Discurso no Senado Federal

AUMENTO DOS GASTOS DO GOVERNO COM OS JUROS DA DIVIDA PUBLICA. CRITICAS AO PROER.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • AUMENTO DOS GASTOS DO GOVERNO COM OS JUROS DA DIVIDA PUBLICA. CRITICAS AO PROER.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1996 - Página 9669
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, EXECUÇÃO, GOVERNO, DIVIDA PUBLICA, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).

O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o noticiário econômico dos últimos dias vem sendo dominado pela questão do crescimento da dívida externa, em razão da prioridade absoluta do governo federal que é evitar o estouro da base monetária e assim exorcizar a ameaça de recrudescimento da inflação.

No primeiro trimestre do corrente ano, os gastos do governo com juros da dívida pública cresceram 87,5% em relação ao mesmo período de 1995. Entre janeiro e março último o país desembolsou R$ 3,98 bilhões para honrar essa conta de juros, uma quantia quatro vezes maior que aquela que o governo promete gastar com os assentamentos da reforma agrária.

Em fins do ano passado, a dívida interna em títulos era da ordem de R$ 108 bilhões e de lá para cá já aumentou em R$ 30 bilhões. Apenas para refrescar nossa memória, lembremos que o professor Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República em janeiro de 1995, com essa dívida situada na faixa de R$ 62 bilhões. Em seu primeiro ano de governo, o país pagou juros reais de R$ 36, 26 bilhões, os maiores desta década.

Os analistas financeiros apontam duas principais causas para esse problema. De um lado a compra, pelo Banco Central, dos dólares de investidores estrangeiros, que aqui chegam em volumes cada vez maiores, justamente atraídos pelas mais elevadas taxas de juros de todo o planeta. De outro, as despesas referentes as diversas operações de socorro a bancos que se tornaram comuns desde o ano passado.

Apenas no marco do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), os desembolsos anunciados oficialmente até agora somam R$ 11,1 bilhões e chegarão a R$ 11,2 bilhões, com a última liberação de R$ 100 milhões, para o Mercantil. Para o Banco Nacional, absorvido pelo Unibanco no início deste ano, o Banco Central liberou cerca de R$ 5,9 bilhões, ou seja, mais do que tudo, o que fora gasto com todos os bancos liquidados até 1994. Recorde-se que, no caso do Comind, um dos maiores escândalos financeiros da década passada, a liquidação não ultrapassou a casa de US$ 1 bilhão.

Tal cifra, Sr. Presidente, reduz-se a uma proporção relativamente modesta quando cotejada com o montante conjunto das liberações autorizadas para o salvamento do Econômico (R$ 2,95 bilhões), da Caixa Econômica Federal ( R$ 1,68 bilhões), o Banorte (R$ 540 milhões), o Mercantil (R$ 102 milhões), o Antônio Queiroz (R$ 111 milhões). A conta total do Proer deverá chegar a R$ 12 bilhões já em julho próximo; isso, na hipótese otimista de que mais nenhum banco venha a quebrar...

Mas esta não é a única torneira por onde o Banco Central irriga a UTI da incompetência e da má-fé que hoje ameaça a credibilidade do sistema financeiro como um todo. No recente episódio da compra do Banco Nacional do Norte (O Banorte),o Bandeirantes não tinha garantias suficientes para fazer jus às linhas de crédito do Proer, mas pôde ainda assim valer-se de cerca de R$ 300 milhões do Fundo Garantidor de Crédito (correspondentes ao seguro-depósito), sempre com o beneplácito do BC. O Bandeirantes que pagou apenas R$ 37,5 milhões pelo Banorte, cujos ativos situavam-se na casa de R$ 1,8 bilhão, já deixou claro que o Banco Central terá de assumir um prejuízo entre R$ 300 milhões e R$ 500 milhões, referentes a créditos "podres" e ativos que não interessam. E mais: o Bandeirantes não desembolsará um níquel para honrar os passivos trabalhistas dos mais de três mil funcionários do Banorte, que já estão sendo demitidos.

Como disse há pouco, mesmo com toda a paternal disposição do BC para aceitar títulos "podres" do Bandeirantes pelo seu valor de face (ou seja, 50% ou mais do que o negociado em mercado) nem assim eles foram o suficientes para garantir a operação através do Proer. No ano passado, o Bandeirantes lançou como despesa cerca de R$ 100 milhões de créditos contra o governo federal em papéis do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), o que reduziu seu Imposto de Renda a pagar, mas o deixou sem garantias.

Neste ponto, eu pediria a atenção dos nobres colegas para os dois argumentos básicos que têm sido incessantemente martelados pelas autoridades econômicas e pelo próprio presidente da República em defesa do Proer e demais mecanismos de socorro aos bancos:

1º) A preocupação fundamental consiste em eliminar as fontes de "risco sistêmico" (ou seja, de uma "quebradeira em série"), através de incentivos a fusões e aquisições de modo que apenas as instituições financeiramente sólidas e saudáveis permaneçam no mercado. Pergunto eu: por acaso o Bandeirantes, incapaz de oferecer garantias mínimas que o qualificassem para beneficiar-se dos juros e prazos extremamente favoráveis do Proer, se enquadra nessa categoria? Não estaria o Banco Central, neste caso, agindo com extrema imprudência ao prodigalizar facilidades a um banco sem cacife, o que, ao fim e ao cabo, nada mais significaria senão remanejar o "risco sistêmico" como pedra de jogo de mico-preto?

2º) O Presidente da República, o Ministro da Fazenda, o presidente e os diretores do Banco Central garantem que o Proer jamais interferiria nas contas públicas, porque o dinheiro usado para socorrer os bancos era originário do depósito compulsório, isto é, dinheiro dos bancos recolhido aos cofres do BC. Mais uma vez pergunto eu: se isso é verdade, por que, então, o recente relatório do Tribunal de Contas da União sobre os gastos públicos em 1995 sustenta que o programa de fusões e aquisições bancárias do governo "tornou-se um dos principais fatores de crescimento da dívida interna federal"? Por que, então, sempre de acordo com o documento do TCU, apenas no período de novembro de 1995, data de lançamento do Proer, a janeiro de 1996, a dívida pública aumentou cerca de R$ 13,7 bilhões?

Mais adiante, o relatório do TCU deixa claro que a aplicação de juros extremamente camaradas, da ordem de 2% ao ano, para os empréstimos do Proer acarretará uma "provável perda para o patrimônio público", além de constituir um subsídio rigorosamente ilegal, de vez que "empréstimos concedidos pelo BC somente podem ter taxas favorecidas quando destinadas a atividades rurais".

Não, Sr. Presidente, nenhum argumento oficial, por mais sofisticado e especioso, consegue mais ocultar aquilo que a opinião pública nacional já compreendeu e sente na própria carne: os métodos escolhidos pelo governo federal para socorrer os bancos, estão, sim, tirando recursos da educação, da saúde, do saneamento básico, da segurança - enfim de todas aquelas metas eloquentemente defendidas pelo candidato Fernando Henrique Cardoso em 1994 - para dar aos banqueiros.

Em uma perspectiva macroestratégica de longo prazo, isso tende a inviabilizar os objetivos contidos no Plano Plurianual de 1996 a 1999, já neste seu primeiro ano de vigência. Segundo o documento, a dívida pública deveria corresponder, em fins de 1996, a 22,5% do PIB, algo em torno de R$ 151 bilhões. Ora, minhas senhoras e meus senhores, já no mês de março último, essa dívida atingiu R$ 220 bilhões, quase R$ 70 bilhões anuais do esperado há apenas nove meses. Como será possível carrear investimentos públicos para os projetos do P.P.A. diante dessa dívida, desse déficit ? Na presente conjuntura, não adianta sequer apelar para parcerias criativas com o setor privado, que de acordo com o P.P.A., deveria entrar com R$ 700 bilhões para financiar esses investimentos. Pressionado por esse gigantesco déficit, o governo acaba funcionando como uma gigantesca centrífuga que suga os recursos disponíveis do mercado, em troca de juros cada vez mais altos e, por isso mesmo, inibidores de empréstimos bancários a iniciativa privada Resultado: agravamento da recessão e, conseqüentemente, do desemprego.

Ora, tudo isso incide negativamente nas projeções de crescimento para o período coberto pelo P.P.A. Originariamente essa previsão era de 4% para 1996, passando a um patamar de 5% até 1998, o que daria uma média de crescimento econômico anual de 4,6% até 1999.

Hoje, o governo redimensionou sua expectativa para este ano em 3%, mas extra-oficialmente as autoridades econômicas já se conformam com uma taxa de apenas 2%.

Pelo visto, ao menos até onde a vista alcança, só mesmo os banqueiros não têm do que se queixar...

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1996 - Página 9669