Discurso no Senado Federal

QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Ademir Andrade, Osmar Dias, Totó Cavalcante.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/1996 - Página 9047
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, EVOLUÇÃO, EXECUÇÃO, REFORMA AGRARIA, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), SOLUÇÃO, PROBLEMA, POLITICA AGRARIA, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que esse incidente que houve não é algo significativo. Penso inclusive que a proposta feita pelo ilustre Senador Eduardo Suplicy é esclarecedora. E é bom para todos que isso aconteça. Entendo, Sr. Presidente, que estamos vivendo um momento em que, talvez como nunca, nós possamos equacionar a questão da reforma agrária neste País.

Reparem que fui um dos que lamentei a saída do ex-Presidente do INCRA, porque ele já havia começado esse trabalho. E inclusive fui para a tribuna dizer que achava que o Sr. Francisco Grazziano devia ter voltado. Na verdade, não vi maior erro, maior equívoco que ele tivesse cometido. Não houve. Mas acho que a decisão do Governo de criar o Ministério da Reforma Agrária, e o jovem que lá colocou, que conheci na administração do Sr. Itamar Franco, o desempenho que teve é de primeira grandeza. Escolheu bem o representante.

Sr. Presidente, vou fazer justiça ao Ministro do Exército e também ao Ministro do Exército do Governo Itamar Franco, que já estava tendo essa posição. Nas Forças Armadas já estava sendo costurada essa posição de ver aquelas terras existentes, que estão disponíveis, que são viáveis, entregues para a reforma agrária.

Não podemos aceitar a tese que alguns imaginam que o Exército tem muita terra, uma quantidade absolutamente exagerada e que não precisa dela. Não. Sabemos que num país do tamanho do Brasil o Exército precisa de terra para se preparar, para fazer treinamento, principalmente ali na Amazônia. Inclusive eu conheci, e acho que o Senador Romeu Tuma também, o trabalho em Manaus, feito exatamente para combater invasores na Amazônia, mas não há necessidade do exagero.

O Ministro do Exército disse que as terras estão à disposição. Mas não é apenas entregar as terras, porque, num país do tamanho do Brasil, entregar terras e dizer onde elas estão é uma diferença muito grande. Agora, o Exército se comprometeu a dar e fazer a demarcação da terra e a colocar os seus técnicos à disposição para concretizar essa parte.

Sr. Presidente, penso que seria um trabalho altamente positivo, esse da colaboração do Exército. Seria importante as Forças Armadas, de repente, estarem presentes não apenas no ato de doação da terra mas, mais do que isso, no ato de colaborar para fazer a limitação e talvez até a delimitação dos lotes da reforma agrária.

Sr. Presidente, tenho defendido essa tese de que deveríamos discutir aqui, e estamos vivendo o momento exato.

A desgraças acontecidas no Pará e em Rondônia chamaram a nossa atenção, e infelizmente é assim. Muitas e muitas vezes só através da desgraça e do sacrifício é que acordamos para a nossa responsabilidade. É hora de debater essa questão, é o grito do campo. Os agricultores estão nas ruas, gritando, protestando, e estão fazendo bem porque, na verdade, é necessário que se faça alguma coisa. É muito melhor eles nos chamarem a nossa responsabilidade e nos cobrarem, do que marcharmos amanhã para o imprevisível.

Por isso, o Congresso tem a responsabilidade de debater essas questões. Foi da maior competência a decisão tomada aqui pelas Lideranças de dar prioridade a todas as matérias que estejam tramitando sobre a reforma agrária.

Inclusive há uma emenda constitucional do Senador do PDT do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, que é da maior importância, onde S. Exª diz que terra de uma determinada extensão tem que ter um prazo x, cinco anos, para se tornar produtiva. E se não se tornar produtiva, o Governo pode tomá-la para a reforma agrária. Há a questão do Governo, do Banco do Brasil e outras instituições que, à semelhança do Exército, detêm uma enormidade de terras adquiridas de pessoas que não conseguiram pagá-las. Essas terras também podem ser colocadas à disposição da reforma agrária.

Há outra questão que me parece delicada, Sr. Presidente, debatermos como se fazer a reforma agrária. Tenho sido procurado muitas vezes por pessoas que defendem uma tese que me parece correta, a de que deveríamos entregar a terra ao novo proprietário sob a condição de ela não será vendida, para que não retorne ao latifundiário. 

Não sei como fazer isso diante da dificuldade que há para o proprietário conseguir empréstimos para desenvolver a produção no seu pedaço de terra. Mas deveríamos analisar a possibilidade de garantir ao cidadão que ganha um pedaço de terra condições de nele produzir e a obrigação de mantê-lo. Parece-me importante, Sr. Presidente.

Há uma outra questão que me chama a atenção. Comenta-se, Sr. Presidente, que há muitos desempregados, gente da cidade, acompanhando o Movimento dos Trabalhadores dos Sem Terra. Se formos verificar - vejo isso lá no Rio Grande do Sul -, notaremos que são os agricultores que tiveram que sair de suas terras, são os filhos dos agricultores que não tiveram condições de lá se manter e foram para o Vale dos Sinos, zona industrial de Porto Alegre, e que agora, estando desempregados, querem voltar para o seu interior.

Sr. Presidente, para nós, no Rio Grande do Sul, seria uma maravilha, se os agricultores que saíram em busca de uma esperança que não se concretizou na cidade saíssem das favelas e tivessem uma chance de retornar ao campo.

Então, não se diga que há uma infiltração no meio dos sem-terra de gente da cidade. Emociona-me o que tenho visto nos movimentos para os quais tenho sido convidado: gente até da minha região, da grande Caxias do Sul, que está trabalhando na grande Porto Alegre participando do movimento na expectativa de retornar ao lugar de onde nunca deveriam ter saído, ou seja, seu pedaço de terra lá no interior.

Hoje é um grande dia, Sr. Presidente, não porque o Serra deixou de ser Ministro. Gosto do Ministro Serra, tenho muito carinho por ele, tenho por ele uma amizade desenvolvida ao longo do tempo.

Eu, como descendente de árabes, acredito no Maktub: o destino é o destino. Foi ruim o destino do Senhor Fernando Henrique Cardoso ao fazer esse acordo com o PFL, porque resultou numa mescla muito geral para o seu Governo. Quando o então Presidente do PSDB foi à tribuna justificar o acordo, eu não consegui entendê-lo. Pois agora precipitou-se em São Paulo um acordo entre o PFL e o PPB em torno de uma candidatura para a prefeitura daquele estado. Ali está certo, é positivo. São as forças que estão começando a retornar às suas origens. O mal é essa desagregação anárquica em que não há nenhuma coincidência de idéias, de conteúdo. Lá, em São Paulo está ótimo: o antigo PDS e o PFL reúnem-se, ou seja, a antiga Arena reúne-se e apresenta o seu candidato. Sr. Presidente, isso é o correto.

Todos sabem que ali há uma prévia. É como se fosse uma grande pesquisa: Maluf versus Fernando Henrique Cardoso. Atrás do candidato Paulo Maluf está o próprio Maluf, e atrás do candidato José Serra está o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Neste momento, antecipo que o debate será ganho pelo Sr. Paulo Maluf. Reconheço que o Projeto Cingapura é um grande projeto que está sendo realizado, verdadeiramente positivo.

A Srª Luíza Erundina realizou uma grande obra. O Sr. Fernando Henrique Cardoso, quando Ministro do Governo do Presidente Itamar Franco, fez surgir o Plano Real. Mas a continuidade desse plano ainda não ocorreu. Por isso, talvez, a grande obra do Presidente Fernando Henrique Cardoso seja a de levar adiante o projeto de reforma agrária.

Achei singela e até romântica a forma como as entidades não-governamentais da França fizeram chegar ao Presidente Fernando Henrique o seu protesto contra o ocorrido no Pará e contra a falta de uma reforma agrária no Brasil. No ponto mais central de Paris, a poucos metros do consulado brasileiro, derramaram um caminhão de terra e distribuíram envelopes já selados e endereçados ao Sr. Fernando Henrique Cardoso. As pessoas que estavam ali colocaram um pouco de terra dentro do envelope e mandaram-no para o Senhor Fernando Henrique Cardoso. Foi a maneira que encontraram de protestar contra as mortes, de um lado, e de apelar para a reforma agrária de outro lado.

Sr. Presidente, o momento é este. Quando o próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Sr. Sepúlveda Pertence, pondera: se os Governos usam medida provisória para tudo, emitem quase duas por dia, por que estão acusando a Justiça de meter-se em questões que são judiciais?

Por que o Presidente da República não usa uma medida provisória para decretar o rito sumário? Porque, Sr. Presidente, alguém da bancada rural vai ficar contra. Pode ser. Por exemplo, se o Governo em vez de mandar a medida provisória do Proer, tivesse mandado um projeto de lei, eu votava contra. Espero um dia poder votar contra o Proer, quando apreciarmos essa medida provisória. Nem por isso o Presidente da República deixou de publicar o Proer. Sua Excelência achou que era importante salvar os bancos. Achamos que é importante a reforma agrária. Baixar uma medida provisória seria uma paulada definitiva.

O Sr. Ademir Andrade - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com muito prazer, Senador Ademir Andrade.

O Sr. Ademir Andrade - Senador, tenho dito - e reafirmo agora - que o Presidente da República se sente, às vezes, refém deste Congresso. V. Exª há de convir que este Congresso é muito mais conservador do que o próprio Presidente da República. Lembro-me de que logo que houve o fato de Eldorado dos Carajás, participei de uma reunião de Líderes desta Casa em que ficou acertado que o Presidente José Sarney levaria ao Presidente da República, em nome do Congresso Nacional, o compromisso assumido por todas as Lideranças de que faríamos tramitar, em caráter de absoluta urgência, todas as matérias destinadas a facilitar a concretização da reforma agrária. Ora, o Presidente José Sarney foi ao Presidente da República e afirmou isso em nome do Congresso Nacional, e o que vimos em seguida foi justamente o inverso disso. Na matéria que tratava da transferência do julgamento de crimes cometidos por militares para a Justiça Civil, por exemplo, V. Exª viu o que ocorreu nesta Casa.

O SR. PEDRO SIMON - A maioria não atendeu o apelo do Presidente no sentido de votar o projeto do Deputado do PT.

O Sr. Ademir Andrade - O Presidente confirmou isso na sua mensagem de segunda-feira, no seu Plano de Direitos Humanos, mas este Senado antecipou-se para dar a sua posição como fato consumado. A questão do rito sumário da lei da reforma agrária está empacada na Câmara dos Deputados pela Bancada Ruralista. Creio que o Presidente, em relação à reforma agrária, se sente da mesma forma como se sentiu na questão da CPI dos bancos, porque sabe que, neste Congresso Nacional, existem pessoas que seriam, de certa forma, envolvidas no processo daquela CPI. Talvez por receio desse tipo de posição, Sua Excelência não tomou a atitude de elaborar as medidas provisórias para regulamentar a reforma agrária. É preciso saber explicar essa questão para o povo brasileiro, para que seja bem compreendido o significado deste Parlamento. Na época da Constituinte, V. Exª era o Governador do Estado do Rio Grande do Sul e deve-se lembrar de que, em apenas uma única votação, houve presença unânime dos Parlamentares. E eu assisti a mais de duas mil votações no processo de formação da Constituição de 1988. Havia Parlamentar em cadeira de rodas, com o soro sendo aplicado, e aqui estava para votar, evidentemente, contra a reforma agrária. De um lado, havia o Senador Jarbas Passarinho, encaminhando contra; do outro, o Senador Mário Covas, encaminhando a favor. E a proposta progressista foi derrotada. A UDR enviou aviões por todo este País a fim de transportar Senadores e Deputados para votarem contra a reforma agrária. Nem na votação para prorrogar por mais um ano o mandato do então Presidente José Sarney compareceram todos os Parlamentares. Naquela ocasião, três estavam ausentes. Veja V. Exª que este é um Congresso conservador, de uma mentalidade arcaica, quando se refere à propriedade e, principalmente, à posse da terra. Há um medo, um temor, um verdadeiro pavor dos latifundiários deste País com relação à questão da reforma agrária, que se faz necessária. O povo brasileiro tem que compreender o papel deste Congresso e precisa ajudar a mudá-lo eleição após eleição. Era essa a contribuição que gostaria de dar ao discurso de V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço o aparte de V. Exª por vários motivos. É muito importante a análise feita pelo nobre Senador. Não há como deixar de reconhecer - até não diria como V. Exª - que o Congresso é muito mais conservador que o Presidente. Penso que o Presidente da República é um homem progressista. Pode ser que, por esse esquema de governo que ele estabeleceu, por esse grupo que ele criou, o Governo esteja em outra posição, mas não há como deixar de reconhecer que, historicamente, o Presidente da República é um homem progressista.

V. Exª tem total razão ao afirmar que esse não é o Congresso. Ao longo da história, o Congresso brasileiro, lamentavelmente, tem sido exageradamente conservador. Certa vez, alguns estrangeiros me perguntaram por que, na Constituição brasileira, só se fala em lei complementar. Se não fosse colocada a expressão "conforme lei complementar", o espaço negro existiria até hoje. A reforma agrária foi um caso típico. Ao se definir em quais terras poderia ser efetuada a reforma agrária, esta só foi aprovada quando se acrescentou "conforme lei complementar", o que quer dizer "deixa para depois", porque eles não quiseram definir. Isso é verdade.

Contudo, o Presidente da República tem a responsabilidade de tentar avançar, de nos dar um caminho, um norte. 

Sr. Presidente, reforma agrária era tachada como coisa de comunista; hoje, é o Ministro do Exército quem entrega terras para essa finalidade. Isso é um avanço, uma situação inédita para a história do Brasil. Vamos aproveitá-la!

Sr. Presidente, hoje temos condições de ir à frente. Agora, se depender do Congresso, haverá duas decisões: uma - a mais racional - é a de deixar na gaveta. Os projetos existem para isso. Ontem mesmo, votamos um pedido de urgência, do Senador Roberto Freire, que chegou à Comissão em fevereiro do ano passado e por lá ficou. A emenda constitucional, do Senador Darcy Ribeiro, não se sabe o seu destino. Por quê? Porque trata de reforma agrária. Enquanto Congresso, temos essa obrigação, pois há pessoas que querem que isso aconteça. Vivemos um grande momento, porque não há mais radicalização, não há mais fanatismos extremados. Estamos no período da racionalização: sentar-se à mesa e discutir, debater em conjunto. Creio que a grande bandeira do Governo Fernando Henrique Cardoso seria aproveitar o que já está encaminhado e transformá-lo em realidade. Talvez o ponto mais positivo a ser definido nesse Governo seja aquele em que, depois de 50 anos, nosso País saiu da teoria e entrou na objetividade: sem revolução, sem violência, sem radicalização, vamos fazer aquilo que os Estados Unidos fizeram há 200 anos e que Caxias do Sul, minha terra, região de colonização italiana, fez há mais de 150 anos, de maneira aberta e franca. O Imperador Dom Pedro II trouxe os imigrantes da Itália e da Alemanha e distribuiu terras para eles. A aprovação dessa medida pode ser constatada por um desenvolvimento fantástico, em função da justiça na distribuição da terra, com um resultado positivo à economia e à sociabilidade da região.

O Sr. Totó Cavalcante - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço-o com muito prazer.

O SR. Totó Cavalcante - Senador Pedro Simon, tenho verdadeira admiração pelo seu idealismo e juventude ideológica. Vejo, neste momento, que é com justeza que V. Exª traz à pauta um problema tão sério. Entendo, na realidade, que o problema brasileiro, principalmente o da terra, é de ordem estrutural, ou seja, o problema fundiário e o problema político são de ordem estrutural. Não adianta mudarmos a cabeça se o corpo é doente. Nesta Pátria, quando ainda advogando, tive a felicidade de levar ao hoje Estado de Tocantins o então Senador Paulo Brossard para lutarmos contra o Incra da Ditadura, que tirava o posseiro da sua terra para entregá-la, legalizada, aos grandes latifundiários. Hoje, esse INCRA, que lá está com um projeto terminal de uma reforma agrária, que nasceu de uma atribuição meramente fiscal - cobrar impostos -, depois, conflitante, de domínio e de posse, e, hoje, de assentamento de sem-terra, está destinado a terceiros. Esses projetos são prestadores de serviços ao INCRA, que não tem interesse em resolver o problema fundiário de assentamento agrário. Cito o exemplo do projeto fundiário de Gurupi: é um projeto particular, de terceiros, que está ali justamente para demarcar, assentar, dizer se há posseiros, se há benefícios, para legalizar a terra. Hoje fala-se no Ministério da Reforma Agrária. A finalidade desse Ministério é repassar recursos para esses projetos, que, às vezes, dificultam também os assentamentos. Costumo citar o problema de ordem estrutural. Ainda recentemente, numa visita ao Presidente da República, Sua Excelência queixava-se sobre o assunto. Veja V. Exª: estou aqui com um fato sobre o qual, desde ontem, pretendia fazer um pronunciamento, e pego agora uma carona no seu discurso. Ainda ontem, questionávamos o momento de usar a tribuna. A Lei nº 9.138, de 29.11.95, instituiu aqui no Senado a forma de os produtores inadimplentes negociarem suas dívidas por equivalência-produto. Há os exemplos do arroz, do milho, do algodão e da soja. O Banco Central, mais tarde, baixou uma resolução que limitou a ação do inadimplente, que, hoje, pode ser um dos sem-terras, porque o Banco do Brasil tomou as suas terras. Ele não teve condições de pagar o financiamento e está no meio dessa multidão, querendo terra para trabalhar. Isso é uma frustração para o homem, para o pequeno proprietário, enfim, para o homem sem terra. O Banco Central baixou uma resolução dizendo que somente podem negociar aqueles que já tenham plantado há pelo menos três anos. E aqueles que tiraram o dinheiro para manter a sua propriedade, para plantar uva, manga, laranja ou, enfim, para criar o gado de leite? Aí é que está a confusão. Temos que debater e analisar com seriedade o assunto, e não adianta ficarmos no Senado da República Federativa do Brasil a questionar os problemas terminais de uma política, quando o corpo do País está doente. O problema do Brasil é de ordem estrutural. Um gerente de banco, no meu Estado, por exemplo, não está querendo aceitar renegociação da dívida daqueles produtores inadimplentes, porque o banco quer receber, de qualquer forma, inclusive cobrando juros exorbitantes. Creio, como disse V. Exª, que está na hora de atacarmos essa política terminal de execução, porque não adianta ter cabeças boas da estirpe de V.Exª a questionar nesta Casa problemas tão sérios, não adianta termos cabeça boa da estirpe do nosso Presidente da República na solução imediata dos problemas, se o terminal, todo ele, é doente, é viciado, é desorganizado e emperrado, não querendo a solução imediata do problema fundiário.

O SR. PEDRO SIMON - Agradeço a importante manifestação de V. Exª.

Na verdade, há muitas interrogações com relação ao funcionamento do INCRA, sobre seus técnicos, sua assessoria, seus advogados, suas ações. Ainda agora, houve um longo debate em Roraima ou Rondônia - não me lembro - sobre um delegado do INCRA daquela Região, que, segundo o Jornal Nacional, teria comprado terras que valiam 1 por 50 e que são absolutamente inaproveitáveis. Todas essas questões estão aí.

Receberia muito bem a idéia da colaboração, da ajuda, do empréstimo, além da doação da terra com seus técnicos, quer dizer, a colaboração daquela equipe imensa do Exército, com gente que conhece, que compreende, que tem competência, e que talvez pudesse ajudar o INCRA nessa segunda etapa.

Tenho dito aqui que não conseguimos ver quais são as metas de governo do Sr. Fernando Henrique. Já sabemos do combate à inflação, que já era meta do Governo anterior, do qual ele foi Ministro e o grande responsável pela elaboração do Plano Real. E ninguém é contrário a esse objetivo de combate à inflação.

A segunda grande questão de seu Governo é a racionalização da máquina administrativa, com objetivos de cuidar da Previdência e da Administração, da tentativa da reforma tributária e da reforma fiscal, no sentido das privatizações. Está correto. E depois disso? Qual é a terceira meta?

Em relação aos planos sociais, Sr. Presidente, cá entre nós, o Comunidade Solidária, que recebemos com grande expectativa, até agora é uma racionalização do que já existia. Quer dizer, da merenda, da bolsa escolar, etc., mas ainda não foi aquilo que se imaginava: uma nova realidade, o impacto de um plano do PSDB no Governo.

Parece-me que se o Presidente da República adotasse essa bandeira da reforma agrária como prioritária poderia convidar o Presidente do Supremo Tribunal Federal - que disse que Fernando Henrique Cardoso deveria baixar uma medida provisória para resolver essa questão - para ajudá-lo a redigir essa medida provisória. Se o Presidente do Supremo Tribunal Federal disse, sem mais nem menos, pela televisão e pelo rádio, que o Presidente poderia baixar uma medida provisória para determinar o processo sumário de desapropriação, então o Presidente da República poderia convidá-lo para dar a ele uma idéia de como fazer isso.

Entendo que o Presidente da República, quando regressasse de sua viagem profunda, de tão grande responsabilidade e de resultados tão extraordinários com os que está obtendo em Paris e na Suíça, poderia reunir o seu ministério e montar uma equipe onde estivessem o Ministro da Reforma Agrária, bem escolhido, com boa disposição, o Ministro da Fazenda e pedir a eles que estabelecessem metas prioritárias. Não essas metas em que o povo não acredita mais: "Vamos colocar 40.000", e não sei depois se colocaram, realmente, os 40.000.

Se fôssemos pegar as propostas de assentamento dos governos, do primeiro governo de 40 anos atrás até hoje, não tinha gente na cidade, estava todo mundo no campo. Então, em relação a assentamentos não há mais credibilidade.

Creio que o momento é oportuno para se despolitizar a reforma agrária. Entendo que o problema da reforma agrária não está sendo colocado de uma maneira política e ideológica de radicalização. O que temos são alguns grandes proprietários que também brigam por nada, porque ninguém quer tirar terra daquele que está produzindo, Sr. Presidente.

Há Senadores muito importantes aqui no Senado que são grandes proprietários de terras e que trabalham com grande competência nessas terras. Ninguém está pensando em tirar terra dessa gente; estamos pensando em ter um plano racional.

Que fiquem tranqüilos os Senadores e os Deputados, a não ser os que têm imensidões de terras e não fazem nada com ela. Mas a questão não está sendo politizada, não está sendo idealizada, não há fanatismo em torno disso; a situação está serena, está tranqüila.

Penso que o Sr. Presidente da República poderia - e duvido que marcasse um tento mais histórico no seu Governo do que este - chamar os Ministros do Exército e da Reforma Agrária para sentarem e juntos discutirem como vão fazer a reforma agrária. Convidar, também o Presidente do Supremo Tribunal Federal - que foi aos jornais dizer que Sua Excelência deveria baixar uma medida provisória com relação ao rito sumário - com o objetivo de chegarem a um grande entendimento.

Penso que a hora do Presidente Fernando Henrique é esta.

Sou meio fatalista. Quando saiu aquela votação em que perdemos de três a zero, na Câmara dos Deputados, sobre a Previdência, e todo mundo achou um absurdo, a imprensa publicou como o dia do terror, eu gostei. Porque, se o Governo tivesse ganho naquela ocasião, o processo de "é dando que se recebe", do "troca-troca", teria sido institucionalizado. A partir daquelas derrotas, o Governo mudou 180 graus, e espero que seja para valer, em definitivo. Não há mais troca-troca. Os direitos são legítimos, os direitos da Bancada de Minas Gerais, os da Bancada do Acre, os dos agricultores. Vamos discutir para valer e não no troca-troca. Não no "só voto isso se me derem aquilo". Isso foi importante, Sr. Presidente.

A decisão do PFL de apoiar o candidato do Maluf em São Paulo foi muito importante, para que o Governo Fernando Henrique tome a coloração do Fernando Henrique. Que bom, Sr. Presidente, se eu pudesse, daqui a quatro meses, dizer que o Governo do Fernando Henrique tem a cara do Fernando Henrique. Mas do Fernando Henrique que a gente conheceu, o homem de idéia, de princípios, digno, correto, que lutou, que resistiu. Até concordo que se possa esquecer muita coisa que está escrita, porque o mundo mudou. O mundo mudou! Quem não vê isso não entende. Caiu o comunismo, o muro de Berlim, não existe mais União Soviética, enfim, a realidade é outra. E estamos vendo congressistas, políticos, religiosos, todos adaptados à nova realidade. Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso está absolutamente certo em se adaptar à nova realidade. Mas queremos vê-la com a cara do Senhor Presidente da República. Se isso acontecer, será muito bom, Sr. Presidente.

É muito melhor isso do que a tentativa de fazer acordos e entendimentos para conseguir uma reeleição lá adiante. Esta não será conseguida na base de acordos, de votos da Bancada do PDS, nem do PMDB, nem de quem quer que seja. Isso pode até acontecer se lá adiante o Brasil puder olhar e respirar dizendo que as coisas estão melhores e que estamos no caminho certo.

O Sr. Osmar Dias - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Com o maior prazer.

O Sr. Osmar Dias - Senador Pedro Simon, só quero dar uma contribuição ao seu pronunciamento fazendo um cálculo bem rápido. O Banco do Brasil tem 111 mil hectares de terra que estariam à disposição da reforma agrária. Não sei qual é a área do Exército. Se considerássemos uma média de área para cada família assentada de 30 hectares, essa terra do Banco do Brasil seria suficiente para assentar três mil e setecentas famílias. O custo para assentar uma família, adquirindo-se a terra, é de 40 mil reais por lote com toda a infra-estrutura necessária. Tirando-se a terra, o custo baixa para 10 mil reais por família. Para assentar as três mil e setecentas famílias na área do Banco do Brasil, seria suficiente 37 milhões de reais, ou seja, pouco dinheiro. O problema é que, quando se cria a expectativa de que o Banco do Brasil colocará terra à disposição para a reforma agrária, parece que a questão toda vai ser resolvida. Não é isso. São três mil e setecentas famílias. Além disso, o Banco do Brasil precisa ser pago por essas terras, porque elas provêm da dívida de agricultores que não pagaram, de inadimplentes que deram o seu bem em garantia e depois tiveram de entregá-lo. Essa história de dizer que apenas colocando as terras dos Exército e do Banco do Brasil já se resolve um grande problema no sentido de se caminhar para a reforma agrária é uma ilusão. E a pregação da ilusão tem sido também um grande problema em relação à reforma agrária porque se criam expectativas. Pra se constatar isso é só fazer a conta da meta do Governo com o que está no orçamento. O Senador José Fogaça tem muita razão quando diz que concorda em se subsidiar a agricultura desde que conste em orçamento. O caso da reforma agrária também deve ser considerado assim, porque, quando olhamos o orçamento, vemos que existe lá um bilhão e duzentos milhões para realizá-la. O custo é de quarenta mil por família, e o Governo continua com a conta de assentar sessenta mil famílias. Por conseguinte, ou falta a metade do dinheiro, ou estão incluindo o dobro de famílias que será possível assentar. Essa ilusão que se cria também gera uma expectativa. E essa expectativa exacerbada é sempre negativa quando se trata de um assunto tão polêmico e tão delicado como é a reforma agrária. Concordo com V. Exª. Aliás, gostaria de ter feito um aparte àquele seu discurso de ontem, mas aproveito o dia de hoje para dizer que a admiração que tenho pela sua persistência em combater a impunidade e a admiração que tenho por essa pregação de que é possível resolver os problemas sociais cresce a cada dia. Estou aprendendo com V. Exª, mas quero contribuir também. Sou dos senadores que, apesar de ter terras, sei que elas jamais seriam colocadas à disposição da reforma agrária porque são produtivas. Além disso, são tão pequenas que, se o invasor entrasse correndo, atravessaria as terras e chegaria logo ao outro lado. Assim, não tenho essa preocupação, não tenho esse problema. Senador Pedro Simon, estou à disposição para colaborar com suas idéias.

O SR. PEDRO SIMON - Senador Osmar Dias, agradeço ao aparte de V. Exª. Eu o recebo com muito carinho e o analiso sob dois aspectos. Primeiramente, quero dizer que V. Exª tem razão. Não estamos resolvendo a questão do Exército e das terras do Banco do Brasil. Posso dizer - V. Exª há de concordar comigo - que estamos adentrando nessa questão. O Governo está tomando medidas concretas no sentido de resolvê-la.

Na minha opinião, V. Exª deveria ter sido, desde o Governo do Presidente Itamar Franco, Ministro da Agricultura, pela sua competência, pelo que realizou durante oito anos na Secretaria da Cultura do Estado do Paraná. V. Exª agiu de forma revolucionária, espetacular. V. Exª é um dos homens que o Senhor Presidente Fernando Henrique poderia convidar para sentar em sua mesa para estabelecer um plano concreto de reforma agrária. V. Exª tem bom senso, lógica e racionalidade quando trata desse tipo de problema.

Concordo com V. Exª. Não se trata de semear idéias. Por isso, repito: se o Presidente da República concordasse, um grupo poderia ser encarregado da coordenação dessa questão.

O que acontece, hoje, é que o Ministro da Agricultura, o Ministro da Reforma Agrária, o povo brasileiro e o Presidente da República, cada um fala uma coisa diferente. Não há uma consistência de pensamento em termos de reforma agrária.

O Presidente da República poderia priorizar a reforma agrária e constituir um grupo de trabalho para coordená-la, evidentemente tendo à frente o Ministro da Reforma Agrária. E, para ajudá-lo, para que as coisas fossem realmente levadas a cabo, poderiam ser convocados o Ministro do Exército, alguém do Ministério da Agricultura, pessoas como V. Exª.

Meu querido Senador, nosso País tem trinta milhões de pessoas que passam fome. Até trinta anos atrás, éramos um país agrícola; de repente, houve um grande êxodo rural. Além disso, cada cidadão foi expulso do campo porque não tinha terra. Há também o problema da tecnologia. Vamos ser sinceros: hoje a máquina, o trator, a presença dessa tecnologia expulsa a mão-de-obra, mas isso era necessário. O cidadão que tem dinheiro, que pode fazer a sua irrigação, que pode fazer o seu trabalho baseado na tecnologia, precisa de um número insignificante de mão-de-obra com relação a vinte anos atrás. Imaginarmos que vamos resolver essa questão de hoje para amanhã, não é possível, concordo com V. Exª, mas quero mostrar-lhe que a questão está bem encaminhada, que está bem concretizada. Está tudo posto no papel como deve ser e já se começa a executar os planos prioritários.Isso me parece que deve ser feito. E essa, repito, é a grande tese que o Senhor Fernando Henrique Cardoso tem diante de si.

Sr. Presidente, não sei quem foi o assessor do Presidente que mostrou a Sua Excelência que a grande proposta era o Proer para salvar os bancos. Foram 55 bilhões de reais para salvar os bancos. E salvaram-nos.

Houve coragem. O Senhor Presidente da República, de uma sexta-feira para um sábado de madrugada, para baixar uma medida criando o Proer, precisou de coragem. A não ser alguns banqueiros, por onde ando no Brasil, todos são contra, começando pelos empresários. Eles estiveram em Brasília e disseram que também querem a liberação. Por que o Governo libera dinheiro para salvar bancos e não faz o mesmo em relação a empresas?

Com essa coragem, Sr. Presidente, Sua Excelência deve tomar decisões para estabelecer um legítimo plano de reforma agrária. Que Sua Excelência, ao chegar da Europa, veja, dentro desse aspecto, que é positivo dialogar com o Congresso, sem barganha.

Em São Paulo, traçaram-se os rumos: o antigo PDS está unido e coeso em torno da candidatura do Sr. Paulo Maluf. Que Sua Excelência se organize em termos da sua proposta. Teremos a oportunidade, em São Paulo, de saber o que pensa o PT, com a D. Luzia Erundina, o que pensa o PDS, com o Sr. Maluf, e qual é a proposta do PSDB para o Brasil. Em terceiro lugar, que Sua Excelência adote como questão primeira de seu governo, entre os cinco lemas de campanha indicados nos dedos de sua mão, a reforma agrária. Se Sua Excelência assim proceder, Sr. Presidente, estará tratando de problemas fundamentais, como a alimentação, a saúde e a educação.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/1996 - Página 9047