Discurso no Senado Federal

CRITICAS A MEDIDA PROVISORIA 1.415, DE ABRIL DE 1996, QUE INSTITUI A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL OBRIGATORIA PARA SERVIDORES INATIVOS.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • CRITICAS A MEDIDA PROVISORIA 1.415, DE ABRIL DE 1996, QUE INSTITUI A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL OBRIGATORIA PARA SERVIDORES INATIVOS.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/1996 - Página 9843
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • DIVERGENCIA, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBRIGATORIEDADE, CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, APOSENTADO.
  • CRITICA, PENALIDADE, CONTRIBUINTE, DISCRIMINAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, OBJETIVO, RECUPERAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, ILEGALIDADE, INCONSTITUCIONALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV).

              O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desconfio das pessoas que dizem nunca terem cometido erros ao longo da vida. Ou elas mentem ou nunca viveram. Na realidade, vivemos e erramos, alguns mais, outros menos. O ideal seria que Deus transformasse este planeta num palco luminescente, onde nos seria dada a oportunidade de duas vidas, a primeira para representar, com todos os equívocos inerentes à natureza humana, e a segunda para viver.

              Mas, como tempos apenas uma vida terrena, o importante é vivê-la dignamente, praticando ao longo dela o menor número possível de imperfeições.

              Neste momento, Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, estou sendo convocado a escolher entre a disciplina partidária e a minha consciência. Estou sendo chamado a me pronunciar entre o direito do cidadão e o interesse do Estado. Estou sendo compelido a firmar posição entre o direito adquirido e o casuísmo. Vou ficar com a minha consciência e as conquistas do contribuinte anônimo, sem que isso necessariamente me transforme em inimigo do meu partido ou adversário do Governo a que pertenço.

              Faço este intróito para me debruçar sobre um tema que reputo de alta significação social e que ameaça a reciprocidade de tratamento que o Estado deve conceder ao contribuinte, depois deste ter colaborado durante décadas para o fortalecimento do Erário. Quero, através de exaustiva e robusta argumentação, evitar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso, um democrata de passado ilibado, um sociólogo notoriamente preocupado com as distorções sociais desta Nação, cometa um gravíssimo equívoco na administração do relacionamento entre o Estado e o cidadão.

              Estou me referindo, Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, à Medida Provisória nº 1.415, de abril de 1996, elaborada pelo Poder Executivo e que institui a contribuição social obrigatória para servidores inativos. É evidente que o Presidente da  
República foi mal assessorado quando enviou este monstrengo jurídico para o Congresso Nacional. Esta Medida Provisória está eivada de vícios jurídicos constitucionais e éticos. Sempre apoiei o atual Governo, porque vejo na ação administrativa desenvolvida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso o propósito salutar de dimensionar, equacionar e solucionar os graves problemas sociais que nos afetam. Desta feita, no entanto, a minha consciência obriga-me a invocar o sagrado direito de divergir.

              Esta Medida Provisória, lamentavelmente, fere todos os princípios legais e constitucionais e não pode, em hipótese alguma, receber guarida no Congresso Nacional. Se assim o for, estaremos abandonando os caminhos transparentes da Democracia, tão arduamente conquistada por nós, para retornarmos aos subterrâneos da opressão.

              Antes de enunciar as razões técnicas, jurídicas, constitucionais e éticas pelos quais sou radicalmente contrário à MP 1.415, gostaria de analisar os motivos que levaram o Governo a incidir nesse lamentável equívoco.

              Somos mais do que sabedores das dificuldades enfrentadas pelo sistema previdenciário brasileiro. Que ele é obsoleto, ninguém mais tem a menor dúvida. Que ele é um instrumento voraz, que devasta com apetite invulgar as nossas dotações orçamentárias, ninguém desconhece. Que ele, durante vários anos, foi assaltado por quadrilhas organizadas que agiam à sua sombra, o próprio Governo reconhece.

              Admito que algo deve ser feito para se soerguer a Previdência Social do País, mas não às custas da penalização do contribuinte que honrou todos os seus compromissos perante a Nação e que, repentinamente, se vê esbulhado em seus direitos. Esta MP oficializa uma nova contribuição social para os servidores inativos. Quem me garante que no futuro todos os outros aposentados também não serão afetados pela medida

              Por outro lado, Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, não posso deixar de manifestar a minha estupefação pela discriminação imposta pelo Governo, através desta Medida Provisória, à classe dos servidores públicos. É anárquico, é inconcebível que o Governo patrocine uma campanha de descrédito contra a sua força de trabalho, apresentando os servidores como privilegiados à espera da guilhotina do povo. Com a escolha dos servidores inativos para cobaias dessa malfadada experiência tributária, o Governo deixou-nos a impressão de que os considera parasitas ou assaltantes em potencial do Erário.

              Construiu-se neste País - e agora o próprio Governo colabora para que a farsa seja mantida - a imagem equivocada de que o servidor público é câncer que engorda às custas das mazelas alheias, faturando altos vencimentos, gozando de privilégios imorais e dispondo de benefícios não concedidos aos outros mortais. Pode ser que alguns poucos vivam nesse patamar de antipatia, mas a imensa maioria dos servidores convive com vencimentos humilhantes e chora no final do mês, quando vê que o dinheiro depositado em sua conta não dará para pagar as suas dívidas.

              Mas, admitindo-se que todos os servidores inativos deste País fossem nababos, seria inconstitucional exigir-se deles uma nova contribuição para a Previdência Social. Baseado em que pressuposto o Governo institucionaliza o seu preconceito contra uma classe trabalhadora, que tem ajudado a Nação a crescer?

              Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, pretendo agora abandonar o tema conceitual e me dedicar exclusivamente à análise das imperfeições jurídicas e constitucionais presentes na Medida Provisória 1.415, de abril de 1996, que dispõe em seu art. 7º:

              "Art. 7º - O art. 231 da Lei nº 8.112, de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

              "Art. 231 - O Plano de Seguridade Social do servidor será custeado com o produto da arrecadação de contribuições sociais obrigatórias dos servidores ativos e inativos dos três Poderes da União, das autarquias e das fundações públicas."

              Analisemos, então, a questão da cobrança de contribuições sociais instituídas por medida provisória.

              Dispõem os artigos 40, § 6º e 195, § 6º, da Carta Magna:

              "Art. 40 - ..........................................................

              § 6º - As aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei".

              "Art. 140 - ......................................................

              § 6º - As contribuições sociais de que tratam este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da Lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, 'b'".

              O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o prazo de noventa dias, previsto no artigo anteriormente citado, pode ser contado a partir da vigência da medida provisória, no caso de ela ser convertida em lei. Entretanto, os mesmos julgados são unânimes na impossibilidade de exigência das contribuições sociais antes de decorridos noventa dias da publicação da lei - ou medida provisória, se for o caso -, que as houver instituído ou alterado.

              De imediato, Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, evidencia-se o fato cristalino de que a contribuição de que fala a MP 1.415 somente pode ser exigida a partir de noventa dias após sua publicação, desde que esta seja convertida em lei.

              Resta ainda analisar a hipótese de que a citada medida provisória não ser apreciada pelo Congresso Nacional nos trinta dias de sua vigência e ser reeditada pelo Poder Executivo. Nessa situação, comungo do raciocínio de que o prazo de noventa dias, previsto no art. 195, § 4º, terá início na data da publicação da nova MP.

              Trata-se de entendimento decorrente do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição, verbis:

              Art. 62 - ............................................................

              Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes".

              Logo, Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, considerando que a Medida Provisória 1.415, de 1996, perderá eficácia, desde a sua edição, se não for convertida em lei no prazo de trinta dias a partir de sua publicação, não há como considerar o período em que o diploma legal esteve vigente, para o interregno de noventa dias exigido para a cobrança de contribuições sociais, em vista da clareza do § 6º do art. 195 da Constituição Federal. Não há como discutir sobre a data da publicação da nova medida provisória, ainda que editada em idênticos termos da anterior.

              Assim fica plenamente caracterizado que a contribuição social instituída por medida provisória somente poderá ser exigida noventa dias após a sua publicação, desde que ela seja convertida em lei durante o prazo de sua eficácia. Na hipótese de a dita MP perder a eficácia por decurso de prazo e ser reeditada, o interregno de noventa dias começará a ser contado da data da publicação do novo diploma legal.

              Cabe agora discutir-se uma questão material de importante significação. Pode o Governo exigir dos inativos contribuição para a previdência?

              Dispõem os artigos 195 e 201, § 1º da Carta Magna:

              "Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais:

              I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

              II - dos trabalhadores;

              III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

              ..........................................................................

              Art. 201 - .........................................................

              § 1º - Qualquer pessoa poderá participar dos benefícios da previdência social, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários."

              Ou seja, Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, de acordo com o art. 194 da Carta de 1988, a seguridade social compõe-se de um conjunto de ações englobando os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, e será financiada, diz o art. 195, mediante recursos de duas fontes distintas, quais sejam, os provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e os das contribuições sociais.

              O disposto no art. 201, § 1º da Lei Maior, prevê a previdência social como de fundo contributivo, isto é, a obtenção de seus benefícios está vinculada à contribuição do interessado.

              Não é em outro sentido o disposto no art. 40, § 6º da Carta Política, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993. A previdência dos servidores públicos é, também, de fundo contributivo, na mesma sistemática da previdência social. para tal, o financiamento da aposentadoria e das pensões públicas federais será feito, de forma parelha à dos demais cidadãos, mediante recursos dos servidores públicos e da União, aqui também na condição de empregadora.

              A Lei é clara, transparente, inequívoca e intransponível. A partir da Emenda Constitucional nº 3, Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhoras Senadoras, os proventos de aposentadoria dos servidores públicos civis não mais são, como eram antes, pro labore facto, isto é, derivados do mero exercício do cargo público, mas uma contraprestação das contribuições efetuadas. Ora, a partir do momento em que o servidor se inativa, encerram-se as contribuições, cabendo ao órgão previdenciário cumprir a sua parte no acerto, ou seja, o pagamento da aposentadoria.

              Foi neste sentido o voto dado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, em 27 de abril de 1995, com relação à admissibilidade de Proposta de Emenda à Constituição nº 33, de 1995. Naquela ocasião foi considerada inadmitida alteração na Carta Magna, pela qual se instituía a contribuição do servidor inativo para a previdência, conforme o voto em separado do ilustre Deputado Prisco Viana, adotado pelo Colegiado:

              "Ora, após atender às condições do respectivo plano de aposentadoria ou pensão, não é lícito compelir o segurado a voltar a pagar para fazer jus àquilo que já se incorporou ao seu patrimônio jurídico, em matéria de previdência".

              Na Sessão Extraordinária realizada no início do presente ano, rejeitou a Câmara dos Deputados, em 17 de janeiro, o Projeto de Lei nº 914, de 1995, que igualmente instituía a contribuição previdenciária dos servidores inativos, sob o argumento de que a matéria não estava abrigada pelo disposto no art. 40, § 1º da Carta Magna. Aquele dispositivo permitiria a cobrança de contribuição previdenciária apenas dos servidores que, conforme definição da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é a pessoa legalmente investida em cargo público. Assim, como os inativos não ocupam cargo público, não poderiam ser incluídos como financiadores da seguridade social dos servidores públicos.

              Concluída a exaustiva argumentação, chega-se a três conclusões elementares e definitivas:

              1 - A cobrança de contribuição social por medida provisória somente é possível no caso de esta ser convertida em lei e após noventa dias de sua publicação.

              2 - Na hipótese de reedição da norma por esta ter perdido a eficácia por decurso de prazo, a obrigação somente pode ser exigida, igualmente, se a nova medida provisória for convertida em lei e obedecido o mesmo interregno contado da respectiva publicação.

              3 - Na atual ordem constitucional, a previdência dos servidores públicos tem fundo contributivo, é uma contraprestação das contribuições efetuadas e, nesse sentido, não é possível cobrar-se do inativo para manutenção do sistema.

              Diante do exposto, desejo reafirmar a esta Casa o meu propósito de me opor, com toda a instrumentação jurídica que puder reunir, à aprovação da medida Provisória nº 1.415. Malgrado a admiração que tenho pela obra administrativa do Presidente Fernando Henrique Cardoso e independente do sentimento de lealdade que me mantém preso ao meu partido, não posso e nem devo me tornar cúmplice de uma violação constitucional.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/1996 - Página 9843