Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO HOJE DO 'DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE'. PREOCUPAÇÃO COM DEFICIT HABITACIONAL NO BRASIL, TEMA DA CONFERENCIA HABITAT 2, PROMOVIDA PELA ONU.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA HABITACIONAL.:
  • TRANSCURSO HOJE DO 'DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE'. PREOCUPAÇÃO COM DEFICIT HABITACIONAL NO BRASIL, TEMA DA CONFERENCIA HABITAT 2, PROMOVIDA PELA ONU.
Aparteantes
Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/1996 - Página 9492
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE.
  • COMENTARIO, DEFESA, NECESSIDADE, REDUÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO POPULAR, PAIS, SIMULTANEIDADE, POLITICA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DISCUSSÃO, PROBLEMA, HABITAÇÃO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de manifestar-me neste dia, para falar a respeito dos dois Brasis: o dos carros importados e das mansões e o da miséria e da falta de oportunidade trabalho, da falta de moradia, de terra e de educação.

Sabemos que o Banco Mundial constatou que 10% dos mais ricos ficam com 51% do PIB brasileiro. Hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente, desejo falar um pouco a respeito desse desenvolvimento sustentável, da preservação e dos assentamentos humanos, hoje tema da Conferência Habitat 2, promovida pela ONU. Constatamos que há um déficit habitacional superior a quinze milhões de unidades. Sabemos que é importante estabelecer uma política habitacional para este País, principalmente, para as chamadas comunidades carentes.

Constatamos que existem em nosso País os chamados domicílios improvisados, realidade de grande parcela da população. São espaços não residenciais e que, mesmo assim, são utilizados para abrigar essas pessoas. Temos, também, os domicílios rústicos, que não têm paredes de alvenaria nem de madeira aparelhada; são casas feitas de barro, papelão ou de tábuas de caixas.

Há domicílios compartilhados por duas ou três famílias, denominados domicílios familiares, e, também, os domicílios inadequados, aqueles que não têm nenhuma infra-estrutura, sem saneamento e que levam mais de 30% do orçamento familiar com os chamados aluguéis. Temos habitações localizadas nas chamadas áreas de risco, onde ocorrem perdas humanas, ambientais e patrimoniais e onde existe grande marginalidade que gera violência e tantas coisas mais.

Conheço perfeitamente essas realidades. Estou no meu último estágio pois hoje posso morar confortavelmente em uma casa de alvenaria de dois andares, agora aumentada para três.

Sei que faltam investimentos nessa área, em termos de política nacional brasileira.

O nosso Brasil é campeão mundial de produção de açúcar, de café, de frutas e de mandioca; é o segundo produtor mundial de feijão, soja, banana, cacau, de rebanho bovino; é o terceiro produtor de milho; quarto produtor de carne e frango; quinto produtor de rebanho suíno e eqüino; é o oitavo produtor de cereais; décimo produtor de veículos e exportador de madeiras nobres, metais e minérios preciosíssimos. Enfim, estamos entre as dez maiores economias do planeta juntamente com os Estados Unidos, Japão, França, Itália, Inglaterra, Espanha, Canadá e Alemanha.

Ora, por que não somos considerados um país desenvolvido? Justamente pelas desigualdades sociais existentes no País, como a mortalidade infantil, desnutrição, déficit habitacional, etc...

Essa Conferência promete nos trazer outras perspectivas, porquanto busca relacionar os assentamentos humanos, o meio-ambiente, o bem-estar social e a moradia. Temos notícias de que lá se desenvolvem estudos para que não coexistam num mesmo país, a exemplo do Brasil, uma economia altamente equilibrada e uma sociedade extremamente desajustada.

Quando houve a aceleração das atividades industriais, tivemos crescimento demográfico e movimentos migratórios provenientes do campo, o êxodo rural. Ou seja, alimentamos, a partir daí, a chamada concentração urbana. Sofremos uma metamorfose radical ao sairmos de uma sociedade rural primária para uma sociedade urbana dependente de vários serviços e de infra-estrutura. E não conseguimos, mesmo com as iniciativas que foram tomadas, como a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, fazer frente a esse déficit. Estamos assistindo à favelização das médias e grandes cidades.

O Sr. Gerson Camata - V. Exª me concede um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Gerson Camata - Senadora Benedita da Silva, V. Exª, numa hora bem oportuna, enfoca esse problema do Brasil, que talvez seja um dos mais sérios. Há uma famosa e bela frase bíblica em que Jesus reclama que o Filho do Homem não tinha uma pedra para colocar a cabeça. No Brasil, deveríamos reclamar porque cerca de um terço de nossa população não tenha uma pedra para colocar a cabeça. Sou membro da Comissão Habitat 2 criada no Senado Federal. E estudando o assunto constatamos que esse problema habitacional para o mundo futuro é tão grande, e vai se tornar tão sério - ou já é tão sério - que a ONU começa a lançar luzes de holofotes em cima dele, chamando a atenção de governos, de prefeitos, vereadores, planejadores para que esse problema comece a ser estudado e possa ser resolvido. V. Exª, mais do que um sociólogo, um engenheiro ou um técnico, conhece essa realidade porque a viveu. No Brasil, por exemplo, o grande problema - e V. Exª o disse da tribuna - é o êxodo rural. Alguns lavradores vão para o Movimento dos Sem-Terra lutar pela terra; outros desistem da luta e vão para a favela da grande cidade. Esses trabalhadores não têm preparo nem treinamento para exercer outra profissão. O homem do campo, o lavrador que produzia no interior, vira um pária na cidade, um deslocado, um marginalizado, um abandonado da sociedade. Em uma das reuniões, sugeri que, dentre as propostas que seriam apresentadas pelo Brasil, se incluísse mais uma: que houvesse melhora das condições de vida do homem do campo, dando-lhe assistência médica, energia elétrica, boas escolas. Enfim, que se criasse em torno da pequena vila do interior algum tipo de lazer; que se financiasse, com prazo melhor, uma antena para que ele pudesse assistir televisão. O homem do campo monta em seu burrinho, vai para a vila mais próxima e vê na televisão novelas com um povo vivendo muito bem, todos tranqüilos nas praias e comendo nos restaurantes. Esse homem fica pensando que ele é um burro, um bobo, ao ficar cavando a terra, tomando sol, trabalhando e produzindo, enquanto poderia estar desfrutando daquele outro mundo fantástico que a televisão lhe mostra. Uma das soluções seria, pois, que se criasse, em torno das pequenas vilas, das cidades do interior, comunidades produtoras de verduras, de produtos agrícolas e que fossem doados lotes a essa gente. Se o homem do campo não for para a cidade, ele permanece em volta daquele núcleo onde nasceu, onde vive e onde tem um compadre ou um cunhado que pode ajudá-lo numa hora de dificuldade. Na cidade, todos são estranhos, e ele vai sendo levado, efetivamente, diante do desespero, para a marginalidade. Começa a surgir outro fenômeno nas comunicações: os americanos lançam um satélite, o satélite vem para o céu brasileiro, e eles distribuem imagem de televisão para nós. Nós lhes pagamos, sem nenhuma interferência do Governo brasileiro, sem cobrar nenhum imposto. Eles ocupam a gama da faixa KU e transmitem para cá. Sugiro que se cobre um imposto sobre isso. Calcula-se que 10 milhões de lares brasileiros, dentro de dois anos, estarão ligados nesse satélite. E não são 10 milhões de lares mais pobres. Ora, seria interessante que essas empresas pagassem um tributo - e num cálculo rápido chegou-se à conclusão de que elas podem pagar até US$1 bilhão por ano - para fazer casas e implantar redes de esgoto para os mais pobres. A ONU, que supervisiona os interesses mundiais dessas pessoas, podia, por sua iniciativa, propor aos países desenvolvidos - que lançam sua imagem sobre os mais pobres e os colonizam culturalmente -, que se dispusessem a pagar esses tributos, para ajudar a melhorar as condições de vida daqueles que não têm sequer onde morar. Isso seria um investimento, porque, no futuro essas pessoas poderiam tornar-se também compradores das imagens de satélite que eles vão começar a lançar sobre os países subdesenvolvidos ainda este ano. Cumprimento V. Exª, que trata de um assunto com que o mundo todo está preocupado e que é importantíssimo: o cidadão, o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, que precisa ter, pelo menos, uma pedra para repousar sua cabeça.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço-lhe o aparte, Senador Gerson Camata, e o incorporo, com muito prazer, como uma grande contribuição ao meu pronunciamento. Reconheço a habilidade com que V. Exª tem apresentado propostas na Comissão, onde, ao substituir a Senadora Marina Silva, tive oportunidade de também apresentar algumas sugestões. Tenho certeza de que o que precisamos - e V. Exª aborda isso muito bem - é democratizar a ocupação do espaço urbano.

Quando lutamos pela reforma agrária não pretendemos apenas dar um pedacinho de terra aos mais pobres, como muitos pensam. Queremos garantir ao homem do campo a sua fixação no campo e também fazer com que ele possa usufruir de todos os avanços tecnológicos, para que possa sentir-se como os demais cidadãos e não pura e simplesmente fique onde está. Precisamos, sobretudo, garantir a preservação de sua cultura, porque não existe nada mais difícil do que tirar o homem de seu verdadeiro habitat.

É preciso evitar o que aconteceu com os negros, que foram arrancados de sua terra, escravizados e obrigados a trabalhar na lavoura, com que não tinham nenhuma intimidade. Há um desequilíbrio quando tiramos um trabalhador rural do campo e o trazemos para os grandes centros urbanos, onde vai morar nas favelas. Ele vai tornar-se nada mais do que um trabalhador braçal sem qualificação e ganhar um salário aviltante com o qual não poderá sequer sustentar sua família e oferecer-lhe uma vida digna.

Essa é a realidade brasileira. Não podemos permitir que isso continue. É preciso possibilitar a integração do assentamento com os avanços do desenvolvimento para atender a necessidade do ser humano de moradia, de trabalho, de educação, de saúde e de alimentação. Estamos lutando pela reforma agrária, evidentemente, para alimentar o Brasil, quiçá a América Latina, porque reunimos todas as condições para isso.

Senador Gerson Camata, pude observar com muita tranqüilidade os debates que se travaram antes dessa conferência e percebi que reunimos, além da vontade do ser humano e das condições climáticas, todos os meios para fazer do Brasil um grande país, desenvolvido econômica e socialmente e capaz de garantir que cada um desses segmentos preserve os seus valores culturais, como é o caso do homem do campo, porque queremos que, via Internet, ele possa também se ver nas telinhas.

Estamos democratizando os meios de comunicação, para que cheguem aos mais longíquos rincões, não para impor ao trabalhador rural uma cultura urbana, mas para permitir que ele também possa ver-se na telinha. Para isso a produção local é importantíssima, porque é dessa forma que nos sentiremos representados e também representantes do interesse maior, que é o interesse nacional brasileiro.

Em seu aparte, que incorporo ao meu pronunciamento, V. Exª aborda, com muita propriedade, essa questão que considero relevante.

Antes de concluir, quero dizer que não posso entender por que não copiamos os bons exemplos. A urbanidade e a qualidade de vida não existem apenas fora do Brasil. Temos exemplos aqui em nosso País. Curitiba é um exemplo, assim como Florianópolis e Porto Alegre. Ora, então por que não copiarmos esse exemplo?

Estou muito orgulhosa, Senador, porque na Conferência foi homenageado Francisco Siqueira Pedrosa, líder comunitário que recebeu um prêmio pelo projeto de reabilitação de favelas. Fiquei muito orgulhosa porque, embora distante, eu me senti representada, como se lá estivesse. Esse líder mostrou que os problemas deste País podem ser resolvidos. Em virtude de uma associação da iniciativa privada com a prefeitura, essa comunidade organizada pôde receber esse prêmio. Não só esse líder mas tantos outros conseguiram nas suas comunidades, com toda sua humildade, fazer coisas fabulosas.

Estou orgulhosa também porque pertenço à comunidade da Favela de Chapéu Mangueira há 54 anos, que é a minha idade. Tive a oportunidade de ajudar a criar, com base na organização daqueles favelados, uma federação de favelas no Estado do Rio de Janeiro. Faço parte também do Movimento Nacional dos Favelados.

Considero a Favela de Chapéu Mangueira modelo. Já disse desta tribuna que nela não existe mortalidade infantil, e faz apenas doze anos, se não me engano, que lá foi implantada a rede de esgoto, porque antes o sistema era o de vala a céu aberto já que era proibido ligar o esgoto da favela ao esgoto do asfalto. Tivemos que lutar muito para conquistar isso, mas conseguimos. Nosso índice de mortalidade infantil é nulo. Também não há registro de problemas ginecológicos. Temos um posto de saúde que faz atendimento preventivo. Trata-se de uma comunidade sadia. Apesar de termos passado por esses estágios que aqui mencionei, como morar em casas de papelão e passar por outras dificuldades, hoje 99,9% das casas são de alvenaria e foram construídas com o suor dos trabalhadores da comunidade. É obvio que levamos dez, quinze, vinte anos para construí-las, mas nós as fizemos. Temos uma escola comunitária, que é modelo, temos um balcão de artes e muitas outras coisas. É uma comunidade que possui filhos ilustres - uma Senadora, médicos, dentistas e professores.

Se essas comunidades, apesar de todas as dificuldades, sem orçamento, podem fazer tudo o que citei, por que não o Poder Público? Já temos a conclusão do Movimento Nacional dos Favelados no sentido de que com 3% do PIB resolveremos o problema de habitação para, pelo menos, 35 milhões de favelados. Por que, então, não copiar essas iniciativas, que são maravilhosas? Também quero sugerir o orçamento participativo, que será apresentado na Conferência entre os projetos a serem apoiados, premiados - motivo de orgulho para mim, por ser o orçamento iniciativa do Partido dos Trabalhadores. Entretanto, o orçamento participativo não é uma tarefa só para as nossas administrações. As boas coisas devem ser copiadas, não importa a sigla partidária, não importa de onde venham, desde que se constituam num instrumento de participação, de fiscalização e de solução para os problemas que estamos vivendo.

Então, temos que definir uma estratégia adequada para políticas urbanas e ambientais, com prazo, com orçamento compatível. Por isso o nosso orçamento, uma colcha de retalhos, tem que estar voltado para as prioridades. Não adianta o Brasil, o nosso Presidente assinar acordos, se eles não são cumpridos, são inviabilizados por não terem prazo ou por não terem orçamento compatível. Temos que buscar um orçamento que expresse a nossa realidade. Se se quer investir socialmente, para que as pessoas cresçam, para que, economicamente, possamos continuar com esses parceiros que aqui mencionei, é preciso que tenhamos condições de garantir no orçamento rubrica para essas prioridades.

Sr. Presidente, eu pediria que o meu pronunciamento fosse publicado na íntegra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/1996 - Página 9492