possível - e é possível - a correção e adubação do solo, o controle integrado de pragas e doenças, a utilização de implementos para correto aproveitamento das propriedades físicas do solo, o desenvolvimento de variedades de culturas adaptadas à região, seqüências de cultivos e várias outras pesquisas, modificando intrinsecamente a qualidade dos produtos agricultáveis no cerrado brasileiro.

Dentre as tecnologias produzidas pela Embrapa, penso ser importante destacar a utilizada para o cultivo da soja. Há vinte anos dizia-se que era possível cultivar soja no cerrado brasileiro. Hoje todos sabem que 41% da produção nacional de soja se dá exatamente no cerrado.

Há mais ainda: o trigo, as gramíneas forrageiras, os cultivares de fruteiras, a mandioca, o eucalipto, o café - cuja produção, até há alguns anos, se julgava absolutamente impossível nesta Região Centro-Oeste -, o pinus, as leguminosas adequadas para a suplementação protéica de animais criados em pastagens, o manejo e o controle de plantas invasoras, principalmente da cultura de soja. Tudo isso só foi possível porque, nesses 20 anos, os diversos governos, o Estado brasileiro - porque os governos passam mas o Estado é uma instituição permanente - teve a coragem de investir em ciência e tecnologia, especificamente na Embrapa. O cerrado, talvez como a última grande área do mundo ainda pouco utilizada mas com grande potencial para a produção agropecuária, merece, por esses números e pela tecnologia já disponível na Embrapa, a atenção de todos nós que queremos pensar o futuro deste País.

Eu gostaria de aproveitar, Sr. Presidente, Srs. Senadores, para levantar uma reflexão que me parece extremamente importante. O Congresso Nacional e o País estão discutindo a reforma do Estado brasileiro. Independentemente das naturais e legítimas divergências que tenhamos sobre o papel do Estado na sociedade brasileira, existem alguns pontos consensuais. E vou citar apenas dois: parece-me ser consenso de todas as tendências políticas e ideológicas que o Estado brasileiro, repensado, reestruturado, com o menor custo, deva cuidar, prioritariamente, das áreas de educação e de ciência e tecnologia. Não há país que tenha passado as barreiras do subdesenvolvimento, que tenha buscado o modelo de desenvolvimento econômico equilibrado e socialmente justo, sem ter investido prioritariamente em educação e em ciência e tecnologia.

A reforma do Estado, em discussão atualmente na Câmara dos Deputados, já traz algumas variáveis que permitem ao Estado brasileiro, nos seus três níveis de atuação, federal, estadual e municipal, cuidar prioritariamente dessas duas áreas. Entretanto, penso que esta Casa, o Senado Federal, vai ter que discutir objetivamente pontos que podem gerar maior autonomia das instituições de ensino, fundamentalmente das instituições de ensino superior, e das instituições de pesquisa científica e tecnológica.

É absolutamente impensável que a Embrapa, vinte anos depois de um trabalho absolutamente aplaudido por todos os que conhecem o setor agropecuário brasileiro, depois de ter, por intermédio das suas pesquisas e da disseminação delas em toda a malha agropecuária do Centro-Oeste, conseguido mudar o mapa da produção do centro do Brasil, ainda sobreviva com as amarras de um Estado burocrático, administrativamente centralizador, que não dá aos centros de pesquisa, como a Embrapa e o CPAC, condições mínimas de parceria, de busca de capital privado para suas pesquisas e internacionalização de recursos nas áreas que lhe são prioritárias.

A reforma do Estado, a par de discordâncias naturais que vamos ter no processo político de discussão das matérias, deve merecer de todos nós uma atenção especial para este tópico, para este ponto, que é o da autonomia das instituições universitárias e das instituições de pesquisa na área de ciência e tecnologia. Penso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que não basta a discussão aqui da lei de autonomia universitária. Para descentralizar o poder de decisão ao nível das universidades brasileiras e para que para que essa autonomia se estenda às instituições de pesquisas, além da lei de autonomia universitária e de suas complementações, teremos que discutir, dentro dessa nova estrutura de Estado, condições mais flexíveis para que essas instituições tenham efetivamente condições de aumentar a produtividade do País, de contribuir efetivamente para a construção de um País mais justo e menos desigual.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Concedo o aparte ao nobre Senador Lauro Campos, que passou grande parte de sua vida nas universidades, e que melhor do que eu, portanto, conhece o problema da falta de autonomia das instituições de ensino e pesquisa no Brasil.

O Sr. Lauro Campos - Agradeço a oportunidade que V. Exª me oferece. Realmente, passei a minha vida toda na universidade. Quando nasci, meu pai era professor catedrático da Universidade de Minas Gerais, profissão que exerceu durante toda a sua vida e que eu segui. Por isso mesmo eu sinto, mais profundamente, talvez, que a maior parte das pessoas, o massacre, o desmantelamento, o empobrecimento a que as universidades, no Brasil, estão sendo submetidas. A nossa querida Universidade de Brasília não tem dinheiro para pagar nem água nem luz. Em outras universidades estamos vendo acontecer também o corte desses suprimentos, desses insumos fundamentais, pois elas não têm recursos sequer para isso. Quanto aos professores universitários, cito o meu exemplo. Quando voltei da Inglaterra, em 1976, o meu ordenado na Universidade de Brasília, com menos tempo de serviço do que tinha quando me aposentei, obviamente, correspondia exatamente ao preço de um Corcel zero quilômetro. Eu tinha entrado num consórcio e, quando voltei da Inglaterra - comentei até com minha mulher -, observei a coincidência. Hoje, um professor não ganha um pneu por mês, quer dizer, 1/4 de um carro. E esse processo ocorreu não apenas na universidade, mas na saúde pública e em todo o ensino brasileiro, obrigando as pessoas a procurarem, obviamente, planos de saúde privados, educação privada e, agora, com esse processo que está sendo lançado contra a real autonomia financeira da pesquisa e do ensino no Brasil, vamos ter a necessidade de pagar o nosso ensino superior. De modo que a cada momento que o Governo quer livrar-se da crise - que o Governo parece não compreender que é muito mais profunda do que considera -, ele quer resolver o problema criando imposto para a saúde, pedágio para tapar os buracos das estradas, pagamento das universidades públicas e até mesmo privatização da saúde através dos planos de saúde, que sabemos como estão maltratando a população. Diante disso tudo, vemos que a renda disponível do brasileiro diminui. O brasileiro não tinha que pagar a educação, a saúde pública e o pedágio. Assim, a renda disponível para outros fins - para o arroz, para o feijão, para o aluguel - diminui. O Governo resolve o seu problema: aumenta a carga tributária - vem aí o seu projeto - e, obviamente, com isso resolve o problema da saúde. Mas aumenta a pobreza, cria o problema da educação cara, inacessível, passa o problema para as costas da população, que há tanto tempo vem sendo sugada através desse processo de exploração e de crise, conjugadas, neste momento tão desagradável. Agradeço a V. Exª a oportunidade que me deu de aparteá-lo. Eu, realmente, tenho uma concepção do Estado que não será neste aparte que poderei enunciar. Eu precisaria de mais tempo para poder apresentar a minha concepção a respeito daquilo que o Estado, necessariamente, terá que ser. O redesenho, a redefinição do Estado e de suas funções não depende de cabeças individuais. Depende de uma estrutura, de um processo histórico em relação ao qual as cabeças individuais, no meu ponto de vista, têm muito pouca ação.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço o aparte de V. Exª e gostaria de registrar uma concordância e uma discordância.

A discordância - algo que acho ser saudável e democrático - parte exatamente de um ponto de concordância. Penso que estamos de acordo - e estamos - sobre o fato de que há trinta anos o Brasil tinha uma boa escola pública, o que hoje não tem.

Eu, por exemplo, sou filho de uma família humilde. Meu pai era ferroviário, mas todos os cinco filhos estudaram, porque na minha cidade era possível estudar em grupo escolar, em colégio estadual ou federal. Os filhos dos pobres se formavam. Hoje, isso não acontece. Os meus filhos estão em escolas particulares. Na verdade, o ensino público no Brasil caiu de padrão nos últimos 20, 30 anos.

Na área da saúde pública, na minha cidade havia o famoso Samdu - que acho que existia no Brasil inteiro. Havia quase que um médico de bairro, que atendia cada casa. Hoje, partimos para o roteiro dos grandes hospitais. Mas, além de termos 1.550 hospitais inconclusos no Brasil, o nível da saúde pública é infinitamente pior do há 20, 30 anos atrás. Ora, caiu o nível da educação e da saúde públicas, mas o Estado brasileiro agigantou-se, alimentado por verbas públicas que pareciam intermináveis no País da inflação, porque as verbas de impostos e de repasses eram sempre aplicadas nos overs. Embora a inflação corroesse o bolso de quem vivia de salário, a situação era até boa para as contas públicas, porque elas ficavam sempre maquiadas.

Penso que é momento de repensar mesmo o Estado, de fazer com que o Estado volte suas atenções para as missões que lhe são precípuas e fundamentais, e que toda a sociedade deseja que ele exerça com mais eficiência e eficácia, e, talvez, de atrair o capital privado para os setores produtivos da economia, fazendo o Estado o papel de regulador - e não sendo mais o dono do Grande Hotel, de Araxá, como é hoje, ou de supermercados, em plena Capital do País, como acontece hoje.

Penso que essa discussão, que é extremamente importante, não só o Senador Lauro Campos como todos nós vamos ter que fazer, para encontrarmos um novo modelo de Estado.

Mas eu queria registrar uma concordância com o Senador e Professor Lauro Campos. Alguma coisa está errada nas universidades brasileiras e nas instituições de ensino e pesquisa. Por que o professor universitário, segundo depoimento do Professor Lauro Campos, há dez ou quinze anos atrás recebia um salário infinitamente maior do que recebe hoje, e por que as universidades brasileiras têm um custo estratosférico de US$15 mil por aluno/ano, que é alto em qualquer País do mundo? Antes, os professores universitários ganhavam mais e as universidades custavam menos para o Estado.

Ora, onde está o erro? Existem vários. Não vamos aqui, obviamente, tentar dar uma receita de bolo para um assunto extremamente complexo, mas há alguns pontos que me parecem ser óbvios. Primeiro, não dá para, neste País, o professor universitário se aposentar com vinte e cinco anos de trabalho. Da mesma maneira que não dá para o Deputado e o Senador se aposentarem com oito anos de mandato. São coisas óbvias, que temos que ter coragem de definir. Eu defendo isso como professor universitário que fui. E não estou falando contra a minha categoria, ou contra os professores universitários. Ao contrário, num País onde a educação é um bem tão raro, não é possível que professores universitários, que colegas de turma meus - e eu me considero ainda relativamente jovem -, Senador Lauro Campos, que pessoas que se formaram comigo na Escola de Engenharia de Itajubá e que foram dar aula estejam aposentados aos quarenta e dois anos de idade - porque, para totalizar 25 anos, contam também o período de monitoria.

Falo e cito nomes. Não é possível que os professores Paulo César Guimarães e José Márcio, por exemplo, meus colegas de turma, que têm muito a dar a este País, tenham se aposentado aos quarenta e dois anos de idade.

Em Brasília, há centenas, há milhares de professores universitários que se aposentaram com 25 anos de trabalho, contando, para isso, o período de monitoria.

Agora, no setor elétrico brasileiro, uma série de aposentadorias vão acontecer, porque quem trabalha com energia elétrica conta o tempo de periculosidade, e, neste caso, a aposentadoria é mais precoce ainda.

Num País tão carente de educação, se nós aposentamos os professores universitários aos quarenta ou quarenta e dois anos de idade, o que fazem eles? Via de regra, voltam para as universidades. Eles, que já estão ganhando um salário abaixo da média, indigno até, aposentam-se e acumulam a aposentadoria com um novo salário de professor.

Ora, não seria mais lógico se tivéssemos a coragem de implementar uma aposentadoria digna, mas no momento certo? Aí sim, haveria um salário decente.

Quero fazer uma concordância explícita - o Senador Lauro Campos me dá essa chance. É uma grande bobagem imaginar que o ensino universitário pago resolveria o problema das universidades brasileiras. O Senador Darcy Ribeiro demonstrou aqui que a eventual contribuição dos alunos no pagamento da universidade não seria suficiente para custear 2 ou 3% das despesas das universidades brasileiras.

Porém, não podemos continuar pensando que, se enviássemos, teoricamente, todos os universitários brasileiros das universidades públicas para as universidades americanas, o custo ficaria mais barato para o Brasil. Algo está errado!

O Sr. Josaphat Marinho - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - Concordo, em boa parte, com as observações que faz. Mas o que me causa estranheza é que, sendo complexo o problema, não se cuide da reforma universitária no seu conjunto. As medidas propostas estão sendo isoladas, algumas até úteis, mas não representam a coordenação das soluções devidas. Por que não se cuida da reforma universitária no seu conjunto? Que as universidades estão em crise é fora de dúvida, absolutamente fora de dúvida, em todo o País. Por que não se cuida da reforma no seu conjunto?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Senador Josaphat Marinho, estou absolutamente de acordo com V. Exª. Quero inclusive dizer, desde logo, que estou preparando uma proposta de lei de autonomia universitária para dialogar com alguns reitores de universidades, com o Orlando, Presidente da UNE, e com algumas instituições que recolhem o sentimento médio dos que pensam na Universidade brasileira.

Estou de acordo que não adianta fazer remendos e atacar o problema das universidades brasileiras por uma ação isolada, ainda que correta, porque não estaríamos corrigindo o problema como um todo. E parte desse problema - estou aqui tendo a coragem de dizer - passa pela reforma da Previdência Social, passa por essa existência nefasta de castas privilegiadas no sistema de aposentadoria.

Em um País como o nosso, em um País cuja maioria dos habitantes é pobre, carente de estudos, não pode haver categorias profissionais com privilégios no sistema de aposentadoria. Creio que devemos ter coragem para alterar essa posição, ainda que politicamente o problema nos traga alguns desgastes. Porém, concordo com V. Exª no sentido de que a reforma tem que ser muito mais ampla.

O assunto que nos trouxe a esse tema, e volto a ele porque é correlato, é a questão das instituições de pesquisa e desenvolvimento. Tenho a convicção de que qualquer que seja o modelo de um Estado brasileiro, que nasça dessa reforma que estamos discutindo, esse Estado terá que ser reestruturado para cuidar melhor de duas áreas: educação e ciência e tecnologia. Se não conseguirmos fazer o Estado brasileiro cuidar, de forma mais eficaz, da educação e da ciência e tecnologia, todos os outros resultados serão falsos.

Na última quarta-feira, visitei a EMBRAPA. Fui ao CPAC e senti, in loco, o que o jornalista Márcio Moreira Alves disse em antológico discurso: "Contra a tristeza, tome Dorival Caymi; e, contra a desesperança, visite o CPAC".

A Embrapa, a alguns quilômetros do Congresso Nacional, tem uma centena de técnicos e pesquisadores. Um detalhe importante: tem hoje, no Brasil inteiro, 2.200 pesquisadores com mestrado e doutorado. Esse número é significativo em qualquer país do mundo. É potencial, é riqueza, porque traduz inteligência. Porém, Sr. Presidente, Srs. Senadores, esses profissionais estão sendo mal utilizados ou, pelo menos, subutilizados.

Esses pesquisadores, há 20 anos, chegaram ao cerrado e fundaram o CPAC. Não sou técnico em agricultura, sou muito urbano - não tenho um metro quadrado de terra e, portanto, não entendo do assunto -, mas sei que há 20 anos era considerado maluco o cidadão que se aventurasse a produzir algo no cerrado.

Contam uma história, Senador Josaphat Marinho - V. Exª é testemunha dessa época -, que Juscelino Kubitschek, na época da construção de Brasília, trouxe um grupo de japoneses para conhecer essa região, onde ganhariam terras para fazer um cinturão verde em torno da cidade. Depois que os japoneses visitaram a região, foram recebidos em Palácio pelo Presidente. O mais velho, segundo a tradição oriental, foi escalado para falar em nome do grupo. Com muita cerimônia, curvando-se à frente do Presidente, disse: "Presidente, terra é muito ruim!" E o Presidente respondeu: "Mas, se a terra fosse boa, não precisava de japonês!"

Se, há 20 anos, a agricultura era impossível no cerrado, hoje são produzidos 41% da soja brasileira, com índices de produtividade altíssimos. O cerrado brasileiro tem estações climáticas perfeitamente definidas, tem água abundante, baixa densidade demográfica, tem estradas prontas, inclusive a ferrovia que liga Brasília ao Porto de Vitória. Mesmo assim, o cerrado brasileiro ainda é basicamente inexplorado.

O SR. José Fogaça - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador José Fogaça.

O Sr. José Fogaça - O meu aparte refere-se exatamente ao ponto que V. Exª está abordando, que é o problema de recursos para uma instituição capital do nosso desenvolvimento: a Embrapa. Considero a Embrapa tão importante, do ponto de vista do interesse estratégico nacional, que, na condição de Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, para 1996, fiz uma proposta na Comissão de Orçamento. Essa proposta, de um lado, foi motivo de muito espanto; de outro, causou reações até mesmo iradas por parte de alguns membros da Comissão. A Embrapa tem problemas. Por exemplo, V. Exª faz referência a profissionais detentores de mestrado e doutorado que ali se encontram, inclusive com formação no exterior; portanto, possuem o capital humano do conhecimento, que é o instrumento mais importante dessa época para a formação de riqueza. Mas os salários desses mestres e doutores, desses pesquisadores científicos são baixíssimos, do ponto de vista do mercado; salários em torno de R$600,00, R$700,00, R$ 800,00, embora, se considerarmos a média salarial da sociedade brasileira, ainda seja um salário razoável. Mas, evidentemente, esse desequilíbrio determina uma fuga, um esvaziamento de qualidade dos serviços da Embrapa. Como é possível manter técnicos, investigadores, pesquisadores e cientistas com esses níveis salariais? Fiz, então, uma proposta para que houvesse uma mudança radical na cultura orçamentária do Brasil, que é basicamente apriorística, ou seja, achamos que o Orçamento só pode ser controlado antes de ser executado. Dessa forma, todas as amarras, todas as restrições, todos os instrumentos de controle do Orçamento são apriorísticos, determinam rigidamente programas, metas e fazem com que cada sigla orçamentária seja definida rigorosamente. Há então um estreitamento, uma camisa-de-força, um engessamento da atividade administrativa, que vem justamente dessa prisão orçamentária. O administrador não pode jogar com os recursos competitivamente ou eficientemente para ter ganhos na área em que atua. É o caso da Embrapa. Como estão rigidamente estabelecidos no Orçamento, não há como melhorar os salários dos seus investigadores e pesquisadores científicos. Fiz uma proposta, que me pareceu no momento ousada, mas que, na verdade, reproduzia modelos usados em outros lugares do mundo, que era conceder uma verba global à Embrapa, para que ela tivesse o poder de administrá-la e a usasse entre custeio, salários, investimentos, pesquisa, de modo a ter maior eficácia e maior eficiência do ponto de vista da qualidade dos serviços prestados. Foi uma verdadeira bomba. Os Srs. Membros da Comissão entenderam que aquilo era nada mais nada menos do que um descontrole e que levaria a um desbaratamento dos recursos, que aquilo levaria a uma impossibilidade de controle de fiscalização. É o contrário. A experiência mundial hoje mostra que, quando se dá um determinado valor, uma verba fixa a uma instituição como a Embrapa, e condições de gerir essa verba segundo a melhor eficiência, segundo a maior produtividade, a maior competitividade e a maior qualidade dos serviços que presta, o resultado é sempre positivo. Mas isso nós não conhecemos no Brasil. Para nós, Orçamento a posteriori não existe. Ninguém se volta sobre o Orçamento executado no ano anterior ou que está sendo executado. Essa é uma cultura absolutamente desconhecida do Parlamento brasileiro. Não sabemos fiscalizar ou controlar o que foi gasto e o que foi feito. Só se trata de impor amarras ao que vai ser feito, e o resultado me parece que é uma restrição e um engessamento muito grande da capacidade de jogar com elementos, com dados, com recursos, para obter melhor qualidade. Naquela época, propus que a Embrapa tivesse esse conjunto de recursos que pudesse administrar, para poder melhorar - quem sabe? - salários, quando tivesse que fazer isso para poder competir com a demanda externa que existe desses cientistas. Mas o resultado foi uma derrota, ou seja, eu fui, naquele momento, derrotado com relação à aprovação da minha proposição - a Comissão de Orçamento não aceitou a minha tese. Quero dizer-lhe, Senador José Roberto Arruda, que essa preocupação que traz é importante e tão importante que nós, dentro daqueles limites escassos que o Orçamento tem, procuramos revolucioná-lo, mas não conseguimos. Só desejava registrar o quanto nós sublinhamos, o quanto nós enfatizamos a importância de uma instituição pública como a Embrapa no Brasil. Há outra coisa que talvez não mude no Brasil, ou seja, a velhice das idéias. Millôr Fernandes fez uma afirmação que é dura, mas verdadeira: "Todas as ideologias mais velhas, mais antigas, mais superadas, todas as teses mais envelhecidas no mundo se aposentam e vêm viver os seus últimos dias no Brasil". Nós somos, aqui, o repositório das idéias aposentadas no mundo. Eu acho que é isso que acontece em relação ao nosso Orçamento. Obrigado a V. Exª.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Agradeço a V. Exª pelo seu aparte, que contribui muito para esse raciocínio. Eu me atreveria a dizer, Senador Fogaça, que o grande caminho para que se consiga isso é exatamente através da lei de autonomia universitária e de autonomia das instituições de ensino e pesquisa. Dou um exemplo só a respeito. O Reitor Todorov, que o Prof. Lauro Campos conhece bem, da Universidade de Brasília, veio ao Congresso, no ano passado, com um problema, um ridículo problema: a Universidade de Brasília tinha no orçamento R$260 milhões para pagar débitos trabalhistas. Mas com o cuidado que ele, Reitor, teve, esses R$260 milhões reduziram-se e houve um saldo de R$90 milhões, porque conseguiu fazer acordos abaixo do que era imaginado. Só que, em outra rubrica orçamentária, faltavam-lhe R$5 milhões para pagar contas de luz, água e os serviços de segurança e limpeza da Universidade. E ele só desejava pegar, desses R$90 milhões que ia devolver para o Tesouro, R$5 milhões, para que a Universidade não fechasse as portas no final do ano. Quer dizer, ele, Reitor da Universidade da Capital do País, não tem instrumentos administrativos para isso. Tivemos que ir ao Ministro da Educação e ao Presidente da República para, através de um ato de Sua Excelência, permitir que a Universidade de Brasília pagasse a conta de luz.

Pior que isso, só o exemplo do Presidente Collor: quando quis comprar um carro para o Vice-Presidente da República Itamar Franco, editou uma medida provisória, que, se não me engano, não foi aprovada até hoje pelo Congresso Nacional.

Ora, é impossível ter uma universidade, uma instituição de ensino superior, como a UnB, uma instituição madura, gerenciada, administrada por pessoas com alto nível de formação acadêmica, de experiência administrativa, engessada por uma estrutura burocrática envelhecida.

E aí, Senador Fogaça, passando por essa necessidade de produzirmos rapidamente o que o Senador Josaphat Marinho chama de reforma estrutural no ensino universitário brasileiro, penso que o começo é exatamente a lei da autonomia universitária, que eu tenho a pretensão de querer extrapolar para as instituições de ensino e pesquisa.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador José Roberto Arruda?

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Com o maior prazer, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - O meu receio é exatamente agora fazer-se uma lei de autonomia universitária isolada. Por que não enquadrá-la no conjunto da reforma universitária? Note V. Exª que, ao invés de assegurar-se a autonomia, talvez se queira estrangulá-la.

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA - Vamos ter essa discussão. Acho absolutamente fundamental que a tenhamos, Senador Josaphat Marinho. Com a experiência de V. Exª e a presença inclusive nessa discussão, neste plenário, do nosso sempre Senador João Calmon, que poderá nos ajudar com as suas idéias e os seus argumentos, acho que todos podemos partir para essa discussão.

O que não podemos mais aceitar é que instituições como a UnB, como a Embrapa, fiquem engessadas em regras administrativas centralizadas, antigas, arcaicas, absolutamente inflexíveis, fora de qualquer sintoma de realismo que elas devem ter. O que desejamos é que a execução da administração pública, nessas instituições de ensino superior e de pesquisa, tenha a liberdade de até pagar salários mais altos, de até fazer parcerias com o setor privado que tragam recursos para o ensino e a pesquisa - que hoje praticamente estão proibidos disso -, enfim, de arejar essas instituições.

Srª Presidente, Srs. Senadores, concluo esta minha fala dizendo que tenho uma grande dúvida. Sei que essa minha afirmação não trará conclusão alguma, mas pelo menos terá o mérito de aumentar as dúvidas. No Brasil, hoje, é ser progressista, por exemplo, defender a reforma agrária; mas não é ser progressista defender a reforma do Estado. E aí, aqui no Congresso Nacional, deparamos com o seguinte paradoxo: se todos nós estamos convencidos - e parece que no diagnóstico temos consenso - de que o Estado brasileiro se rege por regras absolutamente irracionais para os tempos atuais, que o Estado brasileiro cuida de coisas em que absolutamente a sua presença já é prescindível, temos que reestruturar o Estado brasileiro para que ele seja menor, mais ágil, mais racional, tenha um menor custo e, por outro lado, cuide melhor das missões que lhe são precípuas. Ainda que tenhamos legítimas discordâncias em relação ao exato modelo do novo Estado que se quer gerar, o que é fundamental é que o Congresso Nacional discuta, e discuta rapidamente, tão rapidamente quanto o deseja a sociedade brasileira, o projeto de reformas do País, que passa pela reforma tributária, pela reforma administrativa, pela reforma da Previdência, que não pode desejar prejudicar a quem quer que seja, principalmente aquelas pessoas de salário menor e que dão a sua vida ao serviço público brasileiro. O fato é que o Brasil precisa criar contornos de um Estado moderno, mais racional, mais ágil.

Este, Srª Presidente, Srs. Senadores, é o nosso desejo. E penso que um grande começo será exatamente a flexibilização com a autonomia das universidades e das instituições de ensino.

Registro, finalmente, os meus cumprimentos pessoais ao trabalho que a Embrapa fez, através do CPAC, aqui em Brasília. Esses cumprimentos se estendem ao trabalho da Embrapa em todo o território nacional. Acho que é um alerta para que o País não perca esse enorme potencial de inteligência que ainda está no Estado brasileiro, dentro da Embrapa, e penso que essa discussão apenas se inicia.

Ao terminar, peço licença a todos os Srs. Senadores para registrar que poucas vezes o Senado Federal foi presidido por uma Senadora, o que é sinônimo de mudança na sociedade brasileira.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/1996 - Página 9549