Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÕES DE S.EXA. COM O ENCAMINHAMENTO DAS DISCUSSÕES SOBRE O PROJETO QUE LIMITA A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • PREOCUPAÇÕES DE S.EXA. COM O ENCAMINHAMENTO DAS DISCUSSÕES SOBRE O PROJETO QUE LIMITA A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1996 - Página 9619
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • DEFESA, DISCUSSÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, LIMITAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ENCAMINHAMENTO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de externar a minha preocupação a respeito do encaminhamento de uma matéria, que, a julgar pelas manifestações de diversos Senadores neste plenário, dos mais diversos partidos políticos, pensava que seria diferente.

Começo a perceber que talvez tenha sido formada mais uma comissão nesta Casa que acabará em pizza. Refiro-me à questão das famigeradas medidas provisórias. Os mais diversos Senadores, não só os da Oposição, já se pronunciaram nesta Casa contrariamente à sanha legiferante do Poder Executivo. Falou-se que o Congresso Nacional estava abrindo mão de suas prerrogativas, que o Executivo legislava, etc.

Desde o ano passado, tramita nesta Casa - se não me engano, entrou pela primeira vez na pauta em maio do ano passado - projeto do então Deputado e atual Ministro da Justiça, Nelson Jobim, que trata da questão das medidas provisórias, limitando-lhes a edição. Além disso, há no Senado quatro propostas de emenda constitucional, de autoria dos Senadores Esperidião Amin, Roberto Requião, Ney Suassuna e Nabor Júnior, que também tratam da matéria.

Durante todo o ano passado, todas as vezes em que essas propostas eram trazidas ao Plenário, adiava-se sua discussão, alegando-se que havia um estudo, um parecer do Senador Josaphat Marinho, que pretendia conciliar as diversas versões do assunto. A verdade é que, durante todo o ano de 1995, o Senado da República não se dispôs a apreciar os seus méritos e a votar as propostas de emenda constitucional e o projeto do então Deputado Nelson Jobim, fosse para rejeitar ou para aprovar.

Há aqueles que dizem: "Não, o projeto do Deputado Nelson Jobim é inconstitucional". Já que isso não pode ser feito por lei complementar, tem que ser por proposta de emenda constitucional. Nesse caso, cabe ao Senado rejeitá-lo, arquivá-lo e dizer que é inconstitucional; não dá para ficar simplesmente empurrando com a barriga.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Antes de conceder-lhe o aparte, Senador Pedro Simon, permita-me terminar de historiar.

Passadas todas essas tentativas, neste ano formou-se uma Comissão, da qual fazem parte, além dos autores das diversas propostas de emenda constitucional, representantes de partidos e alguns líderes, e tem como Relator o Senador Josaphat Marinho. Essa Comissão deveria apresentar um parecer que seria votado na Comissão e depois viria ao Plenário, para ser novamente submetido à votação.

Quando da discussão da matéria no plenário, a Liderança do Governo dizia que essa não era uma questão de Oposição ou de Governo, mas de prerrogativa do Congresso Nacional, e que o Senado tinha que se manifestar. No entanto, segundo a imprensa, não é mais essa a direção. O Senador Josaphat Marinho concluiu o seu parecer, que amplia o prazo de apreciação da medida provisória para 60 dias, proíbe sua reedição e ainda dispõe que, caso não seja apreciada nesse período, a medida provisória será convertida em projeto de lei, que passará a tramitar no Congresso Nacional em regime de urgência, como disposto no § 2º do art. 64.

A imprensa tem publicado manifestações segundo as quais o Executivo não vai aceitar de maneira nenhuma o referido parecer, não vai aceitar de maneira nenhuma a saída, a proposta que o Senado Federal teria encontrado. Ficamos então nesta velha dicotomia: ao mesmo tempo em que o Congresso reclama do Poder Executivo pela quantidade de medidas provisórias editadas, o Governo contra-ataca alegando que elas não são votadas porque o Congresso Nacional não quer.

Há mais de 40 medidas provisórias a serem apreciadas - uma delas vem sendo reeditada desde 1993 -, e procura-se passar a imagem de que o Congresso não as quer votar, que esse acúmulo é decorrente da falta de trabalho da Casa.

Sabemos muito bem que as coisas não acontecem dessa maneira. A grande verdade é que o Congresso Nacional não vota as medidas provisórias porque o Governo, mediante a ação das suas Lideranças, prefere que elas não sejam votadas. Por quê? Porque lhe interessa mais a reedição. Portanto, é muito mais cômodo para o Poder Executivo reeditar do que submeter a voto medidas provisórias tão polêmicas, como a que dispôs sobre o Proer, o salário mínimo e diversas outras que estão sempre na Ordem do Dia.

O Governo Fernando Henrique Cardoso tem inovado até nessa questão, porque alega que na verdade editou pouco mais de quarenta medidas provisórias; o resto seria reedição. No entanto, inventou uma nova fórmula: tratar dos assuntos mais díspares em uma mesma medida provisória - e faz isso para poder dizer que está editando poucas medidas provisórias. Elabora medidas tão amplas que, se se seguisse a prática dos Governos anteriores, cada uma daria origem a 10 ou 15 outras medidas provisórias.

Como eu havia dito, preocupo-me com o caminho que vêm tomando as discussões, não no âmbito da Comissão, porque, mal ou bem, ela se reuniu com quorum em todas as reuniões. O Senador Josaphat Marinho apresentou o seu parecer, mas, ao que tudo indica, o Senado Federal, em função da ação das Lideranças dos partidos governistas, vai mais uma vez empurrar com a barriga ou vai expor para o Congresso Nacional qual o modelo de projeto de regulamentação de medida provisória que seria aceitável para o Poder Executivo, o que, na minha avaliação, significa total ingerência do Poder Executivo nesta Casa. O Senado e o Congresso Nacional encontram-se em momento de afirmação sobre seu papel na democracia brasileira. Quando um jornalista ou um cineasta faz ataque à instituição ou a setores dela, diversos Parlamentares, Presidentes, líderes cerram fileiras, defendem as prerrogativas do Congresso Nacional, ameaçam com a Lei de Imprensa. No entanto, em relação a questões elementares que dizem respeito às prerrogativas desta Casa - uma das principais é a de legislar -, continuamos abrindo mão.

Concedo o aparte ao Senador Pedro Simon, que o havia solicitado no início do pronunciamento.

O Sr. Pedro Simon - Obrigado, deixarei para mais tarde.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Então, Sr. Presidente, Srs. Senadores, vejo na pauta do Senado da República que, no próximo dia 19, estão incluídos todos os projetos e propostas de emenda constitucional que tratam da matéria, independentemente de a Comissão chegar a um acordo, independentemente da manifestação dos Líderes dos partidos governistas. O dia 19 será o primeiro dia de discussão das propostas de emenda constitucional. Espero que, nesse dia, as diversas Lideranças dos partidos que têm assento nesta Casa ajam não como parlamentares membros de partidos que formam a base de sustentação do Governo Federal, mas como membros de um Poder independente, de um poder fundamental para a democracia brasileira. E que, portanto, têm que garantir e fazer valer as suas prerrogativas e que não podem mais continuar aceitando a ingerência indevida do Poder Executivo no seu trabalho.

Porque, como também já disse por diversas vezes, e a meu ver isso vem acontecendo, as lideranças dos partidos governistas estão confundindo o papel legítimo de defender os interesses do Executivo nesta Casa, mas tendo claro que este é um governo que não vai durar ad aeternum; vai passar, e, ao fazerem isso, ao confundirem essas prerrogativas, que são legítimas, com a subserviência do Poder Legislativo ao Poder Executivo, estão assim contribuindo para o enfraquecimento desta Casa e o enfraquecimento da própria democracia.

Espero sinceramente que o Senado da República, pelo menos nós, façamos o nosso trabalho. Podemos até dizer: "Não adianta votar isso aqui, porque chegando na Câmara será engavetado, será modificado ou coisa do gênero". A mim não importa! O que importa é que façamos o nosso papel. E depois, na Câmara, os Deputados serão cobrados para fazer o seu, embora deva-se registrar que, mesmo sendo questionada do ponto de vista constitucional, a Câmara fez o seu papel quando votou o projeto do então Deputado Nelson Jobim. E esse projeto chegou ao Senado e ficou engavetado. Se ele é inconstitucional - já que não se pode tratar dessa matéria por lei complementar, mas apenas através de proposta de emenda constitucional -, vamos arquivá-lo, vamos rejeitá-lo, mas não vamos continuar adiando a sua discussão.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Com muito prazer, concedo o aparte ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, esse é um projeto que tem a autoria do então Deputado Nelson Jobim, considerado um dos grandes juristas do Congresso Nacional, e que hoje é Ministro da Justiça. Esse projeto foi aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados, num grande entendimento, e enviado a esta Casa. Digo-lhe com toda sinceridade: não consigo entender onde está a inconstitucionalidade desse projeto. Pode haver interesses diferentes. É claro que, na época, o Deputado Nelson Jobim era um dos Líderes do PMDB e o Presidente da República era o Sr. Fernando Collor. Agora, o Presidente da República é o Sr. Fernando Henrique Cardoso e o Deputado Nelson Jobim é Ministro da Justiça. Tem gente que mexe muito comigo por eu não ter sido convidado para participar dessa Comissão. De certa forma, também estranho, já que fui o Relator aqui no Senado do projeto do Deputado Nelson Jobim. E dei, modéstia à parte - fruto de uma equipe de colaboração - um longo e profundo parecer sobre essa matéria. Entendo. Seria ingenuidade da minha parte não entender que o Deputado Nelson Jobim está numa posição difícil, porque hoje ele está do outro lado. As pessoas cobram de mim, porque eu era Relator da matéria e apresentei um projeto duro no sentido de votarmos as medidas provisórias; depois, virei Líder do Governo do Sr. Itamar Franco. Mas uma questão é importante: não nego que, como Líder do Governo, não tenha saído por aí correndo para que o projeto fosse aprovado; mas não procurei ninguém para que o projeto não fosse aprovado. Peça ao seu ex-Líder, hoje colega seu, Senador Eduardo Suplicy, ou a qualquer outra pessoa que venha dizer que o Governo do Sr. Itamar Franco, seu Líder, ou quem quer que seja tomou providências nesta Casa no sentido de que não se aprovasse o projeto delimitando as medidas provisórias. Já hoje é diferente. Esse é um projeto cuja tramitação está demorando porque há um interesse do Governo no sentido de evitá-lo. Depois de várias votações, depois de várias interrogações, de várias marchas e contramarchas - se não me engano, inclusive V. Exª fez um pedido para que a matéria viesse a ser votada -, depois de várias pedidos do Governo, delongas e mais delongas, chegou-se a um entendimento. Entendimento que me parece muito sério, pois que dele ficaram encarregados Líderes, representações de Lideranças, inclusive o Senador Josaphat Marinho, que já anteriormente ficara incumbido de elaborar o anteprojeto. E, para coordenar a matéria, nada mais nada menos que o Senador José Sarney, Presidente do Congresso Nacional. O Presidente José Sarney ficou com a responsabilidade e marcou data para votarmos, em termos definitivo, essa matéria. Estranho que a imprensa tenha publicado - se não me engano, ontem - que o Presidente da República procurou o Presidente José Sarney no sentido de insistir - no quê, eu não sei, não conheço, a imprensa não diz como foi a conversa, em que se constituiu. Acho que é um direito do Presidente de chamar o Presidente do Congresso Nacional para conversar; é um direito que ambos têm de fazerem o que bem entenderem; só não é um direito não deixarem que a matéria seja votada. Há um compromisso de honra assumido nesta Casa, cujo fiador é o Senador José Sarney, Presidente do Congresso Nacional, que elaborou, que debateu. Ao que sei, já existem estudos sobre essa matéria. Vamos votá-la! Ela está absolutamente pronta para ser votada. Volto a dizer a V. Exª, ilustre Líder do PT: é um escândalo o que está acontecendo no Congresso brasileiro! No dia em que algum jurista resolver escrever a história dos parlamentos do mundo, sobre a época em que estamos vivendo, talvez as duas oportunidades mais ridículas serão apresentadas pelo Brasil: vice-campeã, na época da ditadura militar, com o decreto-lei - que, se não fosse aprovado em 30 dias, era aprovado por decurso de prazo; e campeã do ridículo agora, em plena democracia, com a medida provisória - se não for aprovada depois de 30 dais, é reeditada por cerca de 30 ou mais dias. Nobre Líder, tenho uma posição muito tranqüila. Lendo o texto da Constituição, não tenho dúvida alguma. É lamentável! Parece que houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal, mas não há quem possa explicar lendo o texto da Constituição, porque ele não é muito claro: publicada a medida provisória, se, durante 30 dias, não for aprovada, ela morre. Não sei onde descobriram que ela pode ser reeditada uma, duas, sei lá quantas vezes. Por isso, acho que o mínimo que podemos fazer é tomar uma decisão definitiva sobre essa matéria. Meus cumprimentos a V. Exª, por mais uma vez estar debatendo tão importante e significativo assunto.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. V. Exª, no início do seu aparte, tocou num ponto que considero fundamental: a continuar essa linha de pensamento, não chegaremos a lugar algum. O Ministro Nelson Jobim, quando Deputado do PMDB, apresentou esse projeto. Não sei se hoje o Ministro Nelson Jobim continua sendo favorável ao seu projeto, porque as coisas acabam sendo colocadas como uma briga, ou uma disputa entre o Congresso e o Governo que está no momento, quando a questão que está em discussão não pode ser essa. É uma discussão de poderes. Se a medida provisória é um instrumento típico do regime parlamentarista, se a Constituição tem um corpo parlamentarista - porque a maioria era parlamentarista na época e acabou passando para o presidencialismo -, então vamos resolver esse problema como um todo, de um modo geral. O que não pode é continuar do jeito que está.

A grande verdade, Senador Pedro Simon, é que realmente foi feito um acordo entre as Lideranças no sentido de se dar prazo para votar essa matéria, que está na pauta do dia 19. O problema é que o parecer do Senador Josaphat Marinho não agradou ao Governo; em função disso, agora já não querem mais que seja votado no dia 19. Esse é o problema.

Quero ver como vão se comportar as Lideranças do Governo, que disseram aqui, textualmente, que essa não era uma discussão entre Governo e Oposição, mas a discussão sobre uma prerrogativa do Congresso Nacional. É nesses termos que a questão tem que ser colocada; do contrário, o Governo vai continuar, eternamente - pelo fato de ter maioria no Congresso e maioria ainda mais confortável no Senado -, não permitindo que se vote o projeto sobre as medidas provisórias, já que não o quer dessa maneira.

Acredito até que não votarão contrariamente, porque isso não ficaria muito bem para o Congresso Nacional; como não votam contra, usam artifícios que já foram usados n vezes. Isso independe da Mesa, que coloca o projeto na pauta - está na pauta do dia 19 -; no entanto, o Plenário pode deliberar no sentido de um adiamento ou para que seja ouvida a comissão A ou B. Daqui a pouco, vão mandar para a Comissão de Serviços de Infra-estrutura o projeto das medidas provisórias, não duvido nada.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero concluir fazendo esse apelo. Na Comissão existe acordo. Se não há unanimidade, pelo menos há uma maioria esmagadora em torno do texto do Senador Josaphat Marinho. No entanto, como na Comissão não está presente o Líder do Governo, não sei como a Liderança do Governo vai-se comportar quando o assunto voltar para o plenário. Se pudesse apostar nessa questão, apostaria que não votaremos isso no dia 19.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1996 - Página 9619