Discurso no Senado Federal

ESTRUTURA FUNDIARIA ARCAICA DO BRASIL COMO RAIZ DE VARIOS PROBLEMAS SOCIAIS.

Autor
Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • ESTRUTURA FUNDIARIA ARCAICA DO BRASIL COMO RAIZ DE VARIOS PROBLEMAS SOCIAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1996 - Página 9657
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, ADOÇÃO, URGENCIA, POLITICA, OBJETIVO, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, EXISTENCIA, CONFLITO, DISPUTA, POSSE, TERRAS, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, MOTIVO, EXCESSO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a repercussão no exterior da notícia do morticínio dos sem-terra em Eldorado dos Carajás pôde ser medida no protesto que alguma organizações não-governamentais fizeram em Paris, quando da recente visita do Presidente Fernando Henrique à França. Não nos iludamos: embora aquela ação possa sempre ser creditada a grupos de opinião minoritários e radicais, a verdade é que a imagem do Brasil saiu seriamente arranhada desse episódio. Mesmo os formadores de opinião mais ponderados do exterior enxergam o Brasil como um país à beira da convulsão social.

Não é para menos: já está ficando cansativa essa repetição de incidentes como os da Candelária, de Vigário-Geral, do Carandiru, nas cidades, e de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, nos campos. Para um País que gosta de contar vantagem da índole pacífica de seu povo, é uma contabilidade comprometedora. País recordista em desigualdade social, segundo as estatísticas insuspeitas das Nações Unidas, o Brasil abusa do direito à alienação do tipo daquele que a rainha Maria Antonieta fez inscrever na história das infâmias universais. Parece que nossas elites estão escarnecendo da capacidade dos pobres de se resignarem.

Não se pense que a violência urbana e a violência rural, ilustradas pelas ocorrências que acabo de citar, têm origens totalmente diferentes. Juntei aqui esses incidentes, porque, no fundo, entendo que todos derivam do mesmo problema: a estrutura fundiária arcaica do País. A superpopulação das cidades, muito além de sua capacidade atual ou futura de absorver mão-de-obra desqualificada, é resultado do êxodo rural forçado pela concentração da posse de terra.

Naturalmente, não estou dizendo com isso que a criminalidade urbana e periférica deva-se somente à pobreza de populações que se deslocaram recentemente do campo para as cidades, em cujo mercado de trabalho não puderam se encaixar, por falta de especialização, instrução, treinamento etc. Embora o crime tenha outras causas, a miséria dos campos deve sempre ser levada em conta, quando se tenta abordar o problema em busca de suas causas, para atacá-las.

De qualquer modo, o fato é que os conflitos pela terra vêm se agravando nos últimos anos, talvez em conseqüência das dificuldades econômicas por que passa o País, o que sempre resulta em maior prejuízo dos mais pobres. Uma grande parcela de deserdados já sabe que não adianta migrar para os centros urbanos, pois sua situação não melhorará. Ficam então pelas estradas, buscando terras para invadir e tomar posse, atribuindo-se a função de juízes e executores.

Esse açodamento, embora compreensível, não deve ser aceito sem reservas e constitui, na verdade, uma forte causa da reação violenta dos proprietários da terra invadida, a ponto de ser crível a versão de que chegam a contratar e a subornar policiais para a defesa sangrenta do que consideram seu direito. Com efeito, se a reforma agrária é uma necessidade - e o é, sem qualquer sombra de dúvida -, ela precisa ser feita no respeito à lei e aos direitos de propriedade dos que terão suas terras consideradas aptas para assentamentos. O problema é que a origem de incidentes lamentáveis como esses reside na inação do Governo, em sua falta de coragem e iniciativa, que leva os dois lados da disputa a esses extremos.

O caso de Eldorado é exemplo claro de uma crônica de um morticínio anunciado. Mais de vinte anos de conflito mais ou menos continuado, aberto, naquela área, não serviram de alerta bastante para o Governo decidir-se a intervir. E mesmo quando entra nessas questões, tenta impor aos fazendeiros o pagamento integral de suas terras com os papéis podres da Dívida Agrária, o que, compreensivelmente, eles rejeitam. Devemos reconhecer que o atual Governo demonstra boa vontade com o pagamento parcial em dinheiro, o que, com certeza, facilitará em muito a solução de algumas dessas situações explosivas.

Não há, portanto, no que discordar dos que responsabilizam o Governo por ocorrências como essas. Quem não age deixa que as coisas aconteçam. Claro que não se trata de um problema do Governo atual - reconheça-se isso -, mas de um desinteresse contínuo de vários Governos, ao longo das décadas durante as quais, por exemplo, uma instituição como o INCRA pôde existir sem efetivamente cumprir as funções para as quais foi criado. O que tem faltado é uma política séria, fundada em critérios técnicos, para a desapropriação de terras e o assentamento de colonos. Cada vez que uma situação pontual torna-se aguda, lá vai o Governo e arranja uma solução tópica, particular, sem que se veja qualquer sinal de que se está empregando um plano.

Essa falta de interesse real em solucionar o problema dos conflitos no campo não está restrita aos órgãos do Poder Executivo que tratam - ou deveriam tratar - desse assunto tão sério. Ao Poder Judiciário cabe também uma parcela de responsabilidade, ao acatar, por exemplo, os recursos contra o rito sumário de desapropriação impetrados por proprietários de terras em que se descobriram plantios de drogas como a maconha e a coca. Esses proprietários sempre alegam que só são suscetíveis de rito sumário as porções de suas terras em que foram encontradas as plantações proibidas, o que, no meu entendimento, contraria o espírito do dispositivo constitucional que consigna o rito sumário para tais casos.

Nessas ocasiões, o Judiciário, embora na justa preocupação de defender direitos ameaçados de violação, apenas retarda o estabelecimento de muitos projetos viáveis de assentamento. Julgo, porém, que não se deve ter qualquer complacência com a produção de entorpecentes. Não acredito, em princípio, que alguém possa ter tais culturas em suas propriedades inocentemente. E cada oportunidade perdida de se conceder terra a um grupo de colonos representa mais gente revoltada bloqueando estradas, pegando em armas, invadindo propriedades e migrando para a periferia das cidades.

Também somos responsáveis em parte - nós, parlamentares - pelo diferimento do processo de reforma agrária. O Poder Legislativo tem um papel importante a cumprir nessa área, não somente na fiscalização das ações dos outros Poderes mas também, e principalmente, em sua função precípua de elaboração de leis. Não podemos ficar aqui falando em reforma agrária como se as ações nessa direção não nos dissessem muito respeito, como se não pudéssemos acrescentar nada às iniciativas governamentais que visam a solucionar o problema. Precisamos engajar o Legislativo no processo, exigindo nossa participação em toda e qualquer medida, toda e qualquer ação que se avente para encaminhar a reforma agrária. Devemos pelo menos um elogio, por exemplo, à iniciativa do Ministério do Exército por ceder parte de suas áreas para fins de reforma agrária.

É preciso, por outro lado, facilitar, desburocratizar os processos de desapropriação e de estabelecimento de projetos de colonização e também disponibilizar legalmente a colaboração de outros segmentos da sociedade, como organizações não-governamentais e fundações, por exemplo.

Respeitar o direito à propriedade, mas combater o abuso da superconcentração fundiária; distribuir a terra aos que querem e sabem plantar, mas evitando a demagogia e o arrivismo; assentar famílias de colonos, não deixando, porém, de fornecer-lhes o mínimo de infra-estrutura de que necessitam para produzir, transportar e comercializar o que colherem - são essas as delicadas implicações de uma política para a reforma agrária que fazem com que o processo não seja coisa para amadores nem muito menos para quem não a quer realmente executar.

Nenhum país se fez grande sem resolver o problema da distribuição da propriedade agrícola. Quem pensa que reforma agrária é idéia de comunista ignora que, entre as imposições dos Estados Unidos ao império japonês após o final da Segunda Guerra Mundial, estava exatamente a de uma reforma agrária profunda e geral, que acabou com os resquícios do chamado "feudalismo japonês". Podem ter certeza os Srs.. Senadores que isso foi um dos fatores do rápido reerguimento econômico nipônico, que agora ameaça até os antigos inimigos que um dia impuseram tanta humilhação àquela gente tão brava.

Deixemos, pois, esse mito. A reforma agrária é uma das maiores urgências no quadro atual de desagregação do tecido social brasileiro. A conseqüência de nossa indecisão já se faz sentir no pânico das classes médias e ricas diante das legiões de miseráveis que nos cercam por todo lado, como nos projetos residenciais para os ricos, em que verdadeiras cidadelas auto-suficientes são construídas para isolar os que têm muito dos que nada têm. Estamos no dilema entre reforma agrária séria e responsável e a barbárie. Será que deixaremos que nosso País seja mais um exemplo da marcha da insensatez colhida da História pela pesquisadora americana Barbara Tuchman?

Era o que tinha a dizer, Srª Presidente.

Meus agradecimentos pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1996 - Página 9657