Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REALIZAÇÃO, NA CIDADE DE ROMA, ITALIA, DE REUNIÃO DE CUPULA DOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DE TODAS AS NAÇÕES DO MUNDO PARA DEBATE DO TEMA 'AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO' ORGANIZADA PELA FAO.

Autor
Osmar Dias (S/PARTIDO - Sem Partido/PR)
Nome completo: Osmar Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • REALIZAÇÃO, NA CIDADE DE ROMA, ITALIA, DE REUNIÃO DE CUPULA DOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DE TODAS AS NAÇÕES DO MUNDO PARA DEBATE DO TEMA 'AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO' ORGANIZADA PELA FAO.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/1996 - Página 9053
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, REUNIÃO, CHEFE DE ESTADO, PAIS, MUNDO, OBJETIVO, DISCUSSÃO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, AGRICULTURA, ALIMENTAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, RESPONSABILIDADE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO).

O SR. OSMAR DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, não utilizarei todo o tempo, mas quero pedir a atenção dos Srs. Senadores para um assunto que considero de extrema importância para o País.

O Senador Pedro Simon falou sobre a prioridade da questão da reforma agrária, e, no meu aparte, penso que não fui bem entendido, porque concordei integralmente com o pronunciamento do Sr. Pedro Simon. Apenas, fiz uma ressalva em relação àquilo que é possível se fazer com as terras do Exército e do Banco do Brasil.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. OSMAR DIAS - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Entendi o seu pronunciamento, no qual V. Exª foi muito feliz. Aproveitei o seu discurso para dar lógica ao meu porque poderia parecer que estava aqui falando em terras do Exército e do Banco do Brasil como solução do problema. Chamou-me atenção V. Exª e aceitei, na devida conta, como uma grande colaboração, o seu aparte.

O SR. OSMAR DIAS - Agradeço a V. Exª. Na verdade, uso a tribuna para fazer uma comunicação de extrema importância. Ocorrerá, em Roma, em novembro deste ano, uma reunião de cúpula dos Chefes de Governo e Chefes de Estado de todas as nações do mundo, para tratar de um tema de grande relevância: agricultura e alimentação. É um encontro organizado pela FAO, que acontece de década em década, e que, sem dúvida, irá chamar a atenção do mundo para o angustiante problema da fome.

Trago alguns dados que revelam que estamos deixando passar o tempo e, talvez por isso, venhamos a chorar mais tarde. Hoje, no mundo há 0,3 hectares sendo plantados para cada pessoa. Uma projeção da FAO informa que este número cairá 50%, ou seja, para apenas 0,15 hectares no ano 2.050. Esse problema está aí para a próxima geração.

Não estamos cuidando com responsabilidade do abastecimento e da segurança alimentar da próxima geração, mesmo porque não estamos zelando sequer da segurança alimentar da nossa geração.

Lembro-me de quando o Brasil colhia 50 milhões de toneladas. Eu próprio fui um dos críticos do Governo Sarney; entretanto, nessa mesma época, foi dada prioridade de fato à agricultura. Vivemos um bom momento e alcançamos uma produção de 70 milhões de toneladas.

Passaram-se 10 anos e recuamos ao patamar de 70 milhões de toneladas. Ou seja, voltamos a produzir em 1996 o que produzimos em 1986. Dez anos depois estamos patinando por várias razões, e ninguém observa o que está acontecendo no cenário mundial.

Essa reunião de cúpula, que ocorrerá em Roma, vai tratar exatamente dessa questão. Não se passa fome no mundo apenas por falta de emprego. O emprego é, sem dúvida, o instrumento que viabiliza a comida na mesa; mas a questão da produção e da distribuição geográfica dos alimentos não está sendo devidamente cuidada em nosso País.

Não vejo uma política que dirija, por exemplo, o plantio de alimentos para áreas próximas às zonas de consumo. Por isso - está aí o exemplo -, há 5 milhões de toneladas de milho estocadas no Centro-Oeste e o Rio Grande do Sul, carecendo desse produto, vai pagar só de frete cerca de 50% do valor do produto. Não há o cuidado de casar a produção com o consumo, como não há, também, uma visão do que está acontecendo no cenário mundial, que está em dinâmica permanente.

Ninguém notou que os blocos econômicos que se organizaram estão muito mais avançados nos estudos e nas projeções sobre o problema da alimentação. Por exemplo, a União Européia reuniu seus 24 membros - países que fazem parte daquela organização - para tomar uma decisão: aumentar os subsídios, ao contrário do que fora decidido na Rodada do Uruguai quando se decidiu pela redução dos subsídios em nível mundial. A União Européia foi uma das participantes desse encontro; só que, no momento de decidir o seu futuro, optou por aquilo que é praticamente uma religião desde a 2ª Guerra Mundial, ou seja, a segurança alimentar da sua população, com o intuito, inclusive, de tirar proveito dessa dinâmica mundial que ocorre especialmente entre as grandes potências, notadamente a China. A União Européia aumentou os subsídios.

Os Estados Unidos definiram em seu orçamento - e lembro-me, mais uma vez, das palavras do Senador José Fogaça -, para os próximos 7 anos, US$36 bilhões de subsídios anualmente para os seus agricultores que já estão se candidatando para recebê-los, de acordo com a nova política agrícola aprovada pelo Congresso daquele país, que é o de liberação das quotas.

Desde a década de 30, os Estados Unidos plantavam de acordo com quotas estabelecidas pelo Governo para cada produtor, para cada cultura. Havia um direcionamento para o plantio, de acordo com os mercados interno e internacional. Os americanos se preparam para a realidade que enfrentarão nas próximas décadas e o mesmo está ocorrendo com a União Européia.

Sr. Presidente, a China anunciou hoje uma nova política para abertura de sua economia, não apenas para a instalação de empresas no campo da indústria, mas também na agricultura, formando associações com empresas já instaladas naquele país para aumentar a sua produção de grãos em mais de 50 milhões toneladas, ou seja, um pouco menos do que produzimos aqui na totalidade.

A China estabeleceu como meta aumentar sua produção de grãos, em quatro anos, em 50 milhões toneladas. Atualmente, produz 450 milhões toneladas, numa área plantada de mais ou menos 52 milhões de hectares. Só para comparar, o Brasil planta cerca de 40 milhões hectares e colhe 70 milhões toneladas.

A China investiu em produtividade e em tecnologia; agora investe na recuperação de algumas áreas - que foram perdidas ao longo dos anos - para a agricultura e vai substituir outras culturas para produzir alimentos; 50 milhões de toneladas de grãos para quê? Para matar a fome do seu povo e gerar excedentes. A China passou a ser uma importadora líquida de commodities agrícolas em três anos, e isso significa que houve uma reação provocada por seu ingresso no mercado importador, o que está mexendo com os preços dos produtos agrícolas no mundo inteiro.

Para o Brasil, no entanto, parece que nada disso está acontecendo. A China está ampliando o mercado porque sabe que a fome hoje angustia 850 milhões de pessoas no mundo, ou seja, 25% da população mundial passa fome. Só aqui no Brasil há mais de 30 milhões de pessoas que não fazem regularmente duas refeições por dia; quando comem apenas uma vez por dia, já estão satisfeitas.

Vejo sempre este número: 32 milhões de pessoas. Mas a verdade é que 60% da massa de trabalhadores em nosso País recebe uma remuneração menor do que três salários mínimos, que, na ponta do lápis, Sr. Presidente, dá para comer, mas dá para comer muito mal. Portanto, devemos acrescentar ao número de pessoas que não come duas refeições diárias, aqueles que comem as duas refeições, mas com um nível de calorias muito abaixo do que recomenda a Organização Mundial de Saúde.

O País, portanto, apresenta o retrato de milhares de pessoas alimentando-se mal; e o mundo apresenta o retrato do sofrimento e da morte, com um número de vítimas muito maior do que pode ocasionar qualquer guerra ou qualquer epidemia. A fome é o que mais mata no mundo.

E nós estamos aqui falando em programas sociais, sem levar em conta alguns fatores essenciais: a geração de empregos, que é um capítulo à parte, que deve ser tratado, evidentemente, como prioridade; e a produção estratégica de alimentos, olhando para o mercado interno, olhando para o futuro e olhando para a dinâmica do comércio mundial. E isso não está ocorrendo porque não se pensa em planejar para um futuro próximo, para daqui a 30 ou 50 anos, uma produção estratégica de alimentos para garantir a segurança alimentar. Milhares de pessoas vivem na linha da insegurança alimentar, que é a pior de todas as inseguranças.

Em 1974, na Conferência de Cúpula das Nações, da FAO, o princípio era o de que, dali a algumas décadas, nenhum pai de família teria a humilhação de se deitar e não conseguir dormir com o temor de faltar pão no dia seguinte; além disso, nenhuma criança iria dormir com fome.

De 1974 para 1996, foram 22 anos; e a situação está pior. Aquilo que foi acordado na Conferência de Cúpula praticamente foi esquecido, e o Brasil, que já perdeu várias oportunidades de promover um salto e resolver essa questão, está perdendo outra oportunidade. No ano passado, aqui advertíamos o Governo dessa revolução nos preços no mercado internacional. Não fomos ouvidos. Este ano não estou chamando a atenção apenas para os próximos dois anos, quando isso continuará ocorrendo, mas para algo grave que está acontecendo no mundo: por ano, oito milhões de hectares de áreas são incorporadas aos projetos urbanos, enquanto a população continua crescendo. Isso significa que dentro de cinqüenta anos a terra disponível per capita será a metade da que existe hoje e que teremos de multiplicar por dois a produção, apenas para manter os níveis atuais de nutrição.

O pior, Sr. Presidente, é que a FAO, que recomenda um crescimento de 3% ao ano na produção de alimentos no mundo assiste, como todos nós, a um crescimento menor do que 1%, porque os países em desenvolvimento, que apresentam um crescimento de 2,8%, não são acompanhados pelos países já desenvolvidos, que estão preocupados somente em alimentar o seu povo e se esquecem de que, dentro da globalização da economia, existe a obrigatoriedade de uma integração também social e não apenas econômica.

Se tivéssemos liquidado a política protecionista dos blocos mais desenvolvidos, o Brasil far-se-ia inserir no mercado internacional com mais R$40 bilhões, considerando os produtos primários e os manufaturados e transformados.

No entanto, Sr. Presidente, não se negocia a redução dos subsídios - tenho defendido essa tese permanentemente - e não se faz nada no sentido de estreitar a diferença entre os que subsidiam e aqueles que, como ocorre em nosso País, têm de produzir, importando subsídios, exportando impostos e ouvindo de autoridades do Governo que os suinocultores e os agricultores podem quebrar, mas o produtor de milho precisa obter lucro.

Sr. Presidente, não há produtor de milho sem produtor de suínos e de aves. É preciso que haja integração entre todos os setores da agropecuária com um planejamento prévio. Eu mostrei - vou repetir, não me canso disso -, ao Presidente da República, ao Ministro do Planejamento, ao Ministro da Fazenda e ao Presidente do Banco do Brasil, a possibilidade de o Governo fazer um planejamento da segurança alimentar para os próximos cinqüenta anos mediante convênio da FAO, pago por uma fundação internacional. Não me deram atenção, não me deram importância. Os países desenvolvidos estão fazendo esse trabalho e vão apresentá-lo na reunião de cúpula em Roma, em novembro.

Se não estão preocupados sequer com esta geração, como vamos exigir que se preocupem com a futura geração, que vai passar mais fome, não apenas pela falta de emprego, mas pela falta de alimentos? Esse prenúncio está sendo feito não por mim, mas pela FAO, que é uma entidade respeitada em todo o mundo.

Sr. Presidente, faço um alerta sério e espero que possamos discutir esse assunto com mais profundidade. A reforma agrária é um dos instrumentos para iniciar a solução desse problema, mas a reforma agrária que coloque no Orçamento dinheiro suficiente para assentar a meta estabelecida; a reforma agrária que dê ao título da dívida agrária o valor real e não esse que aí está, o qual representa praticamente 38% do valor de face.

Apresentarei, oportunamente, uma proposta geral a respeito do assunto, porque a respeito da reforma agrária já apresentei várias propostas e voltarei a fazê-lo em virtude da importância do assunto.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/1996 - Página 9053