Pronunciamento de Gilvam Borges em 07/06/1996
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO REFERENTE A PROBLEMATICA DA TERCEIRA IDADE, PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, INTITULADO 'POBRE SANTA GENOVEVA, PADROEIRA DE PARIS'. DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY.
- Autor
- Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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SAUDE.:
- CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARTIGO REFERENTE A PROBLEMATICA DA TERCEIRA IDADE, PUBLICADO NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, INTITULADO 'POBRE SANTA GENOVEVA, PADROEIRA DE PARIS'. DE AUTORIA DO SENADOR JOSE SARNEY.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/06/1996 - Página 9536
- Assunto
- Outros > SAUDE.
- Indexação
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- LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, PRESIDENTE, SENADO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ASSUNTO, PROBLEMA, MORAL, TRATAMENTO, IDOSO, ESPECIFICAÇÃO, CASA DE SAUDE, INICIATIVA PRIVADA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna, nesta sexta-feira para registrar um assunto muito importante. Antes, porém, vou ler um artigo interessante, que faz uma análise profunda sobre alguns episódios que têm sido veiculados na imprensa sobre o problema da terceira idade, em particular o da Clínica Santa Genoveva. Esse artigo é de autoria do Presidente do Congresso Nacional, José Sarney, publicado no jornal Correio Braziliense, intitulado: "Pobre Santa Genoveva, Padroeira de Paris". Passo a lê-lo na íntegra. Peço à Taquigrafia e à Mesa que o transcreva para os Anais desta Casa.
Eu tinha um amigo francês, Roger Adam, a quem muito estimava, que um dia me fez uma observação que jamais esqueci. Falava-se a respeito dos nomes de organizações internacionais e seus biombos. E ele, que trabalhou muito tempo numa multinacional, me confidenciou: " Essas empresas, para despistar, no mundo inteiro procuram nomes que nada digam de seus controladores: obrigam a pesquisar. O nome tem que ser sempre inocente. Faz parte do negócio. Essa coisa de Viúva Joaquim Barbosa & Filhos é procedimento de português". "Veja", dizia-me ele, "que no Brasil as holdings maiores se escondem por trás de um nome de santo". E dava um exemplo: "Santa Rita de Cássia, Participações Ltda. Era a controladora de um gigantesco conglomerado estrangeiro, que detinha 49% das ações, para ser incluído como empresa brasileira, e o restante em nome do que hoje se chamam de "laranjas".
Seu argumento terminava na argumentação de que hoje devia-se ter cuidado quando se via uma piedosa empresa louvando no seu nome um santo de prestígio. O nosso País, se formos observar pela óptica dessa teoria, parece ser onde há mais empresários devotos, numa área em que os bens materiais estão sempre como objetivo principal. E, no setor de saúde, nem falar, a coisa é de espantar. Não há arapuca que não se esconda atrás de um santo. Veja-se como associar a esse episódio trágico da morte de dezenas de velhos o nome de Santa Genoveva, que nada mais, nada menos é que a padroeira de Paris. Aquela que pediu e orou para que ninguém saísse da capital francesa, quando o terrível Átila, rei dos hunos, marchou para invadi-la.
À Santa Genoveva disse São Germano que jamais usasse ouro no pescoço, deixasse as riquezas para as pessoas que servem ao mundo. Foi por devoção que escolheram o nome da Santa Genoveva para uma clínica que se transformou num símbolo daquelas mortes por inanição tanto quanto a câmara de gás marcou o holocausto dos judeus nos campos de Auschwitz e outros tantos? Não, coitada de Santa Genoveva, que passou 80 anos servindo aos pobres de Paris, agora matando velhinhos na Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro.
E a outra clínica? A Nossa Senhora, ao longo dos anos, ajuntou-se à suplica dos homens: das Graças, da Luz, da Glória, da Misericórdia, das Mercês, da Conceição, da Boa Morte, da Apresentação, das Dores, e tantas outras. Pois bem, invocaram para o lado de Santa Genoveva uma outra clínica, a Nossa Senhora das Graças, para revelarem essa terrível mancha do mundo de hoje, que é o abandono dos velhinhos. E, talvez, elas tenham feito o milagre de chamar a atenção do País para esse problema, embora à custa de muitas vidas. E quem pensou que com a invocação das santas ia acobertar um grande pecado criou um estigma e possibilitou uma reflexão do problema por toda a sociedade.
É preciso ir mais fundo no caso. A característica das velhas sociedades orientais é o respeito aos velhos. Nas primitivas, a mesma coisa. Vejam-se os estudos que existem sobre os nossos índios e seus costumes. Há uma constante em todo o sistema de valores tribais: a devoção e o respeito aos velhos, símbolo da perpetuidade da espécie humana na face da Terra, feita à imagem e semelhança de Deus.
Criou-se no mundo ocidental e cada dia mais vai progredindo o abandono dos velhos. O caso da Clínica Santa Genoveva atinge a todos nós. No Brasil, a sociedade achou um biombo para fugir de suas responsabilidades morais: buscar culpados. O mais fácil de achar entre todos eles é, sem dúvida, o Governo. O Governo é responsável por muitas coisas, coisas que lhe dizem respeito. Mas não pode ser responsabilizado pela decadência moral da sociedade. É fácil dizer que é a injustiça social que cria isso, que é a incúria pública. Difícil é reconhecer que há um processo de colocar o econômico e o bem-estar material acima de todos os valores. E então surge a figura do velho como imprestável, até mesmo para o afeto. É terrível ver essa morte coletiva, essa rotina dos cadáveres, sucedendo-se cada dia, uns morrendo ao lado dos outros, latifundiários de uma imensa solidão. Mas terrível também é saber que apenas três famílias procuraram "enterrar seus mortos, segundo o costume cristão".
Há algo de errado na sociedade que estamos construindo. "O que vale" - diz Galbraith, grande economista e humanista - "é a quantidade de nossos bens", quando fala, condenando, nos valores que estão sendo criados. O homem está embrutecendo e é como se fosse o exercício de uma rotina que estamos nos acostumando a ver: os meninos da Candelária, os presos do Carandiru, os mortos de Eldorado dos Carajás e os velhos de Santa Genoveva e de N.S. das Graças. É fácil dizer que tudo isso é o problema social. É o problema social, sim, mas ele chegou pela via do problema moral que devasta nossos valores. Num momento em que se fala tanto em globalização, estava na hora de globalizar padrões éticos da convivência humana. Essa era a tarefa das religiões, que, infelizmente, se politizaram, desejando transformar o mundo, quando sua tarefa seria transformar os homens porque somente assim poderemos mudar o mundo. Aliás, não foi outra a lição do cristianismo, a essência de sua doutrina. Voltaire, que era ateu, dizia que devia ensinar a suas filhas os Dez Mandamentos como código moral. Hoje, eles estão reduzidos à busca de valores materiais.
Lembremos os velhinhos que morrem em todos os asilos e nessas clínicas, depósitos de seres humanos velhos, que são a antecâmara da morte. Não somente dos velhos, mas do mundo desses velhos. Da solidão, do abandono, da falta de uma voz para consolo, da ausência da mão amiga, da falta de comida, da falta de remédios para aliviar-lhes a dor e do mundo silencioso que não tem lugar para o afeto, o carinho.
Esse episódio diz dos proprietários de clínica e das famílias dos internos, dos filhos, dos netos, dos amigos dos que morreram, de cada um que não cumpre com seus deveres para com seus próprios velhos.
Antigamente, nesses asilos estavam os santos. Hoje, eu faço uma outra pergunta: onde está um capelão, um padre, um missionário para fazer aquilo que é dever cristão: acompanhar os fiéis quando eles passam para o caminho da eternidade? A isso se chamava caridade. Os capelães saíram dos asilos e estão, em vez da oração, fazendo discursos.
Somos todos culpados. O tratamento dado aos velhos é o resultado de uma deformação moral dos nossos deveres.
Assim, essas clínicas deviam, em vez de invocar N. S. das Graças e Santa Genoveva, invocar Nossa Senhora da Boa Morte, que é o símbolo da morte cristã, que não prescinde da presença de carinho e amor."
Sr. Presidente, esse artigo, escrito pelo Presidente José Sarney, realmente faz uma profunda análise sobre essa crise. Nós do Ocidente realmente abandonamos nossos velhos, enquanto que as sociedades orientais os valorizam muito, os tratam com todo o respeito e reconhecem que os velhos representam o acúmulo de experiência.
Realmente, o Presidente José Sarney foi muito feliz ao fazer essa análise, ao abordar esse assunto com uma visão ampla.
Era o que tinha a dizer.