Discurso no Senado Federal

CRITICAS A ENTREVISTA DO ECONOMISTA NORTE-AMERICANO RUDIGER DORNBUSCH, A RESPEITO DA DURABILIDADE DO PLANO REAL.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CRITICAS A ENTREVISTA DO ECONOMISTA NORTE-AMERICANO RUDIGER DORNBUSCH, A RESPEITO DA DURABILIDADE DO PLANO REAL.
Aparteantes
Guilherme Palmeira, Pedro Simon, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/1996 - Página 9384
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, ENTREVISTA, RUDIGER DORNBUSCH, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUSENCIA, RESPONSABILIDADE, DECLARAÇÃO, CRISE, ECONOMIA, BRASIL, EFEITO, DESVALORIZAÇÃO, TITULO DE DIVIDA EXTERNA, BOLSA DE VALORES, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • PROTESTO, AMEAÇA, CONFIANÇA, AMBITO INTERNACIONAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vez por outra, assistimos com desprazer a certas figuras que são tidas no campo internacional como especialistas de tudo e profetas do nada. Esses cavalheiros, em vez de fazerem análises nos seus países, dizendo no que por eles passa e suas restrições, começam a atacar o Brasil. Observe V. Exª, Sr. Presidente, que os ataques têm objetivo bastante delineado, é o que colho da entrevista dada pelo economista Rudiger Dornbusch, a respeito do Brasil.

O que é mais grave é que essa declaração, feita em um congresso internacional, coloca o nosso País à beira de uma catástrofe. O indicado economista declara que o Brasil está à beira de uma crise financeira como a que se abateu sobre o México, no fim de 1994. Se essa observação fosse feita com a intenção de quem quer contribuir com uma análise crítica e construtiva, ainda se entenderia, mas feita na Conferência Monetária Internacional que se realiza na cidade de Sidney, na Austrália, é evidente que há uma orquestração por trás disso, porque a afirmativa do economista Rudiger Dornbusch vai ao ponto de dizer que o Brasil enfrenta o risco de um colapso e que a moeda brasileira - que é difícil de prever até quando se sustentará - terá o prazo máximo de um ou dois anos.

E aí, como todo economista é irresponsável, declara que nós, brasileiros, podemos ter sorte e seguir em frente. Ou a afirmativa de que a catástrofe se realizará em um ou dois anos é altamente leviana, ou a escapatória de que podemos ter sorte e seguir em frente é de uma brutalidade e irresponsabilidade total. Entretanto, o que é da maior gravidade é que tal declaração fez com que os títulos da dívida externa brasileira, sobretudo os de maior liquidez, os chamados C-Bonds, caíssem ontem 0,625% e puxassem para baixo a cotação dos bradies de países como a Argentina e México. Os contratos futuros do real, negociados em Chicago, também caíram.

Dir-se-á: então, esse reflexo foi apenas lá fora? Não, em São Paulo, a Bolsa de Valores reagiu com a queda de 1,63% no índice de rentabilidade, enquanto o mercado carioca caiu 0,96%.

O que quero comentar com os eminentes Senadores é que uma declaração dessa natureza, feita num momento em que o processo de estabilização da moeda brasileira não está concluído, até porque é através dele que se pode pensar em uma política social firme e densa, põe em jogo a credibilidade da caminhada econômico-financeira de um país.

Lembro-me, Sr. Presidente, e por isso vim à tribuna, de que, na época em que estive à frente do Ministério da Justiça, essas mesmas declarações, feitas pelo mesmo cidadão, Rudiger Dornbusch, anunciavam que o então Presidente da República, Fernando Collor de Mello, deveria seguir a política econômica mexicana. Os seus conselhos eram de que nenhum outro país além do México havia conseguido corrigir distorções econômicas e se recuperar tão rapidamente.

E o que vimos, Sr. Presidente? Vimos agora o mesmo cidadão declarar que a crise financeira que está no limiar dentro do Brasil nada mais é do que a repetição da crise do México.

Volto ao raciocínio anterior: como é que alguém tenta inviabilizar, no panorama internacional, a nossa estabilidade com uma declaração que ontem não tinha fundamento, hoje não tem alicerce e para a qual amanhã ele dará uma desculpa qualquer?

Ora, não é possível admitir-se que alguém como o economista Dornbusch, cujo passado recente, conforme disse ainda há pouco, está cheio de prognósticos falhos, fracos, levianos, pretenda dar lição de economia aos brasileiros e, digo ainda mais, pretenda induzir pessoas no exterior a achar que deverão desprezar o Plano Real, com isso interrompendo o processo de confiança que está havendo pelo mundo afora e inviabilizando a nossa estabilidade.

A minha inquietação, Sr. Presidente, está em saber com que finalidade alguém do mundo exterior, cujas palavras têm alguma repercussão, porque ele foi assessor do atual Presidente Bill Clinton, declara na Austrália, a propósito de nada, que estamos à beira de um colapso e que a nossa moeda irá por água abaixo. Por que, na mesma linha de raciocínio, se prevê que, em apenas um ou dois anos no máximo, isso acontecerá? A não ser que esse cavalheiro esteja a serviço de alguém cujos interesses estejam sendo contrariados - sou insuspeito para defender aqui o que o Governo está a fazer - e, através desse mecanismo - que, não tenho dúvida, é pela via oblíqua - esteja tentando solapar a economia brasileira.

O Sr. Guilherme Palmeira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Ouço V. Exª com muito prazer, eminente Senador Guilherme Palmeira.

O Sr. Guilherme Palmeira - Quero me associar à inquietação de V. Exª e, ao mesmo tempo, avançar um pouco, porque não se trata apenas de um desequilíbrio as declarações feitas por esse economista americano, conceituado por ter sido principalmente assessor do Presidente Bill Clinton. Preocupa-me que essa declaração do economista traga alguma alteração na Bolsa de Valores brasileira e que venha a mexer com a Bolsa de Valores no Japão, em Nova Iorque, enfim, com a Bolsa internacional. Quero também fazer um reparo com relação ao que V. Exª disse sobre os economistas serem incompetentes. Esse pode até ser, mas tenho o maior respeito pela classe dos economistas.

O SR. BERNARDO CABRAL - Eu não disse que os economistas eram incompetentes, nem faria isso.

O Sr. Guilherme Palmeira - Então houve um erro, porque foi o que entendemos. Temos economistas da maior qualidade e temos que respeitá-los; apesar de não soletrarmos o economês, temos que nos curvar diante da capacidade de uma boa parte dos economistas. É realmente um temor a declaração de um economista americano - cujo propósito não se sabe qual é - que praticamente mexeu com as finanças e a economia mundial. O que espanta é vermos a fragilidade da economia mundial, onde a declaração de um economista afeta a Bolsa de Valores no mundo todo. Nossa preocupação é muito maior, porque a questão não é apenas nacional, mas mundial. O pronunciamento de V. Exª deve servir de alerta aos chefes das Nações, de uma maneira geral, para que se apercebam que, às vezes, uma só pessoa pode mexer com a economia; estamos muito frágeis. Solidarizo-me com V. Exª e compartilho da sua preocupação. Precisamos realmente estar alertas, para que pessoas como esse economista, de certo renome internacional, não venham afetar a nossa economia e muito menos a economia mundial.

O SR. BERNARDO CABRAL - Nobre Senador, em primeiro lugar, devo dizer que V. Exª está no caminho certo quando demonstra que uma declaração dessa natureza tem, nessa hoje chamada economia globalizada, um efeito de multiplicação que não se pode imaginar onde poderá chegar. E tanto é assim que a cotação do dólar, ontem, frente às moedas fortes, teve uma grande baixa.

Em segundo lugar, quando me refiro aos economistas, tenho sempre muito cuidado, porque é uma área na qual não navego, mas, quanto a esse cidadão, posso dizer que ele, no passado, fez uma previsão que não se acomodou no presente com a realidade e foi absolutamente falha no futuro.

Observe V. Exª a repercussão de suas declarações: houve a queda do dólar, que foi vendido a 107,50 ienes contra 108,07 na sexta-feira passada, a 1,5183 marco alemão e a 1,2434 franco suíço. Um economista de peso, diretor de câmbio do Banco japonês Tokai, chegou a declarar: "As declarações nos fizeram lembrar da crise mexicana. O dinheiro está deixando o dólar e buscando refúgio na moeda suíça."

Além dele, um economista do MIT - universidade de origem do Sr. Dornbusch -, assessor econômico do West Merchand Bank de Londres, disse: "O Brasil está longe de uma situação ideal, mas não corre risco de colapso econômico."

O mesmo pensamento tem o Sr. Mário Schneider, do ING Barings no Brasil, que declarou: "Podem contar comigo como analista que não está de acordo com o Sr. Dornbusch."

Ainda bem que a reação em cadeia se fez sentir de imediato, para que a inquietação que grassou País afora não trouxesse senão um pouco de calmaria. Tanto que os especialistas do mercado dizem que os agentes se acalmaram, porque os efeitos de uma crise brasileira seriam menores do que a mexicana no ano passado. Aí está o fulcro, o esteio, porque o peso brasileiro no comércio e no PNB dos Estados Unidos é menor do que o do México.

Agora, observe, eminente Senador Guilherme Palmeira, que essas declarações vieram exatamente na véspera da mudança do Ministério do Planejamento. Será coincidência ou terá sido a propósito? O que poderia levar alguém que sabe que uma declaração sua terá repercussão no mercado internacional a fazer, gratuitamente, declarações dessa natureza e de forma tão açodada?

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL - Antes de eu mesmo dar a resposta, ouço o eminente Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Caro Senador Bernardo Cabral, preliminarmente, cumprimento V. Exª pela oportunidade do seu pronunciamento. Hoje, no Jornal do Brasil, o Ministro Pedro Malan, analisando as declarações de Dornbusch, diz que o grau de novidade do que ele alega é zero. Mais adiante, a reportagem diz que ele já foi casado com uma economista brasileira, hoje Secretária do Escritório de Assuntos Externos do Ministério da Fazenda. Pedi um aparte para falar sobre a troca de Ministros, mas V. Exª bem a lembrou. O Senador José Serra passou o ministério e fez um relato de todas as atividades do Governo no campo social e no campo econômico. O Ministro Antônio Kandir fez uma peça de oratória em torno do programa de atividades da Secretaria de Planejamento. S. Exª não desconhece que a política de juros altos é antagônica, difícil, que ela impõe um sofrimento à sociedade - o próprio Presidente da República vem chamando a atenção para isso. E dizia também um dos jornais que li que, quando Dornbusch anunciou a débâcle no México, já estava se desencadeando ali o processo de desvalorização. Então, ele teria se aproveitado de informações de início da débâcle para ser uma pitonisa procurando adivinhar o futuro do México, baseado nas informações que possuía. Mas acredito que ele bate numa tecla que o próprio Governo brasileiro vem procurando consolidar, para que realmente isso não traga mais dificuldades em um projeto econômico brasileiro. Acho que estamos no rumo certo, V. Exª ouviu isso comigo hoje. V. Exª está de parabéns por levantar esse assunto e se manter vigilante a esse respeito.

O Sr. Pedro Simon - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - (Faz soar a campainha.)

O SR. BERNARDO CABRAL - Sr. Presidente, conheço a generosidade de V. Exª. Não obstante a advertência de que o meu tempo está esgotado, permita-me apenas ter a alegria de ouvir o Senador Pedro Simon e, a seguir, poder dar as respostas aos eminentes Senadores Romeu Tuma e Pedro Simon.

Ouço V. Exª, nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Creio que é difícil encontrar um assunto mais importante para ser debatido hoje no Senado e um Senador mais competente do que V. Exª para tratar desta matéria.

O SR. BERNARDO CABRAL - Muito obrigado, Senador.

O Sr. Pedro Simon - Não há dúvida de que se trata de uma questão muito séria. Achei a resposta do Ministro Pedro Malan muito primária, muito - perdoem-me o termo - "fracote". A coisa é mais séria. O Ministro Pedro Malan tinha que dar uma resposta mais contundente, mais objetiva, mais clara. Querer atingir a figura desse cidadão, bem ou mal, ele é um cidadão conhecido e respeitado. Esse assunto a que V. Exª está se referindo foi publicado praticamente nos jornais do mundo inteiro. Esse economista diz nada mais nada menos que o Brasil está a caminho do México. O que aconteceu no México ontem vai acontecer no Brasil amanhã. Esse tipo de afirmativa não pode ser dito com essa naturalidade por um cidadão e respondido com essa ingenuidade pelo Ministro da Fazenda. A questão é muito séria. Eu até me nego a entrar na discussão, porque V. Exª já o fez, mas os argumentos dele são dramáticos: o Plano Real é irreal; há uma defasagem; o real hoje está superfaturado em cerca de 20% em relação ao dólar; e, quando cair na realidade, isso vai explodir; e, quando explodir, vai acontecer o que aconteceu no México. É o que ele está dizendo. É mentira? Eu acho que sim, tomara que seja; não só acho que sim como quero crer que sim e rezo para que seja mentira. Esse cidadão é um irresponsável? Tomara que sim, acho que sim, queira Deus que sim. O Ministro da Fazenda tem a obrigação de responder a essas questões não apenas para nós aqui, mas também lá onde a citação foi feita, com conteúdo, com seriedade, com números, e não com uma respostazinha vã, um pouco ingênua.

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna) - A Mesa pede desculpas, mas o tempo do orador já se esgotou há 3 minutos.

O SR. BERNARDO CABRAL - Eminente Senador Pedro Simon, sou capaz de adivinhar o que V. Exª iria concluir. Sei que V. Exª iria demonstrar que uma irresponsabilidade dessa natureza, pelo menos uma aparente irresponsabilidade, pode gerar uma crise tão grande no País, que não será permitido que nós, com a nossa omissão, com a nossa indiferença, sem uma resposta imediata, dura, que não seja uma resposta de contorcionismo político, deixemos de mostrar ao mundo inteiro que esse cidadão não tem um passado de pitonisa muito bem conceituado.

Para concluir, Sr. Presidente, vou demonstrar como ele não o tem, lendo um registro da imprensa:

      "Em 1986, o economista recomendava ao então Presidente Sarney que tirasse Mailson da Nóbrega do comando da política econômica e convocasse o ex-ministro Delfim Netto.

      E recentemente, em março deste ano, ele não hesitou em propor ao Governo brasileiro a espantosa receita de "esquecer a obsessão por uma inflação mais baixa" e fazer a economia crescer 7% ao ano: - Quem disse que não é possível crescer 7% por causa da luta contra a inflação deve ser mandado para o zoológico - declarou."

Sr. Presidente, a agressão de Dornbusch mandando que as autoridades econômico-financeiras deste País devam ter o destino do zoológico e agora dizendo que estamos à beira de um colapso é o mesmo que lembrar aquela célebre frase latina: vade retro, Satanas!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/1996 - Página 9384