Discurso no Senado Federal

CONFLITOS PELA TERRA NO BRASIL. DEFESA DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 124, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA A ALINEA B DO PARAGRAFO 2 DO ARTIGO 589 DO CODIGO CIVIL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 6.969, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1981.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONFLITOS PELA TERRA NO BRASIL. DEFESA DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DO SENADO 124, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA A ALINEA B DO PARAGRAFO 2 DO ARTIGO 589 DO CODIGO CIVIL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 6.969, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1981.
Aparteantes
Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/1996 - Página 9589
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, ARTIGO, CODIGO CIVIL, PREVISÃO, TEMPO, ABANDONO, TERRAS, OBJETIVO, FACILITAÇÃO, EXECUÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, data de muito tempo a luta e os conflitos pela terra no Brasil. Parece até que nossa densidade demográfica é muito alta e que o Brasil, ao invés dos 8,5 milhões Km² de extensão, é um País de terras escassas, nem a população é muito numerosa e muito menos as terras são estreitas, restritas, limitadas. Portanto, o conflito não é um conflito populacional, um conflito demográfico ou um conflito entre a demografia e a geografia, mas um conflito social.

Não há dúvida alguma de que o que se verifica no Brasil, ao contrário do que se passou em outros países como os Estados Unidos, o Japão, a Suécia, a Alemanha, é a formação de uma cultura em que o homem é alijado, o homem é expulso das condições de trabalho. O homem é marginalizado, é "sucateado" prematuramente, envelhecido e lançado nas "Santas Genovevas" e nos "Caruarus" da vida.

É preciso desvalorizar o ser que a sociedade explora. É preciso dizer, como na escravidão, que o homem é coisa, para que ele seja explorado sem causar um problema de consciência aos exploradores, ou qualquer coisa, ou quase nada, como acontece com os trabalhadores brasileiros, dos mais explorados do mundo.

Agora, verifica-se, no Brasil, esta nova onda de promessas de que uma reforma agrária será realizada, talvez de forma semelhante àquela que, desde os meados do século passado, num processo continuado, foi feita nos Estados Unidos, país em que, por meio da Lei Home Stead, qualquer imigrante recebia 170 acres de terra, onde podia trabalhar com sua família.

Só entre 1900 e 1910, 90% das terras que constituem o centro-oeste norte-americano foram ocupadas, neste processo que deu aos trabalhadores acesso à terra.

No Brasil, ao invés de trabalhadores imigrarem, temos o capital que deixa os seus proprietários lá fora e comanda apenas as fontes de enriquecimento e de realização do lucro.

Na Suécia, dizia, ainda nos anos 60, Gunnard Myrdal, um economista preocupado com os problemas sociais, não só dos Estados Unidos, mas também da Índia, em cujas condições escreveu dois volumes de exemplares. Dizia que, lá na Suécia, no século passado, pelo menos oito reformas agrárias mais profundas do que as cogitadas no Brasil, nos anos de 1960, haviam sido realizadas. No Japão, em média a propriedade da terra, o módulo fundiário é de, apenas, 8000 m².

A minha preocupação com o problema rural, com a propriedade da terra vem de longa data. Em 1958, estudei, participei, observei e fiz questionários a respeito do processo de reforma agrária capitaneado pelos Svimes, Cassa per il Sviluppo di Mezzogiorno, na Itália; 18 enti di riforma que foram constituídos para levar a reforma agrária às regiões mais pobres da Itália, realmente constituíram a expressão de uma vontade política de realizar uma reforma agrária.

No Brasil o que falta é justamente a vontade política. Palavras, promessas políticas, existem em grande quantidade - e se renovam em cada processo eleitoral - mas vontade política, duvido que exista. E fico duvidando cada vez mais, pois, na semana passada, apresentei projeto de lei que tomou o nº 124, que altera a alínea b do § 2º do art. 589 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981.

Sr. Presidente, essa Lei nº 6.969, do tempo do General Presidente João Baptista Figueiredo, reduziu de 10 para três anos o tempo previsto para se considerarem abandonadas terras que poderiam ser arrecadadas pelos Estados, Distrito Federal e pela União; arrecadadas como terras abandonadas. Antes dessa lei, exigia-se o abandono por 10 anos, de acordo com o Código Civil em sua redação anterior.

Procurei o INCRA para me informar a respeito do volume de terras abandonadas, terras que não foram herdadas; cuja herança não foi efetivada por herdeiros; terras compradas em grande quantidade por estrangeiros que jamais vieram conhecer sequer o local em que elas se encontram; terras abandonadas por pessoas que têm poucas posses. Eu e meus irmãos, por exemplo, abandonamos 1.200 hectares encostados à fazenda do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no Município de Buritis, que meu pai adquiriu em 1927.

Para mim, como para Jeremy Bentham, para Adam Smith e para outros que consideram o trabalho humano a maior e mais essencial manifestação do homem, a propriedade privada real, a verdadeira escritura é aquela lavrada pelo trabalho humano. Todavia, vemos aqui no Brasil pessoas que nunca trabalharam nem exploraram terra constituírem, por meio da propriedade cartorial, por meio dos grilos, da grilagem, uma propriedade sobre outra propriedade; propriedades fictícias, propriedades ladravazes, propriedades que não apenas desrespeitam os trabalhadores, mas também impedem que o trabalho humano seja executado no processo de transformação do mundo e do homem.

Assim, a partir dessa facilidade introduzida pelo General João Baptista de Figueiredo - que reduziu de 10 para três anos o tempo para se considerarem abandonadas essas terras para arrecadação - a reforma agrária deveria se preocupar com essas terras que são introduzidas no patrimônio dos Estados, do Distrito Federal e da União de graça; deveria redistribuir essas terras para reforma agrária.

No entanto, terra não falta neste País, ao que parece, porque, além das terras devolutas, uma pletora de terras abandonadas deveriam ser destinadas ao trabalhador - ao lado daquelas que o Exército, em boa hora, acaba de ceder ao processo de reforma agrária - para que o acesso à terra fosse, embora tardiamente, conseguido por aqueles que não a têm.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Pois não. É um prazer ouvir o Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Agradeço imensamente a oportunidade que V. Exª me dá e quero lhe confessar que, já há alguns minutos, estou hesitando antes de me decidir a interromper a exposição de V. Exª tamanho o respeito que lhe devoto e tamanha a admiração que tenho pela forma séria e pelas manifestações patrióticas que encontro em todos os pronunciamento de V. Exª mesmo quando com eles não possa concordar. Com relação ao pronunciamento de hoje, eu quero dizer a V. Exª que há muitas coisas que aproximam nossos pontos de vista. Também sou daqueles que pensam que a questão da reforma agrária precisa, de uma vez por todas, ser enfrentada. Creio que assim como se fala na modernização do Estado, como se fala da modernização das estruturas que integram e que compõem o perfil da sociedade brasileira, do Estado brasileiro, de cada uma dessas instituições que exigem reformas, modernizações, atualizações; dessa forma, penso que a estrutura fundiária brasileira, por si mesma, grita por uma reforma, nos convoca a realizá-la não em nome de um tipo de proposta ideológica, não em nome de um tipo de luta ou de antagonismo interno, mas em nome da própria necessidade de dar maior fluidez, maior eficiência ao trabalho produtivo. Nisso estamos totalmente de acordo. Divergimos, Senador Lauro Campos, quando V. Exª enxerga algum tipo de luta, algum tipo de resistência que penso esteja mais associada a outro conceito do que a própria realidade do problema agrário brasileiro. Penso que há um virtual consenso no País em torno da necessidade de se enfrentar essa questão; mas creio também, Senador, que cavalga uma tese com a qual estamos todos de acordo: existe outro tipo de interesse, o interesse de provocar conflitos desnecessários. Veja V. Exª o seguinte: Quando falamos em reforma agrária e incorporamos necessariamente a essa noção o propósito altamente louvável de oferecer a um cidadão que deseje trabalhar na terra, mas não é dono dela, a possibilidade de tornar-se proprietário, no fundo, estamos desejando transformar o trabalhador sem-terra num pequeno proprietário rural. Ora, no Brasil, existem hoje centenas de milhares, talvez milhões de pequenos proprietários rurais. Penso, Senador, que se o INCRA se dispuser a mandar que apenas um funcionário de quinto escalão leia os anúncios das páginas de oportunidades dos jornais em todo o Brasil, observaria que não há necessidade de desapropriar coisa alguma, tamanha é a oferta de terra que se tem nesse momento no País.

O SR. LAURO CAMPOS - Não há dúvida alguma.

O Sr. Geraldo Melo - Gostaria de lhe dizer que isso apenas expressa que não se trata de disponibilidade de terra, de existência de terra nem de proprietários de terra; não é isso que está embaraçando a efetivação de um programa de reforma agrária. Acredito, Senador, que a ausência de uma política agrícola consistente que seja capaz de oferecer ao proprietário rural, ao pequeno proprietário rural a possibilidade de viver da sua gleba, isso sim acredito que seja o grande problema.

Do mesmo modo que há cidadãos brasileiros na pequenez a que V. Exª se refere, relegados a níveis secundários na hierarquia social brasileira, do mesmo modo que há homens desse tipo, que desejam a sua gleba, há um pequeno proprietário que não foi bloquear estrada, que não faz movimento algum, que vive de três ou quatro vaquinhas, meia dúzia de pés de banana e que precisa viver daquela gleba. Ou vamos fazer uma reforma agrária e entregar o brasileiro sem-terra de hoje à sua sorte, fazendo dele um pequeno proprietário rural, que irá viver tão desamparado quanto os pequenos proprietários rurais de hoje, ou vamos ter uma política agrícola que sirva aos futuros pequenos proprietários rurais, transformados em proprietários por um programa de reforma agrária, mas que sirva também aos proprietários rurais que já existem e que merecem nossa preocupação, tanto quanto os trabalhadores sem-terra?

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte de V. Exª.

Voltando ao tema que me traz aqui, qual seja, a minha proposta de alteração do citado art. 589 do Código Civil. O que gostaria também de lembrar é que desde a Constituição de 1946 há uma determinação expressa a respeito da reforma agrária. E aqueles que estão lutando pela reforma agrária, que a muitos olhos parecem baderneiros e provocadores, estão apenas querendo provocar o respeito à Constituição Federal e à utilização social da propriedade. O res utendi, abutendi et fruendi já deveria ter sido enterrado na história da civilização. No entanto, hoje, no Brasil, ainda persiste.

Gostaria também de lembrar àqueles que pensam que o Movimento dos Sem-Terra tem algum sentido que não a vontade de trabalhar de que as terras expropriadas no Brasil caem na mão de uma máfia. Trata-se da máfia da expropriação de terras, que compra a terra por um e depois essa mesma terra é desapropriada por mil. E tão grande, tão bom é o negócio da máfia de desapropriação de terra no Brasil, que vemos agora o "Rei da Soja" oferecer uma migalha: 50% de seus 400 mil hectares - 200 mil hectares - para que seja feita a reforma agrária em suas terras no Mato Grosso.

O Sr. Olacyr, que é o maior produtor de soja do mundo, um grande empresário, prefere receber os títulos da reforma agrária e aplicar o dinheiro na compra de empresas estatais e em outros negócios mais bem remunerados do que aquele em que ele atua.

De modo que plantar soja e colher lucro é obviamente algo perfeitamente lícito. Plantar soja e colher moças bonitas deve ser mais agradável ainda. Mas não poder plantar, não poder trabalhar, com a enxada na mão e a dureza do sol, a diferença é gritante e profundamente desumana.

Portanto, o que proponho é apenas chamar a atenção para a existência dessa fonte de terras que poderiam ser facilmente oferecidas para a reforma agrária. Como a ditadura militar reduziu de dez para três anos a caracterização dessas terras abandonadas, apenas a reduzi de três para dois anos. Como membro do Partido dos Trabalhadores, eu não poderia ficar aquém dos governos militares, que reduziram para três anos essa caracterização das terras abandonadas.

Em relação a elas, não haverá mediação de máfias, como aquela que matou um advogado e seu filho, agora em São Paulo, há cerca de um mês, e que obviamente utilizam a força e a violência para impedir que uma reforma agrária humana seja feita.

Apenas para terminar, gostaria de lembrar que quando os Estados Unidos ocuparam o Japão, lá fizeram uma reforma agrária, não para redistribuir, alterar a estrutura fundiária, mas para reduzir os 25% de trabalhadores assalariados - que os norte-americanos entendem ser muito - no campo. Nos Estados Unidos, 2,7% da população está ocupada no campo. Pode acabar acontecendo com a reforma agrária no Brasil o que aconteceu com a Lei do Divórcio: quando ela chegar, pode ser que a população brasileira esteja, como a americana, 2,7% no campo e a reforma agrária, então, será inútil, como foi inútil a Lei do Divórcio em um País em que as pessoas, cansadas de esperar uma solução jurídica formal, resolveram na prática seus conflitos e sua vontade de encontrar a felicidade em outra união conjugal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/1996 - Página 9589