Discurso no Senado Federal

PROJETO DE IMPLEMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS DO CIDADÃO, PROPOSTO PELO NUCLEO DE ESTUDOS DA VIOLENCIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PROJETO DE IMPLEMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DOS DIREITOS DO CIDADÃO, PROPOSTO PELO NUCLEO DE ESTUDOS DA VIOLENCIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1996 - Página 9515
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, INICIATIVA, PROPOSTA, NUCLEO, ESTUDO, VIOLENCIA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), PROJETO, IMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, DIREITOS, CIDADÃO, OBJETIVO, CRIAÇÃO, FORMA, CONTROLE, SETOR PUBLICO, DEFESA, POPULAÇÃO, FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA, GARANTIA, CIDADANIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal desenvolve, em sua Biblioteca, um serviço dos mais importantes de acompanhamento dos principais assuntos veiculados pela grande imprensa nacional.

Preocupado com os últimos acontecimentos que culminaram na chacina de Eldorado dos Carajás, procurei fundamentar este meu discurso, pesquisando matérias relativas aos temas violência e desrespeito aos direitos humanos.

A minha primeira constatação, triste por sinal, foi a de que as pastas com recortes de jornais relativas a essas questões são das mais recheadas, o que traduz a recorrência de casos de violação de direitos humanos no País.

Os jornais dedicam, diariamente, páginas inteiras com editoriais, artigos e relatos de casos de violências praticadas, principalmente, contra menores.

Não é à toa. O Banco Interamericano de Desenvolvimento divulgou, recentemente, em Washington, relatório que coloca o Brasil como o segundo país mais violento de todo o planeta. Considerando como critério o número de assassinatos por grupos de 100 mil habitantes, a média brasileira atingiu 24,9 anuais, contra 10 para os americanos e menos de 2 para os habitantes da China, do Egito, da Indonésia, da Jordânia e do Kwait. Como consolo, a "pole-position" da Colômbia, com sua média de 77 assassinatos, motivados, principalmente, pela verdadeira guerra civil do narcotráfico.

Outro relatório, elaborado pelo Departamento de Estado Americano, dedica nada menos que trinta páginas para os casos de brutalidade da polícia, trabalhos de menores e lentidão da Justiça no Brasil. Parte do relatório, divulgado pelo Jornal do Brasil, dá conta de que os abusos mais sérios no País "continuam sendo os assassinatos extra-judiciais e a tortura. A Justiça é lenta e, freqüentemente, não é confiável, especialmente nas regiões rurais onde donos de terras poderosos usam a violência para acertar disputas e para influenciar o Judiciário".

Nunca é demais lembrar que tal trabalho foi elaborado antes dos acontecimentos lamentáveis de Eldorado dos Carajás. Se o texto não refletisse a verdade até aquele momento, poderia ser encarado, hoje, como um exercício de premonição.

Ambos os relatórios citados colocam a impunidade como a principal razão para o recrudescimento da violência no Brasil. Fatos como os do Carandiru, da Candelária, de Acari, de Corumbiara e de Vigário Geral dormitam em longos e tendenciosos inquéritos, quase sempre à espera de arquivos, como se a violência pudesse ser catalogada como crime perfeito.

Alguns números são elucidativos. Somente no Rio de Janeiro, nos últimos anos, foram conhecidos 6.033 casos de extermínio de menores e o que atesta a influência nefasta impunidade é que, em 1985, ocorreram 172 casos, crescendo para 204 em 1986, 227 em 1987, 294 em 1988, e assim por diante, até os 1.138 de 1995. Os maiores saltos se deram a partir de 1993, exatamente o ano da chacina da Candelária.

Mas, o que me preocupa, sobremaneira, é a violência não divulgada, aquela que passa ao largo das estatísticas e da notícia diária. Quantos serão os casos de abusos de poder, de discriminação de todos os tipos, de ofensas morais de todas as ordens? Do funcionário público, do guarda da esquina, do porte físico mais forte. Do "você sabe com quem está falando?" Mais ainda: a violência da pobreza, que já atinge 40 milhões de brasileiros, 17 milhões dos quais considerados miseráveis. Tudo isso indica que as tais pastas da Biblitoeca do Senado, apesar de volumosas, são, na verdade, uma pequena mostra deste imenso universo de violência e de violação dos direitos humanos mais fundamentais.

É bem verdade que essa realidade tem suas raízes sociais e que soluções não virão como um passe de mágica. Afinal, a história que marcou o período de obscurantismo no País é bastante recente, mas foi longa o suficiente para impregnar posturas nada recomendáveis. Entretanto, há que se louvar as iniciativas movidas, sobretudo, pela coragem de atacar, de frente, essas posturas.

É o caso da proposta do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. Coordenados, institucionalmente, pelo Prof. Paulo Sérgio Pinheiro, o mesmo que tem envidado esforços nas últimas iniciativas do Governo Federal na montagem do Plano Nacional de Direitos Humanos, os professores Gláuber Silva de Carvalho e Sandra Elias de Carvalho conceberam o projeto Implementação e Desenvolvimento dos Direitos do Cidadão.

Longe de se propor em se constituir, ele próprio, em mecanismo de intermediação de queixas e de infortúnios, o projeto se orienta no sentido da criação destes mesmos mecanismos nas mais diversas áreas em que o cidadão deles precisar.

Com a premissa de que os direitos civis e políticos estão, hoje, minimamente consolidados, mas não acompanhados pelos direitos sociais, o projeto, segundo o próprio texto, "propõe a formação de uma equipe que esteja permanentemente pensando essas questões juntamente com a sociedade civil organizada. É seu objetivo propor mecanismos de controle dos mais diversos setores da vida pública que ainda não apresentaram níveis satisfatórios de democratização. Com o mesmo objetivo, propõe apresentar projetos de lei que permitam àquelas pessoas em situações desfavoráveis social e economicamente poderem encontrar fundamento jurídico para se contrapor a outros atores da sociedade civil que porventura tenham mais poderes de fato. Ampliando o debate para a vida cotidiana da população, este projeto tem como meta implementar e alargar os direitos de cidadania para áreas não contempladas pelas diversas organizações."

Se não apoiasse iniciativas desta natureza, estaria eu contraditando quatro décadas de luta com objetivos coincidentes.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1996 - Página 9515