Discurso no Senado Federal

BOAS-VINDAS AO SENADOR JOSE SERRA, QUE REASSUME SUA CADEIRA NESTA CASA. ENTREVISTA DO SR. CELSO FURTADO SOBRE O DESEMPENHO DA ECONOMIA BRASILEIRA, ESPECIALMENTE NOS CAMPOS DE COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL, GERAÇÃO DE EMPREGOS E DISTRIBUIÇÃO DE RENDAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • BOAS-VINDAS AO SENADOR JOSE SERRA, QUE REASSUME SUA CADEIRA NESTA CASA. ENTREVISTA DO SR. CELSO FURTADO SOBRE O DESEMPENHO DA ECONOMIA BRASILEIRA, ESPECIALMENTE NOS CAMPOS DE COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL, GERAÇÃO DE EMPREGOS E DISTRIBUIÇÃO DE RENDAS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/1996 - Página 9405
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, JOSE SERRA, SENADOR, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), RETORNO, SENADO.
  • OBSERVAÇÃO, DUVIDA, PRESTAÇÃO DE CONTAS, GOVERNO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), INEXATIDÃO, CONTABILIDADE, GASTOS PUBLICOS, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • SUGESTÃO, ORADOR, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, CONVITE, REPRESENTANTE, TRABALHADOR, SINDICATO, DISCUSSÃO, SITUAÇÃO, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, CELSO FURTADO, ECONOMISTA, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, COLOCAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, MERCADO INTERNACIONAL, INEFICACIA, CRIAÇÃO, EMPREGO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, APREENSÃO, RETOMADA, CRESCIMENTO, URGENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, em primeiro lugar, eu gostaria também de dar as boas-vindas ao Senador José Serra, que hoje deixa o Ministério do Planejamento, passando aquela Pasta ao Ministro Antônio Kandir.

Gostaria, inclusive, de dar o meu testemunho, por ser, talvez, entre os Senadores aqui presentes, quem o conhece há mais tempo.

Em 1963, eu era presidente do Centro Acadêmico de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e votei no então presidente do Centro Acadêmico da Escola Politécnica de São Paulo, José Serra, para presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Nos vimos em muitas outras ocasiões: nos anos 60/70, quando José Serra estava no Chile, nos Estados Unidos, na França, e também quando voltou ao Brasil; em 1977/78, quando seria candidato a deputado federal, e nós dois éramos companheiros no então MDB.

Infelizmente, naquela ocasião, a legislação vigente e a punição que lhe foi feita injustamente pelo regime militar impediu-lhe, em 1978, de ser deputado federal. José Serra permaneceu no PMDB por um tempo, até que veio para o PSDB, e eu tornei-me membro do Partido dos Trabalhadores em 1980, quando da sua fundação. Aí, tivemos caminhos diferentes, mas sempre com atitudes de diálogo, de respeito mútuo e com interesses comuns com vistas a criarmos uma Nação justa, onde o desenvolvimento econômico e social pudesse ser para todos os brasileiros, em que a democracia e os direitos à cidadania fossem conceitos válidos para todos.

Em alguns momentos, temos diferenças e divergências. Hoje, por exemplo, dentro do Partido dos Trabalhadores, sou um entusiasta da candidatura de Luiza Erundina. Em l992, quando candidatei-me a prefeito de São Paulo, José Serra expressou publicamente a sua preferência por votar em mim - no segundo turno, obviamente -, por causa desses laços e pela comunhão de alguns objetivos importantes para a nacionalidade.

Eu estava dizendo ao José Serra que senti o ingresso dele na campanha eleitoral municipal em São Paulo como a entrada do jogador titular. É como se ele, que é palmeirense, fosse assistir ao jogo Santos x Palmeiras, domingo último, e o Palmeiras não contasse com o Rivaldo, ou com algum dos seus grandes craques. Ou como se o Santos, time para o qual eu torcia no domingo, estivesse sem o Geovani.

Felizmente, percebo na pessoa de Luiza Erundina uma de nossas artilheiras titulares, uma pessoa que certamente vai honrar e dignificar a disputa em São Paulo. Penso também que o debate entre ambos, obviamente respeitados os demais candidatos, será do mais alto nível.

Na última semana, Sr. Presidente, registrei aqui o relatório do Tribunal de Contas da União, que anunciou decréscimo de gastos nas áreas sociais. Todavia, hoje, ao prestar muita atenção ao pronunciamento do Ministro José Serra por ocasião de sua despedida, pude perceber que S. Exª, como é sua característica, procurou, com muita ênfase, explicitar que teria havido um engano na parte da contabilização dos gastos sociais de 1994 para 1995. Segundo S. Exª - e tenho quase certeza do número citado -, teria havido um acréscimo da ordem de 3,2%. Gostaria, inclusive, de ver essa demonstração, porque fiz o registro de parte do relatório do Tribunal de Contas na semana passada, e seria importante que pudéssemos examinar esses dados, já aproveitando a presença do Senador José Serra para dirimir dúvidas relativamente a esses aspectos.

Hoje, pela manhã, Sr. Presidente, na Comissão de Assuntos Econômicos, fiz proposição ao Presidente Gilberto Miranda que gostaria de aqui reafirmar. Diante do quadro de agravamento do desemprego na economia brasileira, diante da preocupação dos trabalhadores que, por intermédio das centrais sindicais, estão programando para 21 de junho próximo um dia de protesto nacional e de chamada de atenção às autoridades, registro, Sr. Presidente, este ofício ao Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Gilberto Miranda, nos seguintes termos:

      "Diante do agravamento da situação de desemprego na economia brasileira, solicito sejam convidados os Srs. Vicente Paula da Silva, Presidente da Central Única dos Trabalhadores - CUT, Luís Antônio de Medeiros, Presidente da Força Sindical, Antônio Fernandes Neto, Presidente da Central Geral dos Trabalhadores, Enir Severino da Silva, Presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores, para que possam, perante a Comissão de Assuntos Econômicos, trazer o diagnóstico sobre o real quadro de trabalho e desemprego no País, apresentando suas sugestões de como compatibilizar a política de estabilização, crescimento da economia, geração de emprego, melhoria da distribuição da renda e combate à pobreza."

O Senador Gilberto Miranda me informou que acatou a sugestão e que essa reunião será realizada na próxima quarta-feira, dia 12, para a qual já estão sendo convidados os presidentes dessas centrais de trabalhadores.

Sr. Presidente, ainda relacionado ao tema que hoje foi objeto de debate nesta Casa, a repercussão do diagnóstico sobre a economia brasileira, que alguns Senadores se preocuparam em comentar, ou seja, as declarações do economista Dornbusch; na verdade, até relacionado à questão do diagnóstico hoje elaborado pelo Senador José Serra, por ocasião da entrega do bastão para o Ministro Antônio Kandir. S. Exª procurou enfatizar os avanços realizados na economia brasileira desde o início do Plano Real. Há que se reconhecer que houve um avanço importante na área do combate à inflação. Não há dúvida de que a estabilização de preços teve um progresso notável, pois há dois anos, em maio e junho de 1994, a inflação era de 40%, 45%, quase 50% ao mês. O fato de a inflação estar hoje abaixo de 2% ao mês, entre 1% e 2%, constitui, obviamente, um feito extremamente difícil de ser realizado, pelo menos no que se relaciona a nossa experiência na economia brasileira.

No entanto, no que diz respeito aos aspectos de crescimento, aos aspectos que são a preocupação de vida do Presidente Fernando Henrique, do próprio Senador José Serra, creio que devemos comentar que ainda não houve solução adequada dos problemas.

Isso, Sr. Presidente, não está sendo dito simplesmente por um economista como o Sr. Rudiger Dornbusch. Está sendo dito, em outras palavras, por um dos maiores economistas e, certamente, um dos maiores amigos do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do próprio Senador José Serra. Refiro-me ao economista Celso Furtado, que, no domingo último, em O Estado de S.Paulo, menciona aspectos que são também preocupação nossa. O respeitado economista avalia que sobretudo três aspectos fundamentais estão tendo um desempenho por parte do Governo aquém do desejável, quais sejam: a conquista da competitividade internacional, a criação de empregos e a melhoria da distribuição de renda. Diz Celso Furtado: "Não podemos deixar de reconhecer que o desempenho do Governo atual é abaixo do medíocre".

Obviamente, o economista também ressalta o aspecto extraordinário, que nós reconhecemos, de se conseguir melhor estabilidade de preços. Gostaria de registrar alguns trechos dessa entrevista de Celso Furtado:

      "Na fase atual do desenvolvimento do capitalismo, o desafio maior com que se defrontam os países de industrialização avançada - e incluo o Brasil entre eles - é conciliar três objetivos igualmente essenciais. O primeiro: manter-se competitivo para ganhar espaço no plano internacional. O segundo: gerar emprego adequadamente remunerado para uma população crescente. E o terceiro: avançar no sentido de uma distribuição de renda mais igualitária. O Brasil tem uma performance medíocre com respeito ao primeiro objetivo, a competitividade internacional, e falha totalmente quanto aos dois últimos."

Sobre a reforma monetária cambial, de 1994, ressalta em seu artigo:

      "...assegurou uma transferência do poder de compra em benefício dos grupos sociais de baixa renda, principais vítimas da inflação numa economia indexada. Contudo, a bolha de consumo assim criada não modificou o quadro da distribuição da renda, persistindo a tendência estrutural à concentração. Os objetivos a que me refiro podem ser contraditórios, pois os investimentos que aumentam a competitividade internacional, com freqüência, geram emprego, e os investimentos que melhoram a distribuição da renda, geralmente, desfavorecem a competitividade internacional."

No que diz respeito a um dos problemas centrais, diz Celso Furtado:

      "O melhor das energias do governo tem sido aplicado na preservação da estabilidade monetária, permanentemente ameaçada pelas turbulências da esfera internacional. Em outras palavras, o temor da instabilidade monetária limita a margem de manobra do governo e inibe o crescimento da economia."

Compara, ainda, as taxas de juros no Brasil e no exterior:

      "O que se passa no Brasil é o seguinte: pratica as taxas de juros mais elevadas do mundo. Na metade do ano passado, o Brasil apresentou uma taxa de juros de 35% em termos reais. Para se ter uma idéia, é bom observar os países grandes. Não vou comparar com países desenvolvidos que têm taxas de juros de 3% ou 4%, vou pegar os grandes países que têm dificuldades como nós. Na Índia, a taxa de juros foi de 11%, na Argentina, de 21%, na Rússia, de 12%. Taxa de 35% não houve em nenhum outro lugar."

      Portanto, o Brasil foi o País que praticou a política mais defensiva. Por quê? Só por medo da instabilidade. É possível que o Brasil tenha mais medo da inflação do que qualquer outro país...

É até compreensível que nós, como outros países, que tivemos hiperinflações ou inflações altíssimas prolongadas, tenhamos tanta preocupação em manter a estabilidade de preços. Mas é interessante isto que Celso Furtado menciona: precisamos nos preocupar com a retomada do crescimento.

      A verdade dura e nua é que as empresas só buscam os mercados já em expansão. Elas não praticam pioneirismo. O que atrairia capitais estrangeiros para o Brasil seria a retomada do dinamismo da economia e o crescimento do mercado interno. Isso não está acontecendo porque as taxas de juros são altas demais e os investimentos propriamente produtivos não são atrativos. Por que fazer investimentos produtivos se é possível ganhar muito mais no investimento especulativo?

José Serra mencionou hoje que, no campo automotriz, o Governo definiu políticas que trouxeram investimentos para o Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, para o próprio ABC. Reconhecemos que isso é verdade. Contudo, em muitos outros campos, na própria indústria nacional, a situação ainda é de desalento, com repercussão para essa questão do emprego.

      Surpreende-me que a taxa de poupança seja tão baixa no Brasil, não só a poupança pública. A poupança global está em 14% ou 15%. Na minha época, era de 22% ou 23%. Ou seja, a capacidade de investir diminuiu.

      Com ou sem reforma, o Brasil deveria privilegiar o crescimento. Ter uma taxa de juros desse tamanho é realmente inibir o crescimento.

Perguntado se seria possível crescer 7% ao ano sem a volta da inflação, ele responde:

      Perfeitamente, como outros países fazem. O Brasil só pode crescer de dentro para fora, caso contrário, as empresas internacionais não decidirão vir para cá. Se o Brasil tiver uma política de desenvolvimento, vai chover dinheiro, como choveu no passado. Essa é a responsabilidade maior do Governo. O problema é que o Brasil fez a opção pelo capital financeiro, o que necessita ser modificado. Não se pode governar com tanto medo. Concordo com a seguinte análise: a economia, no passado, ficou tão desorganizada que já não havia quase sistema monetário. Mas trata-se de uma situação superada. A estabilização foi conseguida em seis meses. Um plano de estabilização não pode durar três anos, e já faz mais de dois anos que Fernando Henrique lançou o Real, quando ainda era Ministro da Fazenda.

Sobre os problemas sociais, assim faz o seu diagnóstico:

      Os problemas sociais do Brasil foram acumulados durante muito tempo, e a sociedade brasileira se instalou numa situação em que é muito difícil mudar qualquer coisa. O que há de novo hoje em dia - e aí o Governo Fernando Henrique é apenas um participante desse processo, não o lidera - é uma tomada de consciência muito maior da urgência de resolver o problema da massa rural. No passado, ela se deslocava para a cidade e arranjava "bicos", sobrevivia de empreguinhos. Hoje, fica amontoada nas ruas. A situação se tornou muito mais grave e, pela primeira vez, há uma tomada de consciência clara de como isso é desumano. Estamos caminhando para soluções mais profundas, já que se está criando um consenso nacional.

      Mas as forças efetivas que podem mudar e são necessárias para mudar não haviam se mobilizado como hoje. O mundo inteiro tomou conhecimento do massacre que houve no Pará. Trata-se de mudança fundamental.

      Como já disse, o Governo Fernando Henrique não está na liderança do processo, mas não tem sido uma força negativa, vai acompanhando, fazendo o que pode.

Sr. Presidente, seria importante que as pessoas no Governo ouvissem um pouco deste diagnóstico de quem - assim testemunham - é amigo do Presidente há tantos anos.

Diz ele, ao final:

      Eu o conheço há muitos anos. Ele se hospedava na minha casa, em Paris, e eu na casa dele, em São Paulo. Sempre fomos amigos e há muita confiança entre nós. Fernando Henrique não precisa me dar explicações sobre nada. Nem eu a ele.

Ora, Sr. Presidente, não são as palavras de um economista estrangeiro, que vive no exterior, na Austrália; são as recomendações de um amigo próximo, que ressalta a necessidade de se dar atenção ao crescimento, com maiores oportunidades de emprego, diante dos problemas de modernização, da automação e da necessidade premente de resolver-se os problemas da distribuição da renda e do ataque à pobreza.

Entretanto, Sr. Presidente, teremos aqui a oportunidade de participar de um debate econômico enriquecido com a presença do Senador José Serra.

Quando eu fazia campanha para a Prefeitura de São Paulo, em 1992, havia Senadores do partido do então candidato a Prefeito, Paulo Maluf - refiro-me a Jarbas Passarinho e Esperidião Amin -, que salientavam a importância de eu não abandonar o Senado.

Ora, Sr. Presidente, agora estou numa situação semelhante, de afirmar o quão importante será que o Senador José Serra possa colaborar, e muito, com o Senado Federal. Dizia o Senador Jarbas Passarinho que eu não poderia abandonar o Senado, porque eu era aqui uma espécie de "sal da terra". Como, então, o Senado Federal deixará de ter, por tanto tempo, e merecidamente, pelos votos que obteve em São Paulo, o Senador José Serra? Espero que S. Exª tenha aqui uma longa trajetória, pois certamente poderá colaborar e muito.

Tenho a convicção de que o debate entre o Senador José Serra e todos nós será o melhor possível, e o debate que S. Exª terá com a candidata Luiza Erundina de Sousa, do Partido dos Trabalhadores, será também de extraordinário respeito mútuo, concorrendo para que São Paulo venha a ter um excelente prefeito a partir do próximo ano.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, em primeiro lugar, eu gostaria também de dar as boas-vindas ao Senador José Serra, que hoje deixa o Ministério do Planejamento, passando aquela Pasta ao Ministro Antônio Kandir.

Gostaria, inclusive, de dar o meu testemunho, por ser, talvez, entre os Senadores aqui presentes, quem o conhece há mais tempo.

Em 1963, eu era presidente do Centro Acadêmico de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e votei no então presidente do Centro Acadêmico da Escola Politécnica de São Paulo, José Serra, para presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Nos vimos em muitas outras ocasiões: nos anos 60/70, quando José Serra estava no Chile, nos Estados Unidos, na França, e também quando voltou ao Brasil; em 1977/78, quando seria candidato a deputado federal, e nós dois éramos companheiros no então MDB.

Infelizmente, naquela ocasião, a legislação vigente e a punição que lhe foi feita injustamente pelo regime militar impediu-lhe, em 1978, de ser deputado federal. José Serra permaneceu no PMDB por um tempo, até que veio para o PSDB, e eu tornei-me membro do Partido dos Trabalhadores em 1980, quando da sua fundação. Aí, tivemos caminhos diferentes, mas sempre com atitudes de diálogo, de respeito mútuo e com interesses comuns com vistas a criarmos uma Nação justa, onde o desenvolvimento econômico e social pudesse ser para todos os brasileiros, em que a democracia e os direitos à cidadania fossem conceitos válidos para todos.

Em alguns momentos, temos diferenças e divergências. Hoje, por exemplo, dentro do Partido dos Trabalhadores, sou um entusiasta da candidatura de Luiza Erundina. Em l992, quando candidatei-me a prefeito de São Paulo, José Serra expressou publicamente a sua preferência por votar em mim - no segundo turno, obviamente -, por causa desses laços e pela comunhão de alguns objetivos importantes para a nacionalidade.

Eu estava dizendo ao José Serra que senti o ingresso dele na campanha eleitoral municipal em São Paulo como a entrada do jogador titular. É como se ele, que é palmeirense, fosse assistir ao jogo Santos x Palmeiras, domingo último, e o Palmeiras não contasse com o Rivaldo, ou com algum dos seus grandes craques. Ou como se o Santos, time para o qual eu torcia no domingo, estivesse sem o Geovani.

Felizmente, percebo na pessoa de Luiza Erundina uma de nossas artilheiras titulares, uma pessoa que certamente vai honrar e dignificar a disputa em São Paulo. Penso também que o debate entre ambos, obviamente respeitados os demais candidatos, será do mais alto nível.

Na última semana, Sr. Presidente, registrei aqui o relatório do Tribunal de Contas da União, que anunciou decréscimo de gastos nas áreas sociais. Todavia, hoje, ao prestar muita atenção ao pronunciamento do Ministro José Serra por ocasião de sua despedida, pude perceber que S. Exª, como é sua característica, procurou, com muita ênfase, explicitar que teria havido um engano na parte da contabilização dos gastos sociais de 1994 para 1995. Segundo S. Exª - e tenho quase certeza do número citado -, teria havido um acréscimo da ordem de 3,2%. Gostaria, inclusive, de ver essa demonstração, porque fiz o registro de parte do relatório do Tribunal de Contas na semana passada, e seria importante que pudéssemos examinar esses dados, já aproveitando a presença do Senador José Serra para dirimir dúvidas relativamente a esses aspectos.

Hoje, pela manhã, Sr. Presidente, na Comissão de Assuntos Econômicos, fiz proposição ao Presidente Gilberto Miranda que gostaria de aqui reafirmar. Diante do quadro de agravamento do desemprego na economia brasileira, diante da preocupação dos trabalhadores que, por intermédio das centrais sindicais, estão programando para 21 de junho próximo um dia de protesto nacional e de chamada de atenção às autoridades, registro, Sr. Presidente, este ofício ao Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Gilberto Miranda, nos seguintes termos:

      "Diante do agravamento da situação de desemprego na economia brasileira, solicito sejam convidados os Srs. Vicente Paula da Silva, Presidente da Central Única dos Trabalhadores - CUT, Luís Antônio de Medeiros, Presidente da Força Sindical, Antônio Fernandes Neto, Presidente da Central Geral dos Trabalhadores, Enir Severino da Silva, Presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores, para que possam, perante a Comissão de Assuntos Econômicos, trazer o diagnóstico sobre o real quadro de trabalho e desemprego no País, apresentando suas sugestões de como compatibilizar a política de estabilização, crescimento da economia, geração de emprego, melhoria da distribuição da renda e combate à pobreza."

O Senador Gilberto Miranda me informou que acatou a sugestão e que essa reunião será realizada na próxima quarta-feira, dia 12, para a qual já estão sendo convidados os presidentes dessas centrais de trabalhadores.

Sr. Presidente, ainda relacionado ao tema que hoje foi objeto de debate nesta Casa, a repercussão do diagnóstico sobre a economia brasileira, que alguns Senadores se preocuparam em comentar, ou seja, as declarações do economista Dornbusch; na verdade, até relacionado à questão do diagnóstico hoje elaborado pelo Senador José Serra, por ocasião da entrega do bastão para o Ministro Antônio Kandir. S. Exª procurou enfatizar os avanços realizados na economia brasileira desde o início do Plano Real. Há que se reconhecer que houve um avanço importante na área do combate à inflação. Não há dúvida de que a estabilização de preços teve um progresso notável, pois há dois anos, em maio e junho de 1994, a inflação era de 40%, 45%, quase 50% ao mês. O fato de a inflação estar hoje abaixo de 2% ao mês, entre 1% e 2%, constitui, obviamente, um feito extremamente difícil de ser realizado, pelo menos no que se relaciona a nossa experiência na economia brasileira.

No entanto, no que diz respeito aos aspectos de crescimento, aos aspectos que são a preocupação de vida do Presidente Fernando Henrique, do próprio Senador José Serra, creio que devemos comentar que ainda não houve solução adequada dos problemas.

Isso, Sr. Presidente, não está sendo dito simplesmente por um economista como o Sr. Rudiger Dornbusch. Está sendo dito, em outras palavras, por um dos maiores economistas e, certamente, um dos maiores amigos do Presidente Fernando Henrique Cardoso e do próprio Senador José Serra. Refiro-me ao economista Celso Furtado, que, no domingo último, em O Estado de S.Paulo, menciona aspectos que são também preocupação nossa. O respeitado economista avalia que sobretudo três aspectos fundamentais estão tendo um desempenho por parte do Governo aquém do desejável, quais sejam: a conquista da competitividade internacional, a criação de empregos e a melhoria da distribuição de renda. Diz Celso Furtado: "Não podemos deixar de reconhecer que o desempenho do Governo atual é abaixo do medíocre".

Obviamente, o economista também ressalta o aspecto extraordinário, que nós reconhecemos, de se conseguir melhor estabilidade de preços. Gostaria de registrar alguns trechos dessa entrevista de Celso Furtado:

      "Na fase atual do desenvolvimento do capitalismo, o desafio maior com que se defrontam os países de industrialização avançada - e incluo o Brasil entre eles - é conciliar três objetivos igualmente essenciais. O primeiro: manter-se competitivo para ganhar espaço no plano internacional. O segundo: gerar emprego adequadamente remunerado para uma população crescente. E o terceiro: avançar no sentido de uma distribuição de renda mais igualitária. O Brasil tem uma performance medíocre com respeito ao primeiro objetivo, a competitividade internacional, e falha totalmente quanto aos dois últimos."

Sobre a reforma monetária cambial, de 1994, ressalta em seu artigo:

      "...assegurou uma transferência do poder de compra em benefício dos grupos sociais de baixa renda, principais vítimas da inflação numa economia indexada. Contudo, a bolha de consumo assim criada não modificou o quadro da distribuição da renda, persistindo a tendência estrutural à concentração. Os objetivos a que me refiro podem ser contraditórios, pois os investimentos que aumentam a competitividade internacional, com freqüência, geram emprego, e os investimentos que melhoram a distribuição da renda, geralmente, desfavorecem a competitividade internacional."

No que diz respeito a um dos problemas centrais, diz Celso Furtado:

      "O melhor das energias do governo tem sido aplicado na preservação da estabilidade monetária, permanentemente ameaçada pelas turbulências da esfera internacional. Em outras palavras, o temor da instabilidade monetária limita a margem de manobra do governo e inibe o crescimento da economia."

Compara, ainda, as taxas de juros no Brasil e no exterior:

      "O que se passa no Brasil é o seguinte: pratica as taxas de juros mais elevadas do mundo. Na metade do ano passado, o Brasil apresentou uma taxa de juros de 35% em termos reais. Para se ter uma idéia, é bom observar os países grandes. Não vou comparar com países desenvolvidos que têm taxas de juros de 3% ou 4%, vou pegar os grandes países que têm dificuldades como nós. Na Índia, a taxa de juros foi de 11%, na Argentina, de 21%, na Rússia, de 12%. Taxa de 35% não houve em nenhum outro lugar."

      Portanto, o Brasil foi o País que praticou a política mais defensiva. Por quê? Só por medo da instabilidade. É possível que o Brasil tenha mais medo da inflação do que qualquer outro país...

É até compreensível que nós, como outros países, que tivemos hiperinflações ou inflações altíssimas prolongadas, tenhamos tanta preocupação em manter a estabilidade de preços. Mas é interessante isto que Celso Furtado menciona: precisamos nos preocupar com a retomada do crescimento.

      A verdade dura e nua é que as empresas só buscam os mercados já em expansão. Elas não praticam pioneirismo. O que atrairia capitais estrangeiros para o Brasil seria a retomada do dinamismo da economia e o crescimento do mercado interno. Isso não está acontecendo porque as taxas de juros são altas demais e os investimentos propriamente produtivos não são atrativos. Por que fazer investimentos produtivos se é possível ganhar muito mais no investimento especulativo?

José Serra mencionou hoje que, no campo automotriz, o Governo definiu políticas que trouxeram investimentos para o Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, para o próprio ABC. Reconhecemos que isso é verdade. Contudo, em muitos outros campos, na própria indústria nacional, a situação ainda é de desalento, com repercussão para essa questão do emprego.

      Surpreende-me que a taxa de poupança seja tão baixa no Brasil, não só a poupança pública. A poupança global está em 14% ou 15%. Na minha época, era de 22% ou 23%. Ou seja, a capacidade de investir diminuiu.

      Com ou sem reforma, o Brasil deveria privilegiar o crescimento. Ter uma taxa de juros desse tamanho é realmente inibir o crescimento.

Perguntado se seria possível crescer 7% ao ano sem a volta da inflação, ele responde:

      Perfeitamente, como outros países fazem. O Brasil só pode crescer de dentro para fora, caso contrário, as empresas internacionais não decidirão vir para cá. Se o Brasil tiver uma política de desenvolvimento, vai chover dinheiro, como choveu no passado. Essa é a responsabilidade maior do Governo. O problema é que o Brasil fez a opção pelo capital financeiro, o que necessita ser modificado. Não se pode governar com tanto medo. Concordo com a seguinte análise: a economia, no passado, ficou tão desorganizada que já não havia quase sistema monetário. Mas trata-se de uma situação superada. A estabilização foi conseguida em seis meses. Um plano de estabilização não pode durar três anos, e já faz mais de dois anos que Fernando Henrique lançou o Real, quando ainda era Ministro da Fazenda.

Sobre os problemas sociais, assim faz o seu diagnóstico:

      Os problemas sociais do Brasil foram acumulados durante muito tempo, e a sociedade brasileira se instalou numa situação em que é muito difícil mudar qualquer coisa. O que há de novo hoje em dia - e aí o Governo Fernando Henrique é apenas um participante desse processo, não o lidera - é uma tomada de consciência muito maior da urgência de resolver o problema da massa rural. No passado, ela se deslocava para a cidade e arranjava "bicos", sobrevivia de empreguinhos. Hoje, fica amontoada nas ruas. A situação se tornou muito mais grave e, pela primeira vez, há uma tomada de consciência clara de como isso é desumano. Estamos caminhando para soluções mais profundas, já que se está criando um consenso nacional.

      Mas as forças efetivas que podem mudar e são necessárias para mudar não haviam se mobilizado como hoje. O mundo inteiro tomou conhecimento do massacre que houve no Pará. Trata-se de mudança fundamental.

      Como já disse, o Governo Fernando Henrique não está na liderança do processo, mas não tem sido uma força negativa, vai acompanhando, fazendo o que pode.

Sr. Presidente, seria importante que as pessoas no Governo ouvissem um pouco deste diagnóstico de quem - assim testemunham - é amigo do Presidente há tantos anos.

Diz ele, ao final:

      Eu o conheço há muitos anos. Ele se hospedava na minha casa, em Paris, e eu na casa dele, em São Paulo. Sempre fomos amigos e há muita confiança entre nós. Fernando Henrique não precisa me dar explicações sobre nada. Nem eu a ele.

Ora, Sr. Presidente, não são as palavras de um economista estrangeiro, que vive no exterior, na Austrália; são as recomendações de um amigo próximo, que ressalta a necessidade de se dar atenção ao crescimento, com maiores oportunidades de emprego, diante dos problemas de modernização, da automação e da necessidade premente de resolver-se os problemas da distribuição da renda e do ataque à pobreza.

Entretanto, Sr. Presidente, teremos aqui a oportunidade de participar de um debate econômico enriquecido com a presença do Senador José Serra.

Quando eu fazia campanha para a Prefeitura de São Paulo, em 1992, havia Senadores do partido do então candidato a Prefeito, Paulo Maluf - refiro-me a Jarbas Passarinho e Esperidião Amin -, que salientavam a importância de eu não abandonar o Senado.

Ora, Sr. Presidente, agora estou numa situação semelhante, de afirmar o quão importante será que o Senador José Serra possa colaborar, e muito, com o Senado Federal. Dizia o Senador Jarbas Passarinho que eu não poderia abandonar o Senado, porque eu era aqui uma espécie de "sal da terra". Como, então, o Senado Federal deixará de ter, por tanto tempo, e merecidamente, pelos votos que obteve em São Paulo, o Senador José Serra? Espero que S. Exª tenha aqui uma longa trajetória, pois certamente poderá colaborar e muito.

Tenho a convicção de que o debate entre o Senador José Serra e todos nós será o melhor possível, e o debate que S. Exª terá com a candidata Luiza Erundina de Sousa, do Partido dos Trabalhadores, será também de extraordinário respeito mútuo, concorrendo para que São Paulo venha a ter um excelente prefeito a partir do próximo ano.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/1996 - Página 9405