Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1996 - Página 9436
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE.
  • INFORMAÇÃO, ASSINATURA, DECRETO EXECUTIVO, CREDITOS, FINANCIAMENTO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, EXTRATIVISMO.
  • DENUNCIA, EXTINÇÃO, ESPECIE, MADEIRA DE LEI, REGIÃO AMAZONICA, INFORMAÇÃO, COMPROMISSO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, FUNDAÇÃO, ESCOLA DE APRENDIZAGEM, FABRICAÇÃO, MOVEIS, MUNICIPIO, XAPURI (AC), ESTADO DO ACRE (AC).

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, autoridades presentes, com alegria, estamos aqui para abordar um tema que é tratado por muitos com paixão. Alegria que, ao mesmo tempo, talvez esteja inundada de um pouquinho de tristeza, pelos problemas e desafios que estamos vivendo.

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, eu gostaria de tratar do tema não como muitas vezes temos feito, de uma forma distante. Hoje é um dia especial para um tema grandioso, embora tratado de forma distante, mas que, muitas vezes, não identificamos em nossas ações cotidianas, em nossas ações como cidadãos preocupados com o assunto, em nossas ações como autoridades, legisladores que fazemos leis que deveriam estar de acordo com o meio ambiente e sua preservação; tema tão grandioso que, muitas vezes, fica perdido em ações incoerentes, dado o grande desafio que temos de enfrentar porque, afinal de contas, o meio ambiente é a composição das pequenas ou das grandes coisas que encontramos em nosso cotidiano.

Um outro quesito que acho fundamental observar é que a questão ambiental não pode ser dissociada da vida das pessoas, dos seres humanos. Talvez sendo um pouco pretensiosos, penso que somos uma minúscula parte que tem consciência do meio ambiente; portanto, somos essa minúscula parte. Por isso, talvez, sejamos perigosos a ele, pois ousamos acreditar que somos a parte mais importante da natureza, quando, na verdade, deveríamos nos entender como a parte que depende também do todo.

Essa concepção me faz pensar o dia de hoje vendo o meio ambiente como suas águas, suas florestas, seus animais, a terra e nós, a humanidade, como acabei de falar.

Contraditoriamente a tudo isso, nós disputamos, às vezes de forma incoerente e insana, esses espaços que escondem outras riquezas - que eu não teria tempo e talvez nem condições de citar, mas cito nossos recursos genéticos, nossos recursos da biodiversidade. Tudo está imbricado nesse grande potencial de riqueza que nosso privilegiado País tem, graças a Deus. Para mim, a questão do meio ambiente está intrinsecamente ligada a essas preocupações.

Outro aspecto que eu gostaria de relembrar é que a busca da defesa do meio ambiente, hoje, não pode mais ser tratada apenas como uma pregação no sentido de fazer as pessoas entenderem que ele é importante. Acho fundamental tentarmos formar uma opinião pública favorável à defesa do meio ambiente. É fundamental também que nossas escolas continuem a dizer às nossas crianças que elas devem preocupar-se com o meio ambiente à sua maneira e de acordo com sua responsabilidade de crianças. Mas nós, os adultos, principalmente aqueles que têm uma função importante na vida pública e na sociedade, temos a obrigação de agir, além de falar. É com essa preocupação de agir que cada um, à sua maneira, deve dar sua colaboração para a preservação do meio ambiente, para que não se comemore, daqui para frente, o Dia Internacional ou o Dia Mundial do Meio Ambiente, abordando o tema com paixão, muitas vezes com sentimentos de grandiosidade e que, passados esses momentos, se perdem, em razão da nossa omissão diante dos fatos, como está acontecendo.

Em poucos instantes, iremos acompanhar - e aproveito a oportunidade para convidar todos os Srs. Senadores - a assinatura do decreto presidencial que trata de temas importantes, de questões práticas de defesa do meio ambiente. Questões práticas, porque a minha experiência de vida na Amazônia ensinou-me que não basta a pregação; não basta a boa intenção; não basta denunciarmos que os madeireiros estão destruindo a floresta; não basta denunciarmos que a atividade pecuária expulsou milhares de pessoas da floresta, que hoje estão morrendo de fome nas periferias, degradando-se no alcoolismo, na prostituição e nas drogas.

Precisamos de dar respostas práticas e nós a estamos buscando. De um lado, as populações tradicionais; de outro, as que moram nas cidades e não agüentam mais a falta de perspectiva; e, de um outro, ainda que de forma tímida, as autoridades, dentre as quais me incluo.

Desde o ano passado, começamos uma luta para que essas idéias se tornassem realidade. E sabíamos que para isso era preciso recurso, mão-de-obra especializada e tecnologia. Com esse espírito, fomos à Presidência do BASA e, em uma reunião com sua diretoria, sugerimos a criação de uma linha de crédito especial para financiamento de atividades sustentáveis na Amazônia.

Foram longos debates, longas rodadas de negociações, algumas incompreensões - diria até que de ambas as partes. Mas, ao final, tivemos um saldo positivo. Depois de 200 anos de extrativismo na Amazônia, pela primeira vez, os pescadores, os seringueiros, os babaçueiros, os coletores de açaí ou de andiroba, seja do que for, poderão ter um crédito especial para financiar a sua produção.

Daqui a pouco, o Presidente da República estará assinando um decreto interministerial, que trata da forma pela qual se deve operacionalizar esses recursos, no âmbito do Ministério da Economia, do Planejamento, do Meio Ambiente e do Programa Comunidade Solidária. São R$24 milhões para o ano de 1996. Parece pouco; parece pouco para o muito que é o desafio de desenvolver, de forma sustentável, a Amazônia. Mas, se considerarmos que os sete países ricos investirão, neste ano, US$8 milhões, diríamos que estamos investindo três vezes mais em atividades que considero fundamentais para que a Amazônia seja preservada. Temos, para esse fim, indicações de projetos até muito sofisticados.

Na Amazônia, existem tantos problemas que não conseguimos alcançá-los: Carajás, Transamazônica e Projeto Sivam. Esse é tão grande que se perdeu em complicações, e a Região Amazônica nem sequer entende o seu alcance.

Mas essas atividades simples talvez assegurem mais a preservação da referida Região do que qualquer tecnologia sofisticada, porque, com resposta prática para a vida das pessoas, com certeza a devastação diminuirá. Se os seringueiros, os ribeirinhos, os babaçueiros tiverem vida digna, não sentirão a necessidade de vender uma tora de mogno por R$20, causando danos incalculáveis à floresta. É o que vem acontecendo com as denúncias feitas incessantemente pelo Padre Paulino Baldassari, de que o rio Iaco e vários outros do Estado do Acre estão sendo completamente devastados pela exploração irregular de madeira.

Foi com essa preocupação que, recentemente, estive na Itália, participando de uma reunião com empresários e trabalhadores da Cidade de Como. Lá eles são considerados, segundo informações que obtive, os melhores produtores de móveis do mundo. O Padre Heitor e eu dissemos que a Amazônia está sendo devastada, que a nossa madeira está saindo em toras para tornar-se um produto supervalorizado nos países desenvolvidos. Fizemos, então, um apelo: se o Primeiro Mundo quer realmente preservar a Amazônia, tem que arcar também com a sua parcela de colaboração. E de que forma isso pode ser feito? As nossas riquezas devem ser mantidas na própria região, gerando receita, gerando emprego, diminuindo a fome e a degradação social.

Ao final da reunião, eles se comprometeram em doar o maquinário e a fundar uma escola de fabricação de móveis na Cidade de Xapuri. Mais do que isso: enviarão os aposentados, que são especialistas na arte de fazer móveis, além de serem considerados os melhores artesãos do mundo, para, num sistema de revezamento, treinarem a primeira turma de profissionais nessa área. Espero ainda que ministrem muitos cursos sobre o aproveitamento correto da nossa madeira na Amazônia.

Sempre com a preocupação de preservar o meio ambiente, dirigi-me à diretoria da Pirelli para sugerir que refletissem sobre uma idéia que, segundo o meu entendimento, será muito benéfica tanto para a preservação do meio ambiente quanto para a Amazônia: a fabricação de um pneu com uma quantidade maior de goma elástica, de borracha natural, porque todos sabem que a nossa borracha perdeu competitividade para a dos seringais de cultivo, particularmente da Malásia, ou para a borracha sintética.

Dessa forma, sem perspectiva a curto prazo de desenvolvimento, a floresta está acabando. Estamos verificando uma política de terra arrasada na Amazônia.

Todos falam que são favoráveis à Amazônia, mas, quando se trata da viabilização de projetos, precisamos saber a forma de concretizá-la.

Nas reuniões que participei com vários ambientalistas da Itália, nos contatos que estou fazendo com outras empresas de pneumáticos, não apenas eu, mas outras pessoas, inclusive do Governo, sugerimos que haja uma pressão para que o pneu contenha borracha natural, até porque, do ponto de vista econômico, sabemos que é viável. Aumentando as possibilidades de compra do produto, com certeza teremos melhor preço e sustentabilidade para as reservas extrativistas.

Faço questão de registrar esses fatos para ser coerente com aquilo que disse no início do meu discurso. Para mim, defender o meio ambiente hoje é muito prático, afinal de contas, os trabalhadores do sul do Pará foram assassinados porque precisavam de terra para sobreviver.

O que querem as pessoas que moram em São Paulo senão os rios despoluídos e o ar puro para poderem respirar, condições de vida digna para poderem morar?

O que queremos parece-nos simples, mas torna-se impossível no afã de alcançar uma modernidade desenfreada, pois, ao invés de humanizar, desumaniza as pessoas.

No Dia do Meio Ambiente, desejo também ressaltar o quanto é importante associarmos essa nossa luta a outras questões concretas. Muitas vezes, tenho ouvido pessoas me dizerem que falar de meio ambiente, num país onde há pobres e miseráveis, parece coisa de ecologista. O senso comum utiliza esses argumentos para evitar que qualquer discussão possa ser levada a cabo.

Já vi o Ibama ser acusado de proibir os pequenos de fazer um roçado. Por trás do argumento de se tratar dos pequenos, que não é verdadeiro, estão escondidos aqueles que derrubam milhares e milhares de hectares de terra, de floresta, ilegalmente. Por trás desse argumento, estão aqueles que querem poluir os rios impunemente; por trás desse argumento, estão aqueles que se escondem atrás da maioria para, fazendo-se passar por minoria, realizar sua política de degradação ambiental.

Quero contestar essa atitude dizendo que o Brasil não é um País tão pobre, a ponto de ter de priorizar os problemas sociais em detrimento do meio ambiente. O Brasil é um País rico; rico em recursos genéticos, rico em potencial de matéria-prima e rico também em dinheiro, pois a sua renda per capita é de US$4 mil. O problema é que há uma distribuição de renda completamente injusta.

O nosso Presidente disse que o Brasil não é subdesenvolvido, é apenas injusto. Eu diria ao nosso Presidente que o Brasil é subdesenvolvido sim. É subdesenvolvido naquilo que há de mais primitivo: na ética, no confronto entre aquele que tem e o que não tem, na distribuição daquilo que é produzido por todos. Se é injusto, então é subdesenvolvido. E esse subdesenvolvimento tem que ser combatido.

A nossa pobreza talvez não seja de bens materiais, mas acima de tudo de bens espirituais. Esse tipo de pobreza precisamos combater com atitudes que são simples, mas que dão respostas muito eficazes.

Por último, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, talvez eu aqui não traga o tom empolgado da felicidade, próprio da sonhadora, mas isso pode ser em decorrência dos episódios que ocorreram nos últimos meses. No entanto, o desejo de sonhar, como dizia nosso cantor, não acabou com aqueles que querem ver o Brasil em outro caminho. Ele dizia, também, que o sonho só é sonho quando sonhamos sozinhos; quando começamos a sonhar em multidão, ele vira realidade. Acho que o Raul Seixas estava coberto de razão. Cabe-nos fazer dos nossos sonhos solitários sonhos de multidão, para que os possamos ver transformados em realidade. A realidade precisa ser mudada por cada um de nós, e não apenas por alguns cidadãos, que muitas vezes são impotentes para tal; a realidade precisa ser mudada por aqueles que têm o poder de fazer as leis, de aprovar os projetos, de encaminhar os recursos, de fiscalizá-los. Esses, sim, têm parcela maior de responsabilidade. O Brasil e o mundo talvez caminhem para uma direção onde se lhes apresentará um dilema. Estamos vivendo um momento muito complicado, que é o da exclusão social.

Eu não conhecia outros lugares senão o meu Acre e a minha Amazônia. Depois da oportunidade de estar aqui - onde espero fazer o melhor possível -, conheci outras realidades. E percebi, com tristeza, que também nessas outras realidades existe exclusão social, existem aquelas pessoas que estão fadadas a não ser incluídas na nova forma de organização econômica e social para qual o mundo caminha. Talvez a nossa utopia seja a de defender o meio ambiente, talvez a nossa utopia seja a de lutarmos para que os seres humanos não sejam descartados, para que a Arca de Noé que navega hoje com muita seletividade possa abrir espaço para a viagem de todos nós.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu gostaria muito de que, a partir deste momento, cada um de nós pudesse assumir o compromisso de querer um Brasil mais justo, um Brasil economicamente viável, sustentável e socialmente capaz de diminuir o sofrimento daqueles que estão completamente à margem.

O Caetano Veloso, talvez olhando para um povo que se acha capaz de tudo, disse a seguinte frase, que acho muito interessante: "Os americanos olham fundo naquilo que vêem, mas não são capazes de olhar no próprio fundo". Talvez também estejamos olhando muito fundo naquilo que vemos, mas não estamos sendo capazes de olhar no nosso próprio fundo. E o Brasil precisa desse nosso olhar.

Muito obrigada, Sr. Presidente. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1996 - Página 9436